Ex Improviso

Mínimo sou, mas quando ao Nada empresto a minha elementar realidade, o Nada é só o Resto. Reinaldo Ferreira

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Location: Lisboa, Portugal

Dizem que sou como o sol mas com nuvens como na Cornualha

Thursday, September 29, 2005

Quatro dias num cruzeiro (Tânger)

As nove da manhã ouvimos uma voz no altifalante a anunciar a excursão a Tânger. De uma forma organizada os participantes reuniram-se na sala junto à recepção a fim de serem agrupados nas camionetas que os levariam à cidade.

Consolei em Tânger a minha expectativa de uma cidade marroquina. Muitas palmeiras, aldeamentos brancos, caóticos, muros rendilhados…

Parámos no Cabo Espartel, um lugar onde o Atlântico conversa com o Mediterrâneo. E pude admirá-lo através da gruta de Hércules. Tentei lembrar-me qual dos doze trabalhos teria ele realizado ali, mas… assim de repente, não estou a ver…
Centauros!?... Isso foi na Grécia, no Monte Pelion. Não tem nada a ver com Marrocos. As leituras reduzidas aos sumários dos tempos de estudante revelam-se nas ignorâncias em Geografia e em Mitologia.

Seja como for, no Cabo Espartel tive o contacto mais próximo com algo relativo ao deserto – o camelo. Camelo ou dromedário que eu nunca me lembro qual deles tem uma ou duas bossas. Mas o deserto não vi. Outras paragens. Vou morrer sem ver o deserto. E ao tempo em que escrevo o terceiro e penúltimo relato da viagem posso dizer que não andei perdida no deserto mas tenho Porto aqui tão perto.







Bem, bem, eu não posso perder-me assim… digo… nas palavras, nas conversas…
Avançámos para a Medina, Ruas ainda mais estreitas que em Casablanca, lembrando os bairros lisboetas de Alfama e Mouraria. Ruas de lojas pequenas, muito pequenas, de artes e ofícios, dentro da muralha construída pelos portugueses no século XV.



Ó Infante sabe que a sua figura de homem feio, porém de olhar doce, vestido de preto sempre me fascinou? A sua ganância empurrou-o para as navegações, contudo, a sua grande ambição foi sempre a conquista das cidades mouras.
Chamam-lhe Henrique, o navegador … mas navegar, navegar, o Infante só navegou até Marrocos. A História tem histórias hilariantes.



A visita incluía uma visita a uma botica. A demonstração dos produtos feita pelo boticário foi divina. Ai de quem falasse, ai de quem o interrompesse. Quebrava-lhe o discurso decorado nas vírgulas em espanhol. Os seus dois empregados sempre atentos ao andamento da banha da cobra mostravam os produtos a todos os ouvintes sentados a toda a roda da farmácia. no fim todos tinham um saco para encher. Creio que fui a única que não comprei nada. Mas fiquei com a memória de uma grande exibição.



Por falar em cobras… não resisti. Mas que tive medo, tive. O VP viu na minha cara a enorme vontade de experimentar e empurrou-me palavrosamente, pressionando-me com fotos para o blog. E de repente lá estava eu, a sentir a cobra morna e macia, deslizando no meu pescoço suavemente, cada vez mais firme mas sempre, sempre deslizando muito suave. Um horror! Mas uma sensação única.

Regateei! Mas não consegui levar a minha avante. Mas os vendedores também não levaram a deles. Ou seja, ninguém levou nada. Decididamente, não tenho jeito para negócios.
Os jantares a bordo do navio eram momentos muito bons. O grupo reunia-se, conversava e ria.

O Eurico, o Âlvaro, a Elsa, o VP, eu e a Cris

Por fim, no outro dia regressaríamos.


Da Leonor
A seguir o último episódio da grande aventura : O Regresso
Todas as fotos foram tiradas pelo VP

Sunday, September 25, 2005

Quatro dias num cruzeiro (Casablanca)

O Atena andou navegou a noite toda.




