Ex Improviso

Mínimo sou, mas quando ao Nada empresto a minha elementar realidade, o Nada é só o Resto. Reinaldo Ferreira

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Dizem que sou como o sol mas com nuvens como na Cornualha

Saturday, November 25, 2006

O Cabo das Tormentas

Quinta feira à noite o telejornal anuncia alerta laranja para o dia seguinte. Por outras palavras: vinha ai temporal do quase grosso.

Ana ouve a notícia e emudece. Não sabe lidar com as forças da natureza. Quando era pequena, um ciclone quase que a levou, nos seus oito anos pequeníssimos, trinta quilos de ossos e só cabelo, como a levou a Dorothy em o Feiticeiro de OZ. Leonor não dorme com o barulho da chuva que bate no tejadilho dos carros estacionados debaixo da janela do seu quarto.

Toca o despertador. A chuva e o vento ainda se ouvem zangados na rua. O rio está furioso. O cacilheiro parece de papel no meio daquelas ondas adamastoras. Ana olha as que vão subindo até à janela do primeiro andar. O barco inclina-se quatro vezes. Ela não aguenta os balanços que ameaçam acabar com a vida dela naquele instante. Fecha os olhos. Para Leonor a viagem é longa. Tem a certeza que não chegarão a atracar. Esquece-se de rezar. Entrega-se ao seja o que deus quiser.

Afinal o cabo das tormentas é ali no Tejo. Camões ter-se-ia enganado?
da Leonor

Saturday, November 18, 2006

Hoje a loja está fechada

Meus amigos. Hoje a loja está fechada. Acordei com o dia bonito. Céu limpo sem nuvens. Literalmente, não é metáfora. Com os passarinhos a cantar a jubilar pela alegria de poderem secar as penas dos desalmados pingos de chuva que os encharcaram toda a semana.

Moro perto do estabelecimento e vim em passos vagarosos a fim de saborear todo o calor que o dia já prometia. Ainda abri a porta depois da conversa costumeira quando se encontra uma pessoa conhecida de há anos mas que não se sabe nada dela a não ser os sinais vísíveis da idade que por ela ( e por mim) passam. A conversa que chove mas não molha.

Abri a porta e meia dúzia de raios de sol entraram de rompante, iluminando as mesas e tudo o que nelas tinha ficado intacto desde a semana passada. O feixe de luz denunciava a poeirada que livremente namorava descaradamente pelo espaço aéreo.

Olhei em redor. Olhei tudo, parando o olhar em cada coisa que via. Mas a vontade… outras coisas se sobrepõem a esta vontade de abrir a loja. Lembrei-me de Maslow: o homem não consegue resolver as suas necessidades intelectuais se não tiver as suas necessidades básicas resolvidas.
Neste caso são as necessidades intelectuais que se entopem no gargalo da ampulheta: duas por resolver não passam. Do teórico da ampulheta não me lembro quem seja. Pode ser mais uma representação mental que eu construo na minha interacção com os outros.

Fecho a porta. Tranco-a à chave com duas voltas. Tenho que estudar.


Da Leonor

Saturday, November 11, 2006

O texto à volta do texto

De repente, autores que, timidamente, eu tinha sentado a conversarem a um canto da minha memória, levantam-se e fazem mesa redonda bem no meio da minha percepção mental activa.

Chomsky, Vigotsky, Saussurre, Piaget, Brunner, Morin, Popper, Durkeim…

Descobri Scholes. Robert Scholes. Em Protocolos de Leitura. Um dos livros impingidos para nele trabalharmos o texto e suas textualidades.

Antes de me debruçar sobre o fio orientador já indiciado pelo título deleito-me muito tempo com cada palavra da dedicatória.

Penso nas dedicatórias como o texto afectivo do texto que se segue. Tem de ser feita com muito cuidado e por isso o carinho colocado em cada palavra, cuidadosamente escolhida, torna-se racional, mas jamais despojada da emoção inicial.

Em Protocolos de Leitura a dedicatória começa assim:

“Dedicado a Jo Ann Schott Putnam – Scholes.

