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Mínimo sou, mas quando ao Nada empresto a minha elementar realidade, o Nada é só o Resto. Reinaldo Ferreira

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Dizem que sou como o sol mas com nuvens como na Cornualha

Friday, July 29, 2005

Palavras Mágicas



Há palavras que não pertencem à linguagem corrente. O seu mistério são uma mola oculta para atingir determinados fins.

Entre os milhões de palavras que uma língua contém algumas surgem com uma força particular.

São as palavras mágicas. O seu som abre as portas da mente para sentimentos latentes ou ainda a revelar.

No meio de uma conversa escrita ou falada, a palavra mágica emerge curta e eficiente. Em verbo ou adjectivo, ela produz efeitos extraordinários, fascinantes, encantadores.

Muitas vezes, as palavras mágicas são usadas inconscientemente pelo que é preciso cautela no falar e no escrever.

Concluindo, o melhor é não abrir a boca, é não olhar, é não sorrir. É não escrever.

da Leonor

Thursday, July 28, 2005

Guerra dos Mundos ou o Conceito de Herói Americano




Gosto de cinema. Gosto daquele ritual de muito contrafeita ficar na fila para comprar bilhete, escolher o lugar na planta da sala, cortarem-me o bilhete à entrada, dirigir-me devagar para o lugar e, ver os filmes que vêm a seguir antes do filme propriamente dito.

Gosto mesmo muito de cinema. Se o tema, o realizador e os actores me convencerem, lá estou eu de frente para o écran gigante rodeada pelo som envolvente do suround system.

Não resisto a uma história de amor, a um filme épico, a uma boa comédia, desenhos animados, ficção científica…

É claro que quase tudo o que se vê no cinema é produção americana. E tal como as tragédias gregas que se caracterizam por cinco andamentos da acção, também os filmes americanos tem uma griffe que os evidencia das fitas europeias: é aquela perseguição promovida pelas Igrejas Católica e Protestante, cada uma à sua vez, consoante a inclinação dos monarcas ingleses da altura, reflectida nos actos heróicos de filmes sobre as primeira e segunda guerras mundiais, a guerra do Vietnam, a Guerra Fria com a União soviética…

O conceito do grande herói que sobressai logo nos primeiros minutos de película pela sua atitude irreverente, de grande mauzão, palito na boca e pernas arqueadas que sofre toda a espécie de injustiças e leva no cachaço até ao final da primeira parte porque logo no inicio da segunda… saiam da frente que ele agora está furioso.

Carros partidos, prédios destruídos, o consumo imediato, o easy through away e o easy replacement… o final está bem de se ver, ele sozinho, o herói, ou um grupinho, de preferência pequeno para mostrar que são poucos mas bons, salvam, não a América, mas toda a humanidade. Para isto não há medalhas que cheguem.

Estou a falar mais exactamente da Guerra dos Mundos. Não aquela que HG Wells escreveu e foi aproveitada por Orson Welles para fazer um programa radiofónico nos finais dos anos 30 e apavorou metade da América mas do último filme de Steven Spilberg.

Não vou contar o filme. Não quero reviver momentos que me deixaram pendurada no espanto, surpreendida pela negativa ao ver o talento deste mestre da sétima arte meter tanta água que dava para afundar o Titanic duas vezes. Tom Cruise é só “lindo e loiro”. Decididamente, o rapaz não tem jeito. Salva a honra do convento o desempenho da menina. Vivendo na dimensão do “faz de conta” os miudos alcançam a perfeição.

Todavia não me arrependi de ter ido ver o filme e até aconselho a ida ao cinema para o ver, mais que não seja para falar mal. Na próxima estreia, lá estarei. Só não compro as pipocas.
da Leonor


Monday, July 25, 2005

Estigma



Foto de Luc Selen

Nos momentos de expressão plástica, a sala de aula transforma-se na Feira da Ladra. Incapazes de ficarem sentados nos seus lugares a pintarem os seus desenhos, os miudos levantam-se amiúde, trocando lápis de cor e perseguindo ferozmente o célebre lápis cor de pele, um rosa creme muito claro, para colorir as suas representações humanas, que independentemente da etnia do autor, são sempre caucasianas.

