Fragmentos dela, dele e às vezes dos outros (8)
Por coincidência , sentaram-se em frente um do outro no transporte público. Num pequeníssimo momento cruzaram o olhar e conheceram-se. Ambos volveram trinta anos.
Trinta anos que o tempo transformou sentimentos de garotos impertinentes em memórias de adolescência perdida. Trinta anos ela procurou pela janela olhando o rio. Trinta anos ele procurou perdendo o olhar nas pessoas que iam ocupando o resto dos lugares.
Porque nunca se tinham suportado?
“Ela já não usa o cabelo encaracolado. Mas continua com aquele ar de nariz empinado”
“Tem o cabelo todo branco. Engordou. Bem, ele já era um pouco gordo”
“Será que ela ainda se lembra que eu era o filho do contínuo?”
“Tinha a mania que mandava na escola porque era filho do contínuo”
Agora ambos olhavam o rio e o horizonte pela janela do barco. Em soslaios captavam imagens fugidias um do outro. Rápidas para nenhum deles ver.
“Ainda sinto a canelada que ela me deu quando a tirei à força da fila do bar”
“Acho que foi a ele (foi?) que lhe dei uma canelada."
“O que será que ela faz agora? Suponho que nunca o saberei.”
“O que terá passado com ele nestes últimos trinta anos? Oh! O que me importa isso?"
Ambos tinham chegado ao destino. Saíram e seguiram caminhos contrários, provavelmente, por mais trinta anos.
da Leonor