Toda a história de uma vida nestes nomes e ainda bem que o meu vem em último lugar!”

(não a vou colocar aqui a dedicatória completa. Apenas as partes que constituem um texto dentro do texto da minha vida como diria Roland Barthes.)

Depois Scholes acaba a dedicatória, supostamente à esposa que morreu, com um poema de um amigo comum aos dois. Escreverei somente o primeiro verso.

“Amarga só por ti me é a morte”.

Poderia comentar. Não comento. Leio somente as palavras e guardo-as. Como guardei as palavras de José Gomes Ferreira, há muitos anos, na dedicatória que fez na primeira edição das “Aventuras de João Sem Medo”.

“ para os meus dois filhos: (que distavam um do outro cronologicamente vinte anos)

Para ti, Raul José, homem há muito – e homem autêntico – que aprendeste à tua custa que a verdadeira coragem é a força do coração.
Para ti, Alexandre, ainda criança, mas já com todas as tendências para não te tornares num desses falsos adultos que sujam o mundo e odeiam a imaginação.”


E mais não há a dizer. Somente ler. Somente “ouvir”.

Da Leonor

Saturday, November 04, 2006

Em jeito de discurso

De todas as vezes que pensei abrir um negócio tive sempre a ideia de arranjar um espaço onde eu angariasse mais ideias do que moedas. Eu explico: um espaço de tertúlia onde as pessoas se encontrassem para conversarem, tomarem um café , comprarem o jornal e trocarem livros como num alfarrabista. Que até pudessem fumar se o quisessem.

Pura utopia! Para realmente existir este espaço ele teria que me calhar em herança por duas razões: a primeira é que não costumo jogar na lotaria e afins; a segunda nem me passa pela cabeça pedir um empréstimo para me endividar na medida em que o projecto é puramente lírico.

O blog surgiu como a materialização desse espaço. Não se toma café, não se compra o jornal, não se trocam livros como no alfarrabista mas encontramo-nos aqui “nesta casa” virtual às horas que nos dá mais jeito e até nos vamos conhecendo e familiarizando com a assiduidade das visitas, dos nomes conhecidos.

E é assim que eu chego ao fim da introdução, salto por cima do desenvolvimento e entro logo na conclusão: voltei a estudar. Saio do trabalho, tarde e a más horas porque a Dona Lurdes Rodrigues assim mo obriga, e vou estudar. Além do mais, segundo o Tratado de Bolonha já não chegavam em Portugal haver tantos Drs. que agora já exigem Mestres e Doutoures (por extenso).
Mas...
Quando a rotina se instala não são só os ossos que enferrujam. Os neurónios deixam também de “linkar”, abrindo espaços em branco na massa que é cinzenta. Claro que há o lado lúdico da coisa: trabalhar com crianças é interessante, metaforicamente, estamos a mexer com folhas escritas aos cantos a lápis de carvão que se vão enchendo de várias cores conforme os conhecimentos e as vivências que elas vão adquirindo, e pensamos, olha... como ele chegou lá desta maneira.
No entanto... eu dou, de certo modo, dádivas limitadas à faixa etária que tenho na frente. Eles dão, limitados, o feedback que têm para dar porque ainda não aprenderam. E eu, atrofiando no conhecimento, na troca de ideias, tenho de me sentar de vez em quando na cadeira do estudante para ouvir quem sabe mais do que eu.
O tempo não estica e o balcão desta loja vai-se enchendo de pó ao longo da semana para no fim desta haver no ar um ligeiro cheiro a café quente para animar um pouco a tertúlia que vou conseguindo aqui.

Assim, creio ter explicado a esporadicidade dos meus comentários nos vossos blogs. A causa está no tempo, que me rodopia em ventanias constantes. O que me vale é o meu guarda chuva que ao levar-me pelos ares me deposita nos lugares certos, um pouco despenteada que depois ajeito com as quinquilharias que trago sempre na minha mala. À laia de Mary Poppins.
da Leonor