A hora é livre, o desenho é livre e eu abandono-os à sua criatividade enquanto me abstenho da minha, apontando numa folha os pacotes de leite consumidos pelos alunos durante o dia, assim como as faltas que deram no livro de frequências.

Neste ambiente de troca de objectos cilíndricos cromáticos e partilha de ideias feitas linhas e manchas no papel fala-se alto, como aliás se fala em qualquer feira. A Rita, miúda negra de doze anos, pergunta-me: a professora gostava de ser negra?

A pergunta abana-me.
Fosse qual fosse a resposta, ela iria ter sempre um peso decisivo na afirmação da identidade da Rita.
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Identidade é a consciencia que o individuo tem de si próprio, do lugar que ocupa no mundo. A identidade constrói-se nas experiências vividas através de um jogo de identificação no qual uma pessoa assume características do seu grupo, ou seja, cada um constrói o seu eu através das relações que estabelece com os outros.

O desejo mais primário do homem é o de ser amado e este ideal de ser aceite leva-o a corresponder a uma série de expectativas do outro, tornando-o obediente, fazendo com que a sua identidade seja moldada em troca de estima condicionada.

Na infância, o pincel que desde o inicio dá cores ao nosso retrato está nas mãos da família que nos pede que sejamos aquilo que ela deseja e não aquilo que somos. Mais tarde na adolescência passamos a identificar-nos com o nosso grupo de pares e a olhar-nos com os olhos dos outros.

Esta identidade pessoal e social são dois lados juntos, o de dentro e o de fora. O individuo possui uma identidade real, a dele, aquela que é a sua na realidade, e uma identidade virtual que lhe é atribuida pelos outros e que não lhe pertence, que ele vai construindo conforme as situações, com a finalidade de agradar.

O problema da identificação é que torna o individuo como alguém moldado pela ideologia dominante, interiorizando imagens consideradas perfeitas pela sociedade. Daí, que ele tenha dificuldade em aceitar quem não corresponda moral ou fisicamente a estes modelos sociais, impondo-lhe um estigma.
O sujeito que possui uma marca física que o torna diferente dos outros sente-se como alguém normal, igual aos outros, como se não a tivesse porque essa marca não o diminui. No entanto, o resto da comunidade, exclui-o fazendo-o sentir a toda a hora a incapacidade que essa marca lhe confere, fazendo com que ele se sinta marginalizado e desprezado.

Penso que o único modo de tentarmos resolver o problema de afastamento do outro que não se identifica connosco, seja porque motivos for, é libertar-nos das teias de aranha que prendem os nossos sentimentos e pensamentos em relação ao modo como encaramos o corpo do outro, tornando-nos aberto e livres do paradigma ditado pela sociedade.
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Respondi à Rita, explicando o meu ponto de vista sobre a cor da pele tantas vezes questionado por mim ao longo do processo da construção da minha identidade.

"A cor da nossa pele é um acidente. Não pode ser mudado. Mas o nosso carácter não é um acidente. Depende de nós. Se fores boa pessoa os outros gostarão de ti por fora e por dentro e tu gostarás de ser negra."

Fosse qual fosse a resposta, ela iria ter uma peso decisivo na afirmação da identidade da Rita.

da Leonor

Friday, July 22, 2005

É ou não É, Sei ou Não Sei.


O homem pensa e transmite pensamentos. Naturalmente dizemos “é” ou “não é” e inserindo e omitindo pensamentos uns nos outros afirmamos “sei” ou “não sei”.

O “è” ou “não é” é o problema mais importante do conhecimento que levou Descartes, que duvidava de tudo e mais alguma coisa e até dele próprio, a perguntar se a realidade se reduz ou não se reduz, ao que dela pensamos.

Problemas e mais problemas que o homem inventa…para ser feliz sentindo, sendo infeliz pensando.

