Ex Improviso

Mínimo sou, mas quando ao Nada empresto a minha elementar realidade, o Nada é só o Resto. Reinaldo Ferreira

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Location: Lisboa, Portugal

Dizem que sou como o sol mas com nuvens como na Cornualha

Monday, August 29, 2005

Entre Parêntesis


Foto de Ricardo Macedo in Mil Imagens


Ana varre o chão do corredor e enquanto varre acha no meio da poeira, não cinco réis como a Carochinha, aquele insecto cleóptero de grande porte, da história popular do João Ratão cozido e assado no caldeirão que eu, só de pensar neste último a afogar-se dentro da sopa, supostamente de feijão encarnado, as entranhas revolvem-se-me de tal modo que me contenho, obstinadamente, para suster a expulsão repentina pela boca das substâncias do estômago.

Mas… voltando atrás!

… Ana acha no meio da poeira, não a tal moeda, a qual ela gastaria num ápice em bugigangas da Parfois, a fim de se enfeitar e arranjar um noivo falsamente desatento às novidades de livros e discos nas prateleiras da FNAC…

Ah! Os tais parêntesis, as frases que se metem de permeio num período portadoras de um sentido à parte e que eu abro indefinidamente…

Dizia eu…

…ideias, Ana acha ideias no meio daquela poeira, para arremessar no teclado do seu computador dispostas em composições poéticas formadas por quadras, tercetos, dísticos ao sabor da sua faculdade criadora.

Porém, entre um e outro varriscar, e não tendo um bloco de notas pregado no cabo da vassoura onde possa ir apontando o ajuste de palavras surgido na metáfora perfeita, Ana perde quase todo o poema.

Varre todo o corredor. Ainda corre para o PC. Liga-o numa pressa arrebatada de querer pregar na folha branca as palavras que lhe restam na memória inspiradas pelo “fru fru” da vassoura… frufru ou vrr vrr? Frufru penso eu, afinal a onomatopeia não é exclusiva dos vestidos de seda, do rumor das folhas das árvores ou do bater de asas dos pássaros durante o voo.. não, eu não me perco no raciocínio…

A ideia poética da Ana, perdeu-se mesmo. Ela sai para a rua frustrada na sua insuflação divina.

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Caro leitor, empaquei. Empaquei como os burros. Acontece a muito bom escritor. Não consigo dar um desfecho aqui ao drama da Ana… tenho pena mas não consigo. Perdi a inspiração. Diga-me lá que culpa é que eu tenho?
Olhe… ó caro leitor… porque é que não me ajuda? Hein?
Desde já lhe digo que vou ficar-lhe muito grata por me ter auxiliado.


Da Leonor

Friday, August 26, 2005

Os dias e as noites


Foto de Ana Maria Russo in Mil Imagens



Perguntas-me como são os meus dias.
Eu digo-te.
Digo-te como são os meus dias.
E digo-te como são as minhas noites também.
Porque as noites são tão importantes como os dias.

Os dias são uma coisa comprida, longa, como tu sabes.
Nessas medidas de tempo em que a terra recebe a claridade solar, período que decorre entre o nascer e o pôr do sol, eu digo coisas que nunca sei se ficaram bem ditas e se terei de dizê-las outra vez.

E assim, quando caem as noites, silenciosas, escuras e frias, eu fico cheia de coisas por dizer. Pela calada da noite eu calo o que deixei por dizer. Mas, depois de passar a noite em claro, quando esta termina no início do dia, penso novamente se devo dizer ou não o que não disse.

E será sempre assim, os dias e as noites, incessantemente.


da Leonor

Wednesday, August 24, 2005

O meu olhar



Tenho o meu sítio de lazer numa varanda envidraçada. Dois móveis compõem o meu escritório: um armário com prateleiras e gavetas e uma mesa de tamanhos reduzidos, como se de uma casa de bonecas fizessem parte.

Escritório ou estúdio, como quiserem, embora a palavra escritório seja a mais apropriada na medida em que se trata de um local onde existe uma estante com livros e uma secretária e não a palavra estúdio porque eu não sou nem pintora, nem escultora , e nem arquitecta.

Esta questão de saber usar a palavra certa para descrever determinado lugar, objecto ou sentimento é muito importante. Convém saber exactamente o seu significado para que não haja sentidos dúbios.