Chegámos a Casablanca ao meio dia. Mais ou menos à volta do meio dia. Para dizer a verdade, enquanto andei por outras paragens perdi-me no tempo. Pois por me ter desviado uns metros do meridiano de Greenwich, ora agora para a esquerda, ora agora para direita, a hora mudava constantemente e eu, simplesmente deixei de olhar para o relógio para não andar às voltas com os ponteiros.

Desembarcámos. Lembrei-me da canção do filme, em tempos, mais famoso do cinema americano.

You must remember this
A kiss is just a kiss
A siiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiign is just a sign

Vi o filme Casablanca algumas três vezes em várias fases da minha vida. Ainda hoje me pergunto se o vi por causa do ar de rufia de Humphrey Bogart, por causa da beleza espantosa da Ingrid Bergman ou porque a TV passava sempre os mesmos filmes.

A visita foi guiada por um cicerone que nos perguntou se percebíamos espanhol. Ah meu caro, qualquer português percebe espanhol e tem a mania que domina o idioma do país vizinho. Afinal, os casamentos da nossa realeza fizeram-se sempre com Espanha até à revolução de 1385.
Nessa altura, D. João I, bastardo de D. Pedro, ganha a coroa com a ajuda preciosa de João das Regras que vai buscar ao Direito Romano uma lei que proibia as mulheres subirem ao trono, impedindo, assim, Dona Beatriz, a legítima herdeira, de tomar posse das suas funções, escolhe uma inglesa para sua esposa. Pouco depois, voltaríamos aos casamentos espanhóis.

Mais tarde, no século XIX, Alexandre Herculano poria em causa a existência de tal lei, pelo que foi excomungado pela Igreja. Também, diz-me lá ó Alexandre, vais mexer numa coisa que já tem quatrocentos anos. Já está tudo morto, homem. E tu, João, tiveste muita sorte, porque se fosse hoje com os dados todos informatizados, eu queria ver o teu desempenho.
Mas isto não interessa nada. É só História de Portugal.

Vi a Mesquita. Linda. Não entrámos. Pelo que as meias não foram precisas e o pavor de me roubarem as sandálias evaporou-se. As visitas são permitidas de manhã. Contudo, à tarde são proibidas para não perturbarem as orações.






Uma escola primária mesmo em frente à Mesquita


A arte fotográfica do VP


Deixámos a Mesquita. Ainda visitámos um palacete cheio de rendas em gesso e arcos em ogiva e uma igreja católica para evangelizar 5% da população do país. Depois andámos pela Medina, labirinto de ruas estreitas onde se compram bens essenciais. A Cris e o Eurico não resistiram à enorme variedade de azeitonas, comprando verdes, pretas, picantes. À noite, antes do jantar, consumimo-las deliciados no bar. Mas faltava o pão alentejano.






O dia estava a acabar. Ao jantar reuníamo-nos todos à mesa, contando anedotas e rindo da fome desmesurada da Elsa que se empanturrava de pão com manteiga. Pudera! Sabendo que o jantar se compunha de meio bife acompanhado de dois palitos de batata frita ela precavia-se antes.





Conheço a Elsa há relativamente dois meses. Por coincidência ou não, a Elsa mora em Viana do Castelo e é ela agora quem, em carne e osso, me assegura a sanidade mental, convidando-me para sair e falando comigo de liberdades individuais , de Karmas e Darmas. Parece que nos conhecemos há muito tempo numa sensação de Dejá vú recíproca.


O dia chegou ao fim. De manhã visitaria Tânger. Em Tânger diverti-me imenso.


da Leonor
Todas as fotos foram tiradas pelo VP.

Thursday, September 22, 2005

Quatro dias num cruzeiro (O Embarque)

Finalmente chegou o dia do embarque. Duas malas, uma mochila e uma mala de mão para quatro dias no mar alto. Ir até ao estreito de Gibraltar e voltar. Tento imaginar, para a seguir logo esquecer, a quantidade de bagagem que levaria se desse a volta ao Mare Nostrum.