Razão tinha Fernando Pessoa quando falou da sua Ceifeira, desejando poder ser ela com a sua alegre inconsciência, sendo ele com a consciência disso.





Ela canta, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anônima viuvez,

Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.

Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões pra cantar que a vida.

Ah, canta, canta sem razão !
O que em mim sente 'stá pensando.
Derrama no meu coração a tua incerta voz ondeando !

Ah, poder ser tu, sendo eu !
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso ! Ó céu !
Ó campo ! Ó canção ! A ciência

Pesa tanto e a vida é tão breve !
Entrai por mim dentro !
Tornai Minha alma a vossa sombra leve !
Depois, levando-me, passai !


de Fernando Pessoa

Wednesday, July 20, 2005

O que pensa sobre Almada Negreiros?



A leitura recente de um artigo publicado pelo António no Eu Sou Louco, a propósito de lutas anti fascistas no qual o referido autor mencionava o nome de Américo Tomaz, o décimo quarto presidente da República Portuguesa, o último presidente do Estado Novo, lembrou-me uma história contada pelo meu professor de Língua Portuguesa no liceu e também mais tarde, na universidade.

Lembro-me desse encontro. Quando entro na sala, atrasada, contra meu usual costume, mas uma vez não são vezes, fiquei tão agradavelmente surpresa que não disse bom dia.

- Foi meu professor há uns anos no liceu do Pragal… - perguntei logo, interrompendo tudo e todos. Era o tempo da surpresa e o tempo da surpresa é sempre meu nem que chova picaretas.

- Fui. E eu lembro-me de si.

O professor Jorge, para mim, era sinónimo de Mário Cesariny. Ele tinha mostrado aos meus quinze anos, aluados pelos anos conturbados pós Revolução dos Cravos, que A Pastelaria de Mário Cesariny não era bem uma pastelaria onde não se comia bolos. Era mais uma pastelaria onde não se comia nada, especialmente… bolos.


Bem, quanto à história…


A acção passa-se na actual Praça do MFA, mais conhecida pela zona do Central , o café enorme, ponto de encontro e de referência para tomada de direcções.

Quando Américo Tomaz chega à referida praça, vindo de Cacilhas, a pé, presumo, mais a sua comitiva, o repórter do jornal local, furando desesperadamente pela multidão, lá consegue aproximar-se do presidente e, segurando no bloco de notas e na Bic laranja de ponta fina pronta a escrevinhar as palavras daquela figura tão importante para o país, pergunta-lhe:

- Senhor Presidente, o que pensa de Almada Negreiros?

Américo Tomaz, colocando a mão no queixo, pensa um pouco e, decidido, responde:

- Almada 1. Negreiros 0.



Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!

Não me digam que não acharam piada……………….!?


Monday, July 18, 2005

Carta à Directora



No ano passado quando verifiquei a morada da escola onde fiquei colocada, as minhas orelhas começaram dolorosamente a ferver como sempre acontece quando sou tomada de um terror súbito e violento.

Todavia, não tinha motivo para tal pois fora eu a grande culpada de ter ido lá parar. Curiosamente foi logo a primeira escola da minha escolha. Mas juro! Juro que quando coloquei o código da escola no boletim eu não sabia o que estava a fazer. Não sei o que se passou. Não me lembro.

A zona da escola é famosa pela sua baixa condição social e económica. Mas eu também já tinha alguma experiência de outras escolas situadas em zonas menos convidativas e pedi ao meu anjo para me convencer do meu destino.

Cheguei à escola, muito bem disposta, por acaso. O sítio… deserto e bolorento. E ao longo do ano sempre o achei deserto e bolorento. Não obstante, a escola era bonita.

Tu, directora, simpática. Muito. De sorriso franco, cabelos caídos nos ombros, já branqueados, com uma franja que te conserva o ar revolucionário e idealista dos estudantes dos anos 70, logo começaste a falar dos miudos da minha turma. Um por um, mostrando que os conhecias como as linhas da palma da tua mão. E conhecias. Recebeste-me de braços abertos que assim se mantiveram durante o ano inteiro em que trabalhámos juntas.

