Ex Improviso

Mínimo sou, mas quando ao Nada empresto a minha elementar realidade, o Nada é só o Resto. Reinaldo Ferreira

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Dizem que sou como o sol mas com nuvens como na Cornualha

Thursday, August 30, 2007

Os mimos da Isabel


Isabel

http://sophiamar.blogspot.com/

obrigado pelo certificado
BLOG 5 ESTRELAS




Sabes que fico sempre sem palavras quando ganho estas surpresas dos amigos e por isso nunca agradeço como devia agradecer. Devia agora nomear mais uns quantos blogs para continuar a corrente. Não o farei todavia. E tu sabes porquê Isabel, porque fico numa angústia terrível por ter sido obrigada a deixar alguns de fora e eu sei que me perdoas porque, numa afinidade inexplicável, me compreendes desde o primeiro contacto feito aqui nestes sítios de posts e mensagens.

Devo-te um MÊME Isabel, lembras-te? Finalmente cumpro. Aproveitei estas férias de Agosto e andei a tirar fotos pela cidade fora para te fazer a vontade. Unicamente para retribuir as tuas gentilezas para comigo e que eu adoro.

Falarei da minha cidade, Almada.

A cidade onde vivo é muito bonita e "juro-te" que te digo isto com o coração ao largo. Nela estou desde que nasci. Nela me fiz gente. Senti-lhe a falta quando há dois anos me vi obrigada a deixá-la por motivos profissionais. Quis partir os móveis a pontapé e lançar toda a minha louça (até os pratos de Vista Alegre que me calharam em herança pela morte da bisavó) pela janela das traseiras mas a minha mãe pegou-me no braço quando ele já ia no ar, dizendo-me "não filha, é proibido sujar a rua." e já bastava o prejuízo da alma.

A minha cidade tem muitos sítios mas falarei apenas naqueles que me foram muito especiais pelas pessoas que neles encontrei e me ajudaram a construir o meu ser. São as pessoas... não são os sitios. Em qualquer tempo.

A minha escola primária fica em frente à minha casa. Carolina Branco Diniz era o nome da minha única professora. Dona de uns olhos azuis transparentes e um bigode de respeito distribuía reguadas a torto e a direito. Não sei como escapei à ferocidade daquele pau. Mas como havia ela de dar por mim perdida naquela carteira tão grande de tampo inclinado na qual eu me sentei sempre, durante os quatro anos, com as pernas a dar a dar. Dona Carolina, eu não gostava do modo como usava a régua nas minhas colegas e assustava-me quando ela batia na mão da minha companheira... mas sabe, professora, algumas vezes me vejo a imitá-la nalgumas das suas atitudes na minha sala de aula.

Os meus primeiros amigos da rua (os meus vizinhos do lado). Começo pela mais pequena: a Céu, o Jorge, o Marinho e aquela lá do fundo... sou eu. Estamos sentados no muro da escola. O Jorge já morreu. A dona Odete - a mãe deles - foi para a terra há uns quinze anos. O Marinho foi uns anos a seguir. A Céu mudou de cidade. As coisas mudaram. As coisas mudam sempre e eu às vezes não gosto que mudem. Vemo-nos pouco agora mas ainda vamos sabendo uns dos outros.



O meu liceu. Na Primavera o sol aquecia o pátio e convidava a faltar às aulas. Por vezes uma falta não fazia mal e ficava-se a conversar cá fora uma horita. Havia quem ficasse o dia todo a "palrar" e antes do final do 2º período já tinha chumbado por faltas. Enfim! Tentei lembrar-me dos meus professores e apenas recordo quatro.



A minha universidade. Fugi às pinturas da praxe mas a comissão de estudantes apanhou-me uns dias depois, a mim e a algumas colegas. Consegui fugir pela segunda vez, negociando com eles um bolo que eu tinha de fazer em casa.
Dois dias antes da queima das fitas a Nadine perguntou-me se´a minha madrinha já tinha comprado o ramo de flores da nossa variante (português/inglês).
- Qual ramo?
Telefonei para a minha madrinha a dizer que ela tinha de comprar um ramo de flores azuis.
- Já comprei, minha querida!
UFFF! Como é que eu ando sempre a leste?

Este é o alfarrabista que nunca mais abre as portas mas que nem por isso ainda derrubou as minhas esperanças de alcançar aquele livro que se encontra na segunda prateleira à direita junto da janela.


Este é o espaço que fica junto ao Fórum Romeu Correia, a biblioteca de Almada, que me suspendeu o cartão de leitor por cinco meses, levantado um mês depois quando, com olhos de carneiro mal morto, perguntei quanto tempo ainda tinha de castigo.