Assim, passo a explicar melhor: como o meu escritório tem um espaço de dois metros quadrados, onde só cabe as referidas estante e mesa e onde me vejo obrigada a reduzir papéis e livros às obras essenciais, eu prefiro chamar o local de o meu sítio.

Tenho a mesa junto a uma janela através da qual olho amiúde para a rua, cabeça apoiada no braço esquerdo, caneta dançarina nos dedos da mão direita, distraindo o meu olhar na difusão de verdes que coloram as folhas das árvores que povoam o espaço em frente, recreio da escola onde fiz o ensino primário.

As árvores são uma coisa extraordinária. Nascem, crescem, morrem. Comem, bebem, vivem. Será que gritam quando alguém sulca no seu tronco um coração com a ponta de um canivete? Será que riem quando novos pardalinhos eclodem timidamente dos ovinhos? será que tremem de frio à noite?

Ano após ano, sempre no mesmo sítio, arborizando. Se há almas presas ao chão então devem ser as árvores. Não se podem defender das maldades que lhes fazem. Não se podem defender, por exemplo, das pessoas que lhes pegam fogo.

Fecho a janela. Se a deixo aberta não páro de olhar para o verde que me descansa os olhos e não escrevo nada.
da Leonor

Monday, August 22, 2005

Novamente perdida



Como desculpa para sair das quatro assoalhadas onde me abrigo do frio e do calor e me escondo do mundo quando me canso de comunicar, a minha volta saloia acaba sempre na FNAC. Enquanto o VP se delicia a ver as últimas novidades de música em CD eu dirijo-me à secção de livros, geralmente de literatura infantil ou ciências da educação.

Ultimamente, o meu anjo leva-me de mão dada para a secção do esoterismo e das espiritualidades. Volta e meia ando às turras com o supremo. Nunca percebi certas coisas, nomeadamente… o que ando eu aqui a fazer. Eu e os outros todos como eu porque o sol não gira só à volta do meu umbigo.

E o supremo, porque ele é, não pode ou não quer, manda o meu anjo orientar-me na procura da resposta. E o meu anjo, lá na dimensão dele, não conseguindo emitir sons vocálicos iguais aos meus empurra-me literalmente para onde e para quem ele sabe que me pode elucidar.

Há dias puxei de um livro, capa vermelha, lombada fininha, letras douradas. Vidas cruzadas, era o titulo. Romance mediúnico que explicava o porquê de certos encontros que temos na vida. Nada é por acaso, era o seu fio orientador.

Da primeira vez que peguei no referido livro, sentada num daqueles bancos que a FNAC oferece aos seus visitantes, li cinco páginas. Na segunda vez, sabendo onde, estrategicamente, o tinha colocado, li mais sete. Da terceira vez não li nenhuma. O livro já lá não estava.

Puxei de outro livro. Capa azul, lombada fininha, letras douradas. Você veio ao mundo com uma missão, era o título.
Abri-o, folheei-o. Sentei-me. Passei o prefácio. Li uma folha aqui. Li outra folha ali. Falava do carma. Nunca percebi muito bem essa história do carma. O carma é a acção. A acção que vai e volta. Horas de ir embora.

Comprei o livro, por via das dúvidas.


da Leonor

Friday, August 19, 2005

Histórias da minha rua


Janela para o céu

de Ana Loura In Mil Imagens

Em minha casa ouve-se música constantemente. De preferência alto. Quando a música toca não se ouve o telefone e nem a campainha da porta a tocar. Só se ouve a música. A música toca tão alto que se ouve em todas as divisões. Ouve-se na escada. Ouve-se na rua.

Vivo junto de um antigo teatro municipal onde antes de ser teatro foi um pavilhão de espectáculos avant garde. De entre as manifestações “estapafúrdias”, no dizer dos meus vizinhos, as mais calmas eram concertos musicais de jovens talentos e outros já consagrados.

Uma vez tocava no referido pavilhão, mais tarde e ainda agora teatro, o Vitorino. Era verão. Fazia calor. Imenso. Tanto que todas as janelas estavam abertas na esperança de uma corrente de ar. Ouço Menina estás à janela. Passava das onze horas da noite. Levanto-me indignada (sempre me deitei cedo) e digo ao VP “por amor de deus, são onze horas, não podes pôr a música mais baixo?".