Tu, Luísa, calma, benevolente, experiente das necessidades afectivas das crianças pela sua atitude desafiadora, disfarce de medos infindáveis de maus tratos psicológicos e físicos pela parte daqueles que deveriam ser os seus mais queridos. Progenitores, alguns ausentes, outros presentes mas sempre ausentes.

Tu, Luísa, tão diferente de mim, explosão de sentimentos estapafúrdia que transforma tudo o que vê e ouve ora em brisa fresca de palavras doces ora em rajadas de gritaria ventosa se as coisas não correm consoante o desejo do meu Id, qual criança na sala de aula a puxar a camisola da professora para se fazer ouvida.

O teu gabinete tão perto da minha sala deixava-te ouvir, nas tais colunas de vento ciclónico, tantas vezes acompanhadas de trovoada, os meus apelos ao sentido de dever dos miudos, para cumprirem as regras de sala de aula. Mas, tu nunca te rebelaste contra os meus aguaceiros.

Ensinaste-me, Luísa, que se pode acreditar nas pessoas e, que se acreditarmos nelas elas escolherão sempre o melhor caminho para si e para os outros.

Ensinaste-me que não devo ter medo de morrer pela boca como o peixe, como geralmente sempre morro, por dizer sempre o que sinto, se o que sentir for a pensar no bem do outro.

Ensinaste-me também que não é a zona, que não é a população dessa zona que faz uma escola impossível mas que é o empenho dos professores que tornam a escola possível.

Agora as aulas acabaram. As reuniões brevemente chegarão ao fim e o último dia da minha estadia na escola também virá. E eu já choro uma escola que me fez tremer só de ouvir o nome e uma directora que me mostrou que não há escolas impossíveis quando os professores pensam nelas como as melhores da freguesia.

Despeço-me de ti, repetindo o brinde feito pela Sofia, no nosso almoço de fim de ano “para o ano todos juntos outra vez”.

da Leonor

Friday, July 15, 2005

Capuchinho Vermelho

Embora na maior parte dos clássicos da literatura infantil, nomeadamente nas histórias da Bela Adormecida, Branca de Neve, A casinha de Chocolate e outras mais, a figura mais usual que se opõe à normal sequência dos acontecimentos ser a bruxa, os miudos, à pergunta “Quem é o mau da fita nas histórias infantis?”, respondem prontamente: “È o lobo mau”.

O lobo mau, ares de lambão que, correndo atrás do Capuchinho Vermelho e dos três porquinhos, concebendo de forma maquiavélica estratégias para, literal ou metaforicamente, consoante a faixa etária de quem ouve o conto, se aproveita das fraquezas daquelas criaturas, para se alimentar delas.

Mas, à medida que deixamos para trás a mentalidade demasiado moralizante do século XIX, proclamada por Charles Perrault e até pelos irmãos Grimm, os colectores dos Clássicos da Literatura Infantil, e avançamos pelo século XX, deparamo-nos com um poema fantástico de Roald Dahl no qual o lobo mau aparece como herói, sinal de um despojamento de convenções culturais que falseiam a natureza humana, pois afinal, nem o lobo é tão mau, nem o Capuchinho é tão sonso.