Eu ainda em Alcântara

O barco partia somente mas o receio de que o comandante mudasse de ideias fez o VP estar lá na sala do embarque cinco horas antes, receio justo “neste povo que não se governa nem se deixa governar”.

Depois de ter feito o chek in entrei no navio e conheci o camarote. A seguir foi almoçar e ver o barco a sair do Tejo. Da varanda mais alta acompanhei o percurso e imaginei o rio cheio de caravelas em pleno Cinquecento, antes da rota das especiarias ter mudado das mãos dos portugueses para as mãos dos holandeses, deixando aqueles a ver navios por estes subirem e descerem o Atlântico sem entrarem no Tejo.






O Eurico, Eu e a Cris



Passado algum tempo, já andava à vontade por alguns corredores. Às tantas ouvi uma sirene e uma voz que dizia para me dirigir ao meu deck a fim de participar numa operação de salvamento. Vesti o colete e juntei-me aos outros passageiros. Creio que se naufragasse nadaria de costas o tempo todo mas saber colocar um colete dá sempre jeito. O colete tem uma lanterna, para vermos a beleza das ondas azul marítimo à noite, e um apito para espantar tubarões.

Eu e o metade do VP

Fiquei a saber que os acidentes mais frequentes a bordo são os incêndios e as inundações. Dos incêndios já desconfiava mas as inundações apanharam-me completamente de surpresa. E eu que pensava que o ensino era a única embarcação que metia água… por cima.

Eu, a Cris, o Eurico e o VP

Na primeira noite, descemos para jantar vestidos a rigor e para acedermos à sala dos acepipes tivemos de tirar uma foto com o comandante. Penso que o meu vestido preto se portou lindamente.

No dia seguinte visitei Casablanca.
da Leonor
Da próxima vez "Casablanca"

Sunday, September 18, 2005

E siga a Marinha


Hoje teria sido dia de post . A prometida continuação da minha viagem a Marrocos com o episódio intitulado O Embarque. Porém, faço aqui uma interrupção sobre a minha viajata para desafogar sentimentos penosos.

Fugindo à tentação de começar o desabafo em Media Res como Camões iniciou o seu romance épico, começo pelo princípio, com perdão do pleonasmo.

Este ano a candidatura dos professores fez-se por via electrónica. Tinha o título pomposo de “candidatura inteligente” e logo pelo nome desconfiei que algo iria correr mal, não propriamente pelo conceito de candidatura mas pelo conceito de inteligência, ou então, num receio mais profundo, quase Freudiano, os dois juntos.

Deixando passar alguns dias depois da abertura do concurso lá decidi sentar-me frente ao monitor, abrindo o respectivo documento a preencher. Uma catrefada de folhas com algumas perguntas que eu, supostamente, até respondi bem, julgando-me inteligente.

Finalmente, cheguei às folhas que pediam os códigos das escolas da minha preferência. Escolhi distrito de Setúbal e de Lisboa e não me preocupei com mais nada porque a minha classificação dá-me o privilégio de ficar colocada sempre a meia hora de casa.

Adianto. Acabo com o suspense. Até porque já estou em Media Res e já posso começar onde queria ter começado há pouco.

Troquei dígitos e deixei códigos incompletos. Apressando a peripécia e precipitando-me para a catástrofe: fui colocada numa zona nortenha, entre Fão e Apúlia.

Estranhei a localidade da escola. Nunca tinha ouvido falar. Às minhas bandas não pertencia. Quando tive a certeza do sítio quis fugir. Sim, mas para onde? É que fugir também tem muito que se lhe diga.

Levei o dia de sexta feira a tentar resolver o problema. Nada feito. Mandaram-me de um lado para o outro e no fim fiquei com a forte sensação que me andaram a entreter. À força de dois gritos consegui que me dessem o telefone da escola para cumprir a minha pontualidade segunda feira de manhã.

Comecei a viver o drama dos meus colegas que todos os anos têm de deslocar-se de um sítio para outro, levando dossiers, cds, livros… desconhecendo o clima, as gentes… deixando a família, os amigos, a casa…

E lá vem a verdade do fado, negando o que é aleatório, que segundo a qual o percurso dos acontecimentos está previamente traçado, não podendo ser alterado nem evitado pelo homem. É que no meio do azar tive muita sorte. Fiquei colocada a vinte quilómetros da casa dos meus sogros. Uma casa que eu conheço, pessoas que eu conheço e nem tudo me é estranho.