AH! Mas desta vez a música não ia de casa para a rua. Fazia o percurso inverso. Vesti-me e fui ouvir o Vitorino.

Lembrei-me deste episódio porque hoje ouviu-se Vitorino aqui em casa. E lembrei-me de outra coisa. Os pensamentos e as conversas são como as cerejas. Quando caem umas aparecem outras.

O Paulo, meu aluno de origem cigana, interrompia constantemente a aula para cantar ciganadas. Farta de ouvi-lo a horas impróprias, chamei-o à secretária, fazendo-lhe um ultimato, mas não sem antes tentar perceber porque ele me interrompia.

- Professora – disse ele muito sério – é assim uma coisa que eu tenho dentro do peito que quando aparece tenho de deitar cá para fora.
- Também cantas em casa? – perguntei, tentando saber se aquilo era mesmo um grito de desespero musical ou uma tentativa de me enervar.
- Canto em todo o lado, no quarto, à mesa, em todo o lado. A minha avó até se zanga comigo.

Mandei-o sentar. Tive pena dele. Agora já tolerava melhor aquela cantilena um pouco enjoativa para mim. Um dia, o Paulo no seu ímpeto incontrolável, tentou uns acordes vocais onde reconheci uma canção bem conhecida dos meus ouvidos e que não era cigana. Deixei-o procurar melhor o tom e as palavras. Mas ele ainda não sabia a canção. Ao fim de algum tempo não resisti. Não chego a desenhar no quadro até ao fim a trajectória do caminho marítimo para Índia. Cheguei-me ao pé do Paulo e canto “Menina estás à janela com o teu cabelo à lua não me vou daqui embora…”

Vi pela sua cara de espanto que naquele momento deixei de ser a professora que sabia muitas coisas para passar a ser a professora que sabia tudo. E eu, sem querer, descobri a maneira de desenvolver-lhe a leitura e a escrita: letras de canções.

da Leonor



Menina estás à janela (Vitorino)
Música utilizada da CDteca do VP

Wednesday, August 17, 2005

Indiferença



Ou eu tenho cara de padre ou eu tenho cara de psicanalista. Digo isto porque, de vez em quando, assim sem mais nem menos, lá estou eu a ouvir os mais diversos desabafos.

Partilhava eu a travessia do Tejo com uma colega, quando a conversa entre nós duas muda de repente do “o que será que vou fazer para o almoço” para a indiferença do namorado dela.

Fiquei logo sem saber qual das duas caras eu tinha ou devia colocar. Mas ouvi. Ouvi atentamente. Ouvindo, sempre aumento os meus conhecimentos sobre o pensar e o sentir dos outros cujos relatos constituem matéria mascarada para a minha doença de escrever ,à laia dos neorealistas, Manuel da Fonseca ou Miguel Torga, entre muitos outros, que iam para o terreno para descreverem o que viam, e ouviam, e escreviam… e alguém riscava, e os prendia.

Nos dez minutos que durou a viagem, fiquei a saber que, provavelmente, um dos maiores problemas de um namoro é a indiferença que um mostra pelo sentimento e pelo esforço que o outro está disposto a fazer para que a situação melhore. Talvez o melhor seja colocar as cartas na mesa ou os pontos nos ii e acabar com o sofrimento dos dois ou então numa última oportunidade tentar os seguintes conselhos, tão válidos para ele como para ela.


da Leonor


Como conquistar o coração de uma mulher para toda a vida (estes conselhos não são da minha autoria)


Não resolvas tudo com ignorância;

Não cuspas no chão; Escova os dentes;

Dá-lhe flores e muitos... muitos presentes. Aliás, dá só presentes caros;