Isabel, não sei se correspondi ao que se pedia do Même. Confesso que eu nunca percebi lá muito bem o que era um Même. Também te poderia falar da Rua de Santo António para onde ia passear com as minhas tias todas as tardes nas férias de Verão, do café Aliança ou da pastelaria Gardy, da marina em frente ao Hotel Eva e da Alameda mas de lá só tenho a memória, não tenho fotografias.

Leonoreta

Friday, August 24, 2007

À volta do nosso eu

Há uma pessoa que me conhece como a palma da sua mão. É a Fernanda. Ela sabe o meu interesse por algumas coisas e a minha indiferença por outras, a minha maneira de me entregar e a minha maneira de desistir.

Vi a Fernanda pela primeira vez no liceu quando passei para o 9º ano (antigo 5º do curso geral). Partilhávamos os mesmos amigos mas não nos falávamos. De certo modo, a Fernanda afastava as raparigas por ser bonita e roubar namorados. Muito mais alta do que eu, o seu ar celta de cabelos claros contrastava com o meu ar de moura, de cabelos escuros.

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Sempre tive a mania de chegar sempre cedo. Porém, cheguei atrasada no meu primeiro dia de aulas de Setembro de 1976. Já conhecia o liceu e descobrir a sala foi fácil. Com quinze anos não batia às portas. Abri-as simplesmente na minha atitude mais selvagem. E quando abri a porta vi uma sala cheia de gente pela qual eu não morria de amores e cujo lugar vago era ao lado da Fernanda. Nessa turma estava também o homem que viria a casar comigo.

Foi por acaso que ao fim de alguns dias – muitos – começámos a falar, descobrindo que até nos dávamos bem, apesar de nunca termos simpatizado uma com a outra até então. Íamos ao cinema, à praia, jogávamos crapot. A Fernanda foi madrinha do meu casamento e madrinha dos meus filhos quando fizeram a promessa de lobitos nos escuteiros. Ela nunca casou.

Quando eu pensei que os meus filhos já não precisavam tanto de mim voltei aos bancos da escola e fui para a universidade. Nesse tempo, a Fernanda mudou-se para o Algarve. Já não a vejo há doze anos. Uma vez por ano eu felicito-a pelo aniversário e um mês depois ela felicita-me a mim até ao ano seguinte.
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Recentemente, num seminário de psicologia fizemos um jogo. Num círculo púnhamos “eu”. E à volta do nosso “eu” várias rodas em vários círculos em duas, três, quatro filas. A primeira fila pertencia às pessoas que estão perto de nós. A segunda e as restantes às que já não estão. Teríamos de rodear as pessoas que já não estão perto de nós e que queríamos telefonar ou ver.

Telefonar, telefonar… não. Mas ver…sim. E desenhei vários círculos no nome da Fernanda.

Leonoreta

Friday, August 17, 2007

Atrás de Emilio

Nos primórdios da antropologia, alguns nomes conceituados da referida ciência, que não quero aqui revelar por várias razões, sendo uma delas a minha ignorância parcial sobre o assunto, escreviam sobre o conceito de cultura, dando como exemplo vivências de certos povos, sem nunca saírem do gabinete. Até que um dia, alguém se lembrou de abrir a janela do referido gabinete e ver que havia mundo lá fora, decidindo sair pela porta para escrever sobre os Papua da Nova Guiné. Hoje em dia sabemos mais sobre a vida dos Papua que propriamente quantas marcas de detergente para a louça há no supermercado.
Depois de um ano difícil em que trabalhei e ainda estudei, ainda me encontro, no mês de Agosto, a trabalhar numa proposta de dissertação que Bolonha estipulou para cinco páginas no mínimo com entrega em data marcada. Copiando os primeiros antropólogos elaborei a proposta no meu gabinete e do meu gabinete eu fundamentei as larachas que quero impingir com alguns artigos de opinião pesquisados na Internet, onde vinha mencionada bibliografia. Depois ia desanuviar a cabeça para a praia.
Todavia, nunca encontrei a editora de Emilo ou da educação de Jean Jacques Rousseau.
À laia de Bolonha, mandei o meu trabalho por mail à minha orientadora que mandou logo um RE, dizendo: Levante-se da cadeira (não era bem assim que ela queria dizer) saia de casa e procure o livro nas bibliotecas ou em qualquer livraria.

Na Fnac não havia e na Bertrand nem constava nos catálogos on line.

