Ao Bom Sucesso dos Imponderáveis
Ana fez a lista. Ela é que sabe fazer listas. Com ela a pensar nos ingredientes as coisas falham menos. Mas enquanto a Ana organiza a festa, Leonor não pára de reclamar com os seus silêncios gritantes por ter de ajudar a passar a toalha de linho que a avó bordou especialmente para a época, por ter de lavar os flutes, por ter cortar as azeitonas ao meio e descaroçá-las para decorar os canapés.
- Não vale a pena andares com cara de carneiro mal morto. – disse a Ana – são dois dias, caramba. Pensa na reunião familiar. Já pensaste nas pessoas que não têm família?
- Por favor, Ana. Não comeces a cantar o fado do desgraçado. Não posso fazer comparações com os outros para medir a minha felicidade. Claro que é bom ver os parentes, estar com eles mas vou ouvir as mesmas piadas de sempre e eu já não tenho sorrisos amarelos que cheguem. Es-go-ta-ram-se. - retorquiu Leonor.
- Há os acepipes, as sobremesas.
- Sim! Autênticas batalhas à mesa que no fim só nos deixam mal dispostos e cheios de culpa por causa do pecado da gula que nos impingiram na catequese.
- Há as prendas. - Ana estava disposta a provocá-la.
- Ooooooooooooooh! Pois ! As prendas! A prenda é algo que se compra com vontade de gastar tempo (não dinheiro, mas tempo) a escolher algo que se ajuste a determinada pessoa. O valor da prenda não está no custo monetário mas no tempo dispendido e no significado do objecto em si.
- Agora digo eu: poupa o discurso utópico, porque é sempre agradável receber uma prenda com ou sem gasto de tempo ou de dinheiro. Além do mais, sempre podes distrair-te com o “Shreck”.
- Ao menos isso para salvar a honra do convento! Depois… a euforia colectiva ocupa o mês todo, acabando na pseudo felicidade da espera do Ano Novo. Atiramos foguetes, apanhamos as canas, festejando imponderáveis que o próximo ano nos vai trazer e que ainda não sabemos e nem sequer adivinhamos.
- E ainda bem! Porque se soubesses de alguns fugias a sete pés. Por ti a humanidade festejava as tradições na ópera, mumificada na cadeira. – Ana continuava a provocar a Leonor.
- A tradição! Ainda bem que não inventaram a tradição do “atira-te ao poço que eu vou atrás”.
- Desta vez não me enganei e comprei passas sem grainha para conseguir engoli-las a tempo consoante as badaladas. – disse a Ana, saltando de assunto.
Leonor, um pouco maldosa, começou a sorrir, lembrando-se da aflição da Ana que ia morrendo engasgada com uma das doze passas no ano anterior.
- Guarda a décima segunda para o bom sucesso dos imponderáveis. – aconselhou a Ana.
- Guardarei todas! – rematou Leonor.
da Leonor