Lava as mãos quando saíres da casa de banho;
Não mastigues de boca aberta;
Não arrotes alto. Aliás, não arrotes;
Não palites os dentes em público;
Corta e limpa as unhas. Não roas as unhas;
Não fales mal da mãe dela;
Usa desodorizante (que preste);
Não digas palavrões;Ri-te sempre das piadas dela;
Não sejas engraçadinho com as outras;
Não tenhas ciúmes dela;
Deixa-a ter ciúmes de ti na medida que ela quiser. Ela pode.
Não fiques barrigudo. Aliás, não engordes;
Não te demores no banho;Não molhes o chão da casa de banho, nem deixes a toalha de qualquer maneira;
Não te sentes à mesa em tronco nu;
Não digas que as mulheres não sabem conduzir (guarda essa verdade para ti);
Não chegues tarde a casa. Aliás, sai só para trabalhar e volta a correr;
Não bebas até tarde com os teus amigos. Aliás, não tenhas amigos e nem penses em ter amigas;
Não sejas sovina e dá-lhe pelo menos dois cartões de crédito;
Não olhes para outras mulheres. Aliás, não existem outras mulheres;
Não fales da tua ex-namorada. Aliás, tu nem tiveste nenhuma antes dela;
Não comentes as tuas experiências sexuais. Aliás, eras virgem, lembras-te?
Diz "Eu amo-te" pelo menos 24 vezes por dia;
Aprende a cozinhar; Lava a louça; Faz a cama, sempre;
Liga para ela, de qualquer lugar;
Deixa-a comprar roupas e sapatos sempre que ela quiser. Aliás, ajuda-a a andar durante horas à procura de roupa nova;
Deixa-a conversar durante horas ao telefone;
Não ressones;
Não gostes de futebol;
Faz a barba todos os dias para a não arranhares;
Nunca reclames de nada;
Trabalha pouco e ganha muito dinheiro, para poderes dá-lo todo a ela;
Diz a todo momento que ela é a mulher mais linda que já viste;
Elogia-a sempre quando ela vestir uma roupa, mesmo que seja de todo dia;
Repara quando ela cortar o cabelo, mesmo que seja apenas as pontinhas, e diz sempre que ficou lindo.

Monday, August 15, 2005

Liberdade e Responsabilidade

A Essência de Henrique de Jesus In Mil Imagens


São sete horas da tarde. Está calor. Chego-me à janela a fim de apanhar uma brisa distraída que me solte os cabelos molhados colados no pescoço. O sol já desapareceu no horizonte mas o céu ainda me deixa ver com nitidez quem passa lá em baixo na rua. Os carros amontoam-se estacionados nos passeios tirando o privilégio aos peões que por falta de espaço têm de deslocar-se pela estrada.


Ouço as cigarras. E enquanto ouvir as cigarras e os pássaros a cantar penso que ainda há uma réstia de vida no planeta que se degrada de geração em geração. Ouço um tinir metálico mesmo debaixo da minha janela. Tinem leve, levemente mas não é uma cigarra certamente… fui ver… assomei-me e vi… a minha vizinha do prédio ao lado riscava um carro a todo o comprimento com a sua chave de casa. Felizmente que o carro não era o meu mas mesmo assim… doeu. Doeu mais ainda ver quem tinha tomado tal atitude.


Lembrei-me de Kant.


Segundo Kant, todos os indivíduos possuem uma consciência moral que implica determinadas formas de agir, envolvendo os outros. Por isso, ao agir, mesmo tendo em conta a intenção de bem, o individuo deverá questionar se a sua acção é correcta e o que aconteceria se todas as pessoas agissem como ele. Cada individuo, ao agir, deve colocar-se no lugar do outro pois ao fazê-lo encontra uma série de princípios que devem ser respeitados, na medida em que não pode retirar ao seu semelhante o mesmo direito que ele tem.


Senti-me dividida entre aquilo que eu devia fazer – denunciar - e o que não devia – calar. Que devia eu fazer? Esquecer-me do convívio que fomentei ao longo dos anos com aquela vizinha, ainda que superficial não passando a maior parte das vezes do bom dia, como está, então e os meninos e os paizinhos, estão benzinho, e entregá-la ao dono do carro a fim de pagar a má acção… ou… fazer de conta que não vi nada, afinal o carro nem é meu e eu nem conheço o seu dono e deixar o visto pelo não visto.


Kant não olharia para trás. O certo seria entregar quem fez mal. É o teu maior amigo? Não interessa… fez mal. Entrega-o.


A existência dos outros fazem-me tomar consciência de mim, limitando a verdadeira intenção da minha acção, limitando a minha liberdade pois o agir livremente não significa que eu possa fazer tudo o que eu quero e ir contra as regras estabelecidas. A liberdade implica responsabilidade. Ser livre significa ser responsável pelas suas escolhas e ser capaz de prestar contas dos seus actos.