- Quais são as probabilidades de haver um exemplar caido atrás da estante?- perguntei.
- Nenhumas. - responderam-me de forma tão peremptória que nem insisti.
No dia a seguir levantei-me cedo. O barco ia vazio, o metro ia vazio e tudo na universidade estava fechado menos a biblioteca e a tesouraria. Perguntei por Emílio à senhora do balcão e pela cota fui à procura dele. Encontrei-o em dois volumes magrinhos, já muito sarrabecos de folhas amarelo torrado. É provável que tenha sido um dos primeiros livros a povoarem as prateleiras daquela universidade.
Verifiquei que as lombadas tinham uma bola vermelha. Não podia levá-los portanto e esquecer-me deles na minha estante para fingir que os lia. Sei onde se coloca o chip que me denunciaria à saída se eu os enfiasse dentro da mala mas essa coisa chamada consciência, que nem Freud soube lá muito bem o que era, atrapalhou-me a acção. A reprografia estava de férias e só me restava comprar um cartão na tesouraria e meter as mãos à obra.
Por quatro vezes solicitei a ajuda preciosa (contrariada a partir do segundo chamamento) da senhora do balcão. A máquina não tinha folhas, a máquina reduzia-me as letras, a máquina copiava dos dois lados, debitando-me logo duas fotocopias de uma vez, a máquina tirava-me as fotocopias pretas. Aiiiiiiiiiiiiiiiii que nervos.
Gastei um cartão de cem fotocópias e a senhora do balcão nunca trabalhou tanto num dia de Agosto (em que toda a gente está de férias) como naquele dia.

Leonoreta

Thursday, August 02, 2007

A "biciclêta" da Leonoreta


Comprei uma bicicleta. Devia ter comprado uma lambreta eu sei. Mas se eu fechar o E de bicicleta com um acento circunflexo (biciclêta) também rima com Leonoreta.

A minha bicicleta é linda. Rosa claro fluorescente. Quando a vi foi amor à primeira vista.

- Leonor…olha, tu não andas de bicicleta há muito tempo…
- Vinte anos. – Confirmei eu.
- De modo que as coisas, nomeadamente a tecnologia ciclista, evoluíram muito desde essa altura.
- Sim. – Mostrava-me atenta.
- Há vinte anos a tua bicicleta só tinha duas rodas e um volante…
- E uma campainha. – Disse eu com ar de troça.
- … e agora tem mudanças e tal que precisas de conjugar conforme se a estrada é a subir, a descer ou plana. - O meu interlocutor ignorou o meu sorriso sarcástico.

Palavra de Honra! Eu sei andar de bicicleta mas lá deixei o meu interlocutor explicar-me como funcionavam as mudanças. Ele há cada um.

- Leonor…
- Sim.
- Ouve com atenção porque isto é muito importante.
- Sim.
- Nunca uses o travão da frente. Se tiveres de travar usa o de trás que funciona aqui com a mão direita. Não uses o da esquerda. Nunca uses o da esquerda.
- Então porquê? – desde criança que sou curiosa e gosto que me expliquem as coisas.
- Porque a bicicleta trava de repente e tu és projectada para alguns metros à frente.
- Cinco? Vinte? Cinquenta? – Imaginei-me a voar por cima do volante da bicicleta e até dei duas gargalhadas.

Como em metodologias sociológicas, nada melhor para testar uma hipótese do que fazer observação participante, in locco. O percurso foi de Almada à Costa da Caparica. Vinte e dois kilómetros. Onze, para lá, praticamente a descer, onde deu para experimentar as mudanças mais pesadas e onze no sentido inverso, sempre a subir, onde deu para experimentar as mudanças mais leves.

Quando chego à Costa flauteio pelo paredão, cruzando-me com outros ciclistas de fim de semana, maçaricos como eu. Vejo o mar e os mais afoitos a mergulharem, às oito da manhã nas águas geladas da Caparica. Bebo um café no barzinho da dona Sabina que conhece toda a gente, inclusivé a mim... faço mais uma tentativa de subir para a bicicleta à militante da resistência francesa: pé esquerdo no pedal, pé direito ao lado do esquerdo e opsss! Mesmo antes de alçar a perna direita já perdi o equilíbrio. Ainda não é desta que consigo imitar a minha heroína que levava sempre a melhor do fuhrer alemão: Mademoiselle X.

Começo o percurso para casa. É difícil. Sempre que mudo de mudança a bicicleta passa-se dos carretos e fico a pedalar no ar, fazendo bailados à Charlot. Por duas vezes, nas subidas mais íngremes, levei a bicicleta a pé. Estou cada vez mais perto de casa. Faltam apenas cinquenta metros. Vou confiante. Saio da estrada e entro no passeio.

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Encontro-me estatelada no meio do chão. Levantei-me com o corpo a doer e com a alma a sangrar... de orgulho ferido. Entrei obliqua no passeio, o pneu resvalou, a bicicleta inclinou-se e eu fui pelo ar.

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- Leonor… esqueci-me de dizer-te mas além do travão da esquerda também há o problema de entrares nos passeios de lado…
- Sim. Essa já sei. - E afastei-me toda empenada.

Leonoreta