Já escrevi uma carta à ministra da educação: “Excelentíssima Senhora Ministra da Educação... não sei por onde começar. Começe pelo principio, dirá a Senhora Ministra. É o que tentarei fazer."

Estou longe de todas as minhas mariquices. Apetrechos que me acomodam a rotinas julgadas insubstituíveis, as quais eu tenho de remeter para segundo plano ou então não sobrevivo. Por isso, hoje, não há música, não há foto. O portátil é básico e possuir uma placa de wireless que nem sempre apanha rede é o máximo da minha momentânea fortuna.

Não choro mais. O rio de lágrimas que verto das minhas palavras já encharca a folha branca do Word e arrisco-me a que a tinta virtual esmoreça no seu ondular negativo.

E siga a marinha.


Da Leonor


Da próxima vez… juro! O próximo episódio da minha viagem intitulado O Embarque.


Wednesday, September 14, 2005

Quatro dias num cruzeiro (Antes da partida)



Da esquerda para a direita: Mónica, eu e Elsa.

O forrobodó começou uma semana antes da viagem. A Sãozinha telefonou e foi o VP que atendeu. Depois dos costumeiros olás e adeuzinhos eu falei com ela.

Com que então um cruzeirinho, disse-me ela. Olha, continuou , não te esqueças do protector, e leva roupinhas para a noite.

Roupinhas para a noite?!!!!!!!!!!!!!!!! – admirei-me – Sãozinha, eu levo jeans… eu só sei andar de jeans.

Calças de ganga com uma blusa bonita fica sempre bem. – sossegou-me ela.

Preocupações com roupinhas para a noite não estava no mapa da minha actividade sináptica. As coisas agravaram-se quando na véspera da jornada falei com a Cris, uma amiga (de um grupo de sete amigos, como nas histórias dos sete de Enid Blyton, quem não leu? ) que me acompanhava na aventura. Ia haver uma noite de gala a bordo do navio.

E isso quer dizer o quê? – perguntei assustada. Lembrei-me das roupinhas para a noite. Lá fui ao guarda roupa ver o que tinha para lá pendurado. Descobri um vestido preto. Sim! Este está muito bem. Também havia um azul clarinho. Não, não. O preto. Decidamente. E agora sapatos a condizer. Aquelas sandálias cremes que eu uso sempre nos casamentos. A noite de gala ficou resolvida.

Logo a seguir falo com a Elsa. Outra amiga do grupo dos sete.

Leva umas meias, disse a Elsa. Vamos visitar uma mesquita. Tens de descalçar os sapatos e usar umas meias. Se não tiveres um par contigo, calças umas dos árabes.

Nem pensar! Eu tenho montanhas de soquetes. Apressei-me a colocar umas na mala. Ufa! Era o que faltava! Calçar meias usadas. Preferia desmaiar e acordar na próxima reencarnação.

A Saltapocinhas (do Fábulas) e a Betty (do Fragmentos) avisaram-me quando souberam do meu percurso turístico. Cuidado com os negócios dos marroquinos. Cuidado com os roubos. Será que me roubariam as sandálias na mesquita?

Nessa noite não tive um sono descansado. Numa primeira fase sonhei que enjoei no barco e por causa do enjoo não podia comer nada, perdendo todo o dinheiro dado pela pensão completa. E quando me dispus a dormir o resto da noite fui assaltada por um segundo pesadelo: tinha sido apanhada por uma tempestade medonha e andava perdida, completamente encharcada no convés, da popa à proa à procura dos meus parceiros que depois avistei ao longe em pleno mar alto num salva vidas a dizerem-me adeus com bonés da Nike.
da Leonor


Continua no próximo episódio intitulado O Embarque


Musica: Um lugar ao sol (Delfins)
Todas as fotos