Leonor





O Capuchinho Vermelho

Como estou farto de fazer de bobo!
Diss cheio de fome o senhor lobo.
Há quatro dias que não trinco osso,
A avozinha vai ser o meu almoço.
Quando a avozinha lhe abriu a porta
Com o susto, tremeu, e meia morta,
Fitou aqueles dentes a brilhar.
Ai que o malvado me quer devorar!
A pobre senhora tinha razão
Porque ele a comeu com sofreguidão.
A avozinha era pequena e dura,
O almoço não foi uma fartura.
Ai, estou com uma fome aterradora,
pronto para comer outra senhora.
Foi procurar petiscos na cozinha
mas nada para roer o bicho tinha.
Vou-me sentar no colchão de folhelho
À espera do Capuchinho Vermelho.
Disse o lobo enquanto se vestia
Com as roupas que por ali havia
Saia de seda, botas de verniz
Chapéu de veludo, foi o que qui.
Escovou o pêlo, as garras pintou,
Bem disfarçado assim se sentou.
Um pouco depois, em passo apressado,
A moça chegou, toda de encarnado.
Ó minha avozinha, quero saber,
As tuas orelhas estão a crescer?
Sim, minha neta, para melhor te ouvir.
Que grandes olhos teus, querida avó.
Disse a menina cheia de dó.
São para melhor te ver, disse o lobo
E pôs-se a pensar: não sou nenhum bobo,
Esta bela menina vou papar,
Que bom petisco para o meu jantar,
Vai saber-me que nem um pão de ló
Não é velha nem dura como a avó
Mas avozinha, disse a menina
Tens um casaco de pele tão fina.
Não, disse o lobo, deves perguntar
por que são os meus dentes de espantar.
Bem, digas tu o que disseres
Como-te sem prato nem talheres.
A menina sorriu. Da camisola
Sacou de imediato uma pistola
E com uma certeira pontaria
Pum, pum, pum, aquele bicho morria..

Passaram os dias, passou um mês,
Vivia a menina no bosque outra vez
Mas sem o capuz, sem capa encarnada,
Toda diferente, toda mudada.
Sorrindo me explicou: daquele lobo
Fiz este casaco de pele de lobo.


Histórias em verso para meninos perversos
de Roald Dahl

Tuesday, July 12, 2005

Melting Pot


O fenómeno da globalização desprendeu a humanidade de um determinado espaço geográfico. Hoje em dia, uma etnia não é específica de cada zona do planeta. Encontramo-la em qualquer parte convivendo com outras etnias. È o Melting Pot: uma mistura de cores, cheiros, formas, de valores éticos e condutas morais variadas.

Neste confronto de “nós com o outro”, temos de aprender a viver com ele, com a cultura dele. Neste confronto de ”nós com o outro”… não sabemos viver com ele, pois ainda existem presidentes de regiões autónomas que, numa atitude puramente etnocêntrica proferem publicamente “não queremos cá indianos nem chineses”.

Toda a história da humanidade se resume a uma história de etnocentrismo. Os casos são muitos, mas os que mais sobressaem pelas suas dimensões catastróficas, são as colonizações da América Latina e da América do Norte, o nazismo, e mais recentemente, as lutas étnicas na região dos Balcãs.

Aquando da colonização da América Latina, no século XVI, feita pelos portugueses e pelos espanhóis, os indígenas foram convertidos à religião dos potenciais colonizadores, desalojando os índios da sua cultura. Na colonização norte americana, feita pelos povos fugidos das perseguições religiosas, ora católicas, ora protestantes (Luteranos e Calvinistas) do norte da Europa, o índio não é convertido. Considerado inferior, por ser diferente, é exterminado na sua maioria, sendo o resto deportado para reservas.

Esta experiência da colonização pressupõe, sem dúvida, uma perspectiva etnocêntrica, na medida em que o autóctone é assimilado à imagem do conquistador, deixando de ser ele para passar a ser o outro. É assim que as diferenças sociais são abolidas a ferro e fogo. A Segunda guerra mundial traz-nos mais um exemplo de etnocentrismo.

Um facto curioso, é que a par de todos os comportamentos etnocêntricos, o homem, sempre se preocupou em perceber esta diferença cultural, embora, com métodos pouco ortodoxos. A comprová-lo, Lévi Strauss , na sua obra, Raça e História, conta um caso que é simultaneamente caricato e aterrador: "...alguns anos após a descoberta da américa, enquanto os espanhóis enviavam comissões de investigação para indagar se os indígenas possuíam ou não alma, estes últimos dedicavam-se a afogar os brancos feitos prisioneiros, para verificarem através de uma vigilância prolongada, se o cadáver daqueles estava ou não sujeito a putrefacção".

Para mudar a atitude etnocêntrica, que não reconhece a cultura dos outros, há que, admitir que a humanidade com a sua diversidade de culturas constitui um todo complexo e só é possível entendê-la, aceitando essa diversidade.
Para tal, é preciso criar uma nova filosofia que exija saber estar com o próximo, uma filosofia chamada relativismo cultural. O relativismo cultural significa que podemos ter a nossa cultura e estarmos inseridos na cultura dos outros e vice versa. Significa o direito e "o respeito às diferenças". Aceitar o outro como ele é sem tentar mudá-lo. Perceber que o outro é diferente no seu modo de estar na vida.

É necessário, então, dar o salto por cima através de um novo pensamento.
Mas uma nova forma de pensar significa mudar o "ethos" cultural, ou seja, mudar a tábua de valores das variadas sociedades, de modo a conseguir uma uniformização da tolerância e de respeito mútuo de uns pelos os outros. È, no entanto, uma tarefa difícil. E provavelmente, é por isso que o relativismo cultural não passa de uma utopia.
É uma tarefa difícil, sim, mas não impossível, no entender de Karl Popper. Pois apesar da dificuldade inerente a todo o processo de mudança e de aceitação, é possível mudar o estado actual das coisas, e quem poderá fazê-lo são os intelectuais, pois muitos massacres que se fazem em nome de uma ideia, são produção dos homens que pensam.

Para terminar, uma reflexão sobre as palavras deste grande pensador "bastaria que deixássemos de atiçar os homens uns contra os outros".

Leonor

Monday, July 11, 2005

Eu passo-me com a Internet


Hoje é dia de Post. Era!!!!
Lembrei-me de mudar a foto de apresentação da minha pessoa no blog. Daí... peguei numa foto, transferi-a para o paint, redimensionei-a, gravei-a em JPG. Guardei-a no armazém. Abri o blog. Mudei a foto.

E a aventura começa...

A foto antiga, apesar de já não ter endereço como suporte, não saia nem à pazada.
Eu abria e fechava o blog, eu redimensionava a foto, eu insultava o computador, eu já dizia mal da minha vida... ninguém falasse comigo, e muito menos que se risse à minha frente.

Ai! Que eu parto isto tudo!

Decidi fazer uma pausa à espanhola, ou seja, largar tudo. Desaparecer. Mas voltei. Escrevi para um amigo meu, o meu anjo da guarda dos blogs (Joca, desculpa, e muito obrigada por tudo) para me salvar.

Todavia, antes do meu amigo intervir (obrigado na mesma Joca) a foto apareceu. Pelo que deduzi que esta coisa que está na minha frente precisa de tempo para realizar as tarefas que lhe mando? É uma máquina... que é isto? Tem que ser rápida e, não-se-manifestar, senão...


Bem! Fiquei assim!




E hoje ainda é segunda feira.

Sunday, July 10, 2005

Quando eu era criança




Quando eu era criança
Queria ser grande
E pedia ao tempo
Para acompanhar o vento

Agora que sou grande
Quero ser criança
E peço ao vento
Para afastar o tempo


da Leonor

Gostam de Schubert?
Então...
já sabem...
Carreguem

Thursday, July 07, 2005

Varinha de Condão


As aulas acabaram. Agora começa o trabalho de “secretaria” até chegarem as férias propriamente ditas: fazer as avaliações; decidir em Conselho Escolar quem fica retido e quem transita de ano; fazer as matrículas para o próximo ano; preencher os papéis do rendimento mínimo para garantir aos miúdos de baixa condição económica livros gratuitos para o próximo ano, e mais mapas para fazermos os registos mais inúteis que houver para fazer.

Estava sozinha na minha sala, sentada à minha secretária a preencher as folhinhas das avaliações, quando alguém demasiado pequeno para os seus oito anos acabados de fazer, se assoma à porta, esboçando um ar de surpresa por me ver: óia a puchoia.
Reconheci a deficiência na fala. E levantei os olhos das folhas que preenchia para ver o miúdo de quem já morria de saudades.

- Olá Duarte. Estás bom? – saudei-o sorrindo.

O meu sorriso foi um convite para ele entrar pela sala dentro e vir até junto de mim. Mas mesmo que não tivesse sorrido ele teria entrado na mesma porque o Duarte é dos espíritos mais despojado de restrições que eu conheço.

- Ó puchoia… vais ficá aqui até ó fim da escoia?
- Vou.

E continuei a preencher fichas.

- Atão eu venho amanhã. Adeus puchoia.

E desapareceu antes que eu lhe agradecesse a visita e lhe retribuísse o adeus.

Ao longo de todo o ano lectivo, o Duarte nunca trabalhou como os colegas. Dotado de uma enorme desmotivação, um pouco conflituoso, não conseguia estabelecer um ritmo de trabalho constante. Facilmente se aborrecia do livro de leitura, do livro de matemática, de pintar o desenho… na leitura colectiva, baixava a cabeça e cerrava os dentes.

Algumas vezes adormeceu em cima da secretária… os colegas, vendo que eu apelava ao respeito pelas necessidades do colega, não importunavam.
E eu, simplesmente fazia o que o meu coração mandava, deixava o miúdo dormir, tentando entender que espécie de vida teria ele fora da escola que o levaria a um procedimento tão caprichoso e volúvel.

Tantas vezes cheguei a pensar que era eu…que a culpa era minha.

Mudou de lugar várias vezes, a seu pedido, ora sozinho, ora acompanhado… algumas vezes interessava-se por outras coisas que via na minha secretária e eu dava-lhe, dava-lhe tudo, só para lhe comprar um pouco daquele interesse sempre ausente.

Mas se eu me sentava junto dele, com livro, lápis, borracha e afia, e fizéssemos os exercícios um a um, ele já se interessava e trabalhava. Mas nem sempre eu podia sentar-me junto dele. Eu tinha uma turma inteira para orientar e, enquanto isso, o tempo ia passando e o Duarte não aprendia. Noções de leitura, escrita e aritmética precárias… conhecimento da realidade envolvente… reduzida.

Tentei sempre corrigir-lhe as palavras mal faladas - era a minha obrigação como professora - escrevendo-as no quadro e soletrando as sílabas. Mas ele sempre falou assim como se fosse um miúdo de três anos. E todos o percebíamos, e eu até achava graça.

Na feira do livro comprei uns livros engraçadíssímos a pensar no entusiasmo do Duarte. No dia seguinte, sentei-me junto dele, e coloquei os livros em cima da mesa. Ele abriu-os e riu-se. Quando abria as páginas uns bonecos tomavam forma em três dimensões. Á medida que íamos lendo, eu ia perguntando o significado das palavras.

- O que é uma fada?- perguntei-lhe.
- É uma pechoa boa.- respondeu-me.
- E o que é uma varinha mágica?
- É um pau que ela tem na mão c' uma estela na ponta.
- E para que serve?
- Seve pa fazê nachê coisas.

Serve para fazer nascer coisas!
Ah! Duarte, Duarte. Eu estava preocupada por não saberes os sons diferentes que o X tem nas palavras e tu dás-me uma das respostas mais lindas e, a única possível, que explica o desejo louco que todo o ser humano tem de possuir objectos mágicos: fazer nascer coisas, as coisas que não temos e que queremos.



Leonor

Monday, July 04, 2005

Canção da Leonoreta

Soube hoje, numa "surpresa surpreendente" que à semelhança de António Gedeão, também Eugénio de Andrade fez um poema para mim. E orgulhosa, quero mostrá-lo a todos.






Borboleta, borboleta
flor do ar
onde vais, que me não levas?
Onde vais tu Leonoreta?

Vou ao rio e tenho pressa!
Não te ponhas no caminho.
Vou ver o jacarandá,
Que deve estar florido.

Leonoreta, Leonoreta
Que me não levas contigo…




Está bem!
se me derem a mão
levo-os comigo
mas não ao rio
ver o jacarandá.

Saturday, July 02, 2005

Live 8




Após vinte anos do primeiro concerto de rock organizado com o fim de chamar a atenção do mundo desenvolvido para a fome que se fazia sentir nos países do terceiro mundo, dez concertos decorreram hoje em vários países (capitalistas) com a mesma finalidade.

Daqui deduzo que, duas décadas depois nada mudou em relação à situação da humanidade: uns muito ricos, o norte industrializado que recebe minerais e combustíveis e exporta bens de consumo e equipamentos, e os muito pobres, o sul menos industrializado, que necessita desses bens de consumo e que os compra com o dinheiro das exportações das matérias primas que o norte industrializado consome.

Duas décadas depois, os três quartos de toda a humanidade que vive nos países em vias de desenvolvimento, frequentemente chamados de terceiro mundo, e que existem na periferia das nações desenvolvidas do norte continuam excluídos do progresso.

A ONU publicou em Maio de 1990 o primeiro relatório sobre Desenvolvimento Humano, definindo este como um processo que permite alargar as oportunidades oferecidas aos indíviduos, nomeadamente a garantia das necessidades básicas, o aumento da esperança de vida e o direito à alfabetização.

Depois não sei quantos mais relatórios formulou. Também não sei quantos mais relatórios irá formular.

A solução para o problema? Mais concertos musicais? Daqui a vinte anos?
Mas não certamente, com o Paul Mcarteney, ou o Elton John…

Nessa altura já morremos todos. Uns de velhice… e outros… de fome.



Leonor

Friday, July 01, 2005

Soldadinho de Chumbo


Sou tendenciosa como professora. Tenho a mania compulsiva de pintar massas cinzentas de cor de rosa numa tentativa de incutir nas crianças que a felicidade também se encontra nos erros que cometemos pela vida fora, ou, noutra via de pensamento, nos acasos do destino, e que a esperança é a possibilidade que o homem tem, numa complexidade sistémica Moriniana, de não cairmos numa entropia.

Por outras palavras menos académicas, quero transmitir que a esperança é a oportunidade repetida que nós temos de podermos conjugar o nosso eu com os outros “tus”, qualquer criatura do mundo, e que essa capacidade é inesgotável porque sentimos e pensamos.

Mas para quebrar essa força que imprime tal orientação rosada dos finais felizes, quase no final do ano lectivo, conto a história do Soldadinho de Chumbo.

O Soldadinho não tem uma vida, propriamente, feliz. Começa logo a sua existência sem uma perna porque o acaso do destino ou o seu anjo da guarda fez com que lhe faltasse o chumbo aquando da sua criação pelo que já não é igual aos outros soldadinhos.

Mas nem por isso o Pedrinho deixa de considerar o soldadinho perneta o seu preferido o que quer dizer que há sempre alguém que gosta de nós. E nem por isso, o soldadinho deixa de se apaixonar pela bailarina que vive na orla da lareira o que significa que os limites do seu corpo não condicionam os limites do seu espírito.

Ao brincar com o soldadinho o Pedrinho esquece-o no parapeito da janela. O vento fá-lo cair para próximo de uma sarjeta. Empurrado pelas águas da chuva cai no esgota e vai parar ao rio. É engolido por um peixe. O soldadinho sofre horrores.

Mas o acaso do destino ou o seu anjo da guarda faz com que o referido peixe vá parar ao lava louça da mãe do Pedrinho e o soldadinho volta ao quarto do Pedrinho e à sua bailarina.

Agora os dois vivem na orla da lareira. Ele sem a perna. Ela com a perna no ar num passo de dança para o seu soldadinho.
A janela, mal fechada, abre-se de repente. E o vento…vuuuuuuuuuuuuuu, empurra-os para a lareira acesa. O fogo uniu os dois amiguinhos para sempre num coração com uma fivela, símbolo de um acordo eterno de esperança e felicidade.

O soldadinho não teve uma vida feliz, mas teve momentos felizes.

Ultrapasso a parte final a correr pelas sílabas para não perceberem o tremelique dos sons nas cordas vocais. Todavia, as crianças, formas de pensamento selvagem na emoção, percebem-no. Calados, esperam que eu me recomponha devagar para que eu lhes dê tempo de se recomporem a eles próprios.


da Leonoreta