Ou seja…


É-se mais livre quanto mais responsáveis formos pelas nossas escolhas. Fiquei com o espírito estraçalhado num dilema. Senti-me de mãos e pés atados pela escolha que teria de fazer… E eu que só queria um pouco de ar fresco no rosto e no corpo.


da Leonor

Friday, August 12, 2005

Devaneios


Quantos anos tens? 20, 30 ?
Estou a ouvir música de 68.Meu deus. Coisas que eu sei que te passam tão longe.

Sabes, os mergulhos musicais são sempre as manifestações mais vibrantes do saudosismo, o território mais tolerado do envelhecimento mesclado (e mascarado) de “no meu tempo”.

É brilhante a apropriação inconsciente do tempo, fazendo-o nosso, fazendo-nos vestir de todas as roupagens culturais, estéticas, politicas da época.

Assim ao jeito de que, no nosso tempo, ouvíamos todos Janis Joplin e éramos todos conta a guerra e, no entremeio, fumávamos umas ganzas e admirávamos o Guru Marahji fazendo dele mais um apóstolo do free love do que de uma fundamentação intelectual...

Ah! Alguém me dizia de bisturi em riste, da minha maneira de escrever abrindo parêntesis sobre parêntesis, demasiado matemática, é um exercício tortuoso para quem se atreve, nos estreitos caminhos das palavras que solto desgarradamente por aí.

Mentira! Quer dizer, devaneio... o que eu estava a ouvir era mesmo Genesis ainda com o célebre Peter Gabriel como vocalista… Carpet Crawlers… 1975... you have to get out to get in…. E nesta frase tantas vezes ouvida aos quinze anos eu definiria toda a minha vida até este momento.

Mais um devaneio. Gosto do pretexto para soltar a escrita. Para fazer a viagem sem bilhete a reboque da memória e do sonho. E da imaginação. Faz bem. Tira a vontade de fumar…

Porém eu não fumo.


da Leonor

Wednesday, August 10, 2005

Ai que o bikini não estica


No começo da Primavera, Ana começa a fazer um regime de emagrecimento, tomando comprimidos inibidores do apetite. De vez em quando prevarica, comendo um duchaise, mas logo a seguir toma o chá que lhe garante o ventre liso. Nos finais da Primavera, já emagreceu cinco kilos, sente-se em forma no bikini modelo reduzido mas ainda não é o suficiente. Mais três kilos e seria o ideal para pavonear o corpo sem excessos de gordura. Quem diz três, diz quatro ou cinco. Com esforço chega-se lá. Obsecada pela magreza e pelo medo de ganhar peso, Ana, é uma anoréxica nervosa.


Nos anos 60, a modelo Twiggy, ao exibir a mini saia da criadora de moda Mary Quant, no seu lindo esqueleto, determina as medidas anatómicas femininas, condenando as mulheres de constituição normal a sentirem-se deformadas, lançando-as numa anorexia nervosa que viria a ter consequências de saúde graves trinta anos depois.

A anorexia nervosa caracteriza-se pela recusa de manter um peso corporal normal associada a um medo imenso de ganhar peso. A pessoa anoréxica não tem falta de apetite. Apenas se recusa a alimentar-se.

O falso ideal de beleza trinca espinhas saltou das passerelles para a sociedade em geral e, a mulher moderna esquece-se que a ideia não nasceu de opiniões varonis mas sim, das opiniões de outras mulheres desejosas de tal irregularidade.

A boa forma física é importante. Manter o corpo saudável sem excessos de gorduras é o ideal por uma questão de boa saúde, de boa actividade física e mental e não por princípios estéticos que colocam em risco a sanidade emocional e a vida.


da Leonor



Para manter a forma física aconselho os seguintes exercícios.


O VP num pino equibradíssimo
(para quem gosta de tratamentos de choque)


No dia seguinte o VP não conseguia mexer-se.
Mas a “ressaca” faz parte do exercício.


Eu fiquei-me pelos exercícios de manutenção: nadar de costas e crawl
(que não está aqui documentado).


Como? Eu saltar? Ah! Da borda da piscina e vá lá, vá lá…
é preciso que me empurrem, rsssssssssssssss

Monday, August 08, 2005

Há dias assim



Ana mandou-me um email no fim do dia. Dizia assim:

“Olá Leonor. Deixa-me desabafar contigo o meu dia, senão rebento.Comecei por limpar a despensa. Limpar significa deitar coisas fora. Eis que uma garrafa de concentrado de tomate cai no chão. No chão, pois… o ultimo sitio para se estatelar. Todo o pavimento cheio de um horroroso pseudo plasma… nem a cena do chuveiro de Psico tinha tanto vermelho.

Mais uma hora em que procrastinei a minha imaginação de te escrever emails chatos numa penada em prol de uma resignação forçada a um destino em que limpar tudo era a única via possível.

Depois fui às compras. Festa na cidade. Maratona de homens e mulheres exibindo lindas canetas em lindos calções modelo da ultima guerra.Sem querer passei um stop. Eis um polícia que me manda parar. Entrei logo em pânico por causa daquela farda - policia é policia - por não ter os documentos comigo, por o espelho da minha direita estar recolhido (também para que raio serve aquele espelho? Para fazer simetria com o da esquerda?) e por ainda não ter comprado o selo do carro.

A minha mudez e os olhos esbugalhados de puro terror por ver o meu subsidio de férias a voar fez com que milagrosamente o policia me mandasse seguir.O meu anjo é bom. É muito bom. E eu desta vez nem lhe pedi nada. Não tive tempo.
Tive sorte em arrumar o carro no sítio costumeiro. Desta maneira sei sempre onde o deixo. De frente para a parede – estacionamento perfeito de todas as mulheres.

Porém, quando vou a sair… em vez da marcha atrás… a primeira conduz-me num embate alucinante contra a parede e lá se vai o pára choques. A viagem ate a casa decorreu em múltiplas orações Zen.

omshantipadméum

Bom! O meu anjo deve ter gasto as energias celestiais com o policia de modo que agora estava ausente ou ocupado com outra anedota igual a mim… de modo que quando cheguei a casa e contei que o pára choques… as orações não funcionaram.
Há dias assim….Talvez seja melhor deitar-me agora. Mesmo que caia da cama é só meio metro até ao chão.”


Respondi-lhe de imediato. Esta coisa formidável dos emails em que não são precisos selos, envelopes, escrever moradas, fixar códigos postais, permite o tu cá, tu lá em cima do acontecimento.


Santissimo Sacramento, Ana. (respondi-lhe eu) Se te deitares, adormece logo. E não tenhas. Hoje, engravidas...........


Tenho a certeza que a consolei.

da Leonor



Saturday, August 06, 2005

Este Vício de Escrever

Nem sempre este meu vício de escrever encontra analgésicos para acalmar os seus sintomas de frenesim gráfico. Muitas vezes encosto a caneta ao papel e ela não desliza o pensamento da maneira que eu entendo.

O sorriso, o gesto, o olhar não sulcam as letras através do objecto mágico. E assim, não encontro o retorno de me saber a ler, saboreando cada palavra escrita.

Narcisista! Já o disse uma vez. (Mentirosa! Se o pensar é o auto dizer, então já o disseste uma montanha de vezes).

Hoje não esboço sorrisos, sejam eles abertos ou pequenos esgares. Não rasgo palavras na folha em pequenos ou grandes gestos conformistas ou revoltosos. E todavia, o frenesim agitado deste vício que é escrever me acelera cada vez mais os batimentos cardíacos, impelindo-me a qualquer tipo de rabisco, gatafunho, garatuja, letras malfeitas ou palavras escritas de forma incompreensível.

Volto a tentar.
Devagar, encosto novamente a esferográfica à folha e, receosamente, começo
“Nem sempre este vício de escrever….”


da Leonor



Thursday, August 04, 2005

O Que Faz Falta


Ao fazer zaping de blog em blog parei a ler a homenagem do Lobices ao Zeca Afonso.

No dia 2 de Agosto, se fosse vivo, Zeca Afonso, faria 76 anos.

O Que Faz Falta

Quando a corja topa da janela
O que faz falta
Quando o pão que comes sabe a merda
O que faz falta
O que faz falta é avisar a malta
O que faz falta
O que faz falta é avisar a malta
O que faz falta
Quando nunca a noite foi dormida
O que faz falta
Quando a raiva nunca foi vencida
O que faz falta
O que faz falta é animar a malta
O que faz falta
O que faz falta é acordar a malta
O que faz falta
Quando nunca a infância teve infância
O que faz falta
Quando sabes que vai haver dança
O que faz falta
O que faz falta é animar a malta
O que faz falta
O que faz falta é empurrar a malta
O que faz falta
Quando um cão te morde a canela
O que faz falta
Quando a esquina há sempre uma cabeça
O que faz falta
O que faz falta é animar a malta
O que faz falta
O que faz falta é empurrar a malta
O que faz falta
Quando um homem dorme na valeta
O que faz falta
Quando dizem que isto é tudo treta
O que faz falta
O que faz falta é agitar a malta
O que faz falta
O que faz falta é libertar a malta
O que faz falta
Se o patrão não vai com duas loas
O que faz falta
Se o fascista conspira na sombra
O que faz falta
O que faz falta é avisar a malta
O que faz falta
O que faz falta é dar poder a malta

Monday, August 01, 2005

Maria Rapaz


Na natural construção de uma amizade, a descoberta de um pelo outro, faz-se a princípio, de grandes conversas, depois de pequenas frases que, lentamente, vão dando lugar a sorrisos espontâneos e a silêncios subtis, cumplicidades de quem já é amigo.

Há dias, a Isabel, uma colega de trabalho, a propósito da minha maneira de ser, que ligeiramente se distancia da postura professora modelo perfeito de emoção controlada, disse-me "devias ser maria rapaz".

O dito parou o meu olhar no dela. Deixei de vê-la na minha frente. Regredi cerca de três décadas e vi uma menina franzina, quieta com um vestido de bordado inglês e cabelos castanhos caídos em saca rolhas pelos ombros.

Embora eu gostasse mais de brincar com a pista de comboios do meu primo - eu não tenho irmãos - do que com as minhas bonecas, Nancy e Cindy, isso não fazia de mim arrapazada…e embora eu tivesse substituído muito cedo os livros da Anita pelos mosquitos do Mandrake, do Fantasma e do Super Homem, isso não fazia de mim arrapazada. Para falar a verdade, nunca me identifiquei com nenhuma figura feminina das histórias infantis, nem com a fada nem com a bruxa. O meu grande modelo foi sempre o João Sem Medo, mas isso não fazia de mim arrapazada.

Cedo substituí as calças de terylene de várias cores e, algumas axadrezadas, pelos jeans Lois justos nas pernas e nos tornozelos. Atirei os meus mocassins com duas borlinhas fora e passei a andar calçada com as minhas sapatilhas adidas. Os livros ficavam mais giros naquela mala de couro tipo charuto, onde não cabia nada, mas que me dava um estilo muito contestatário.

Esticava o meu cabelo diariamente com a ajuda de um secador e de uma escova, penteando-o com risco ao meio, numa tentativa de me parecer com a Joan Baez na capa do seu álbum de vinil, Diamonds and Rusts, mas com um cabelo demasiado ondulado fiquei-me pelos meus saca rolhas, assumindo um ar de Carol King.

As vezes que eu tentei os acordes da sua canção “You have a got a friend” na viola de caixa… cantando a letra, convencida da minha voz melodiosa… não percebendo porque insistiam em que me dedicasse mais aos livros.

Ia assistir aos concertos musicais no pavilhão desportivo de Cascais oito horas antes do evento só pelo prazer do pensar que estava a viver um Woodstock. E o mesmo fiz quando passaram nos cinemas os filmes The Last Walz e Fernão Capelo Gaivota, cantado pelo Neil Diamond.
Mas isso não fazia de mim arrapazada. Pelo contrário. Os meus jeans apertados, as minhas camisas de flanela aos quadrados, os meu casaco de pele de carneiro e as minhas caneleiras com protectores nas solas davam-me um ar muito feminino.

Passaram-se alguns anos. Finalmente, consegui domar o cabelo. Uso-o mais ou menos liso consoante o que a humidade atmosférica me deixa, de risco ao lado, despenteada a maior parte do tempo, sem querer ser ninguém, a não ser eu própria.

Ainda uso jeans e sapatilhas. Mas a marca deixou de interessar. A sacola é uma pasta preta que leva o portátil e o livro do professor. Trago o telemóvel no bolso das calças. Penduro os óculos na gola da t- shirt. Bato com a mão na secretária para calar a agitação dos miudos, estrangulando o dedo anelar com o anel que se entorta. Levo um apito para as visitas de estudo para todos me ouvirem porque não sei assobiar com os dedos na boca… (porque se eu soubeeeeesse…).

Mas isso não faz de mim Maria Rapaz.


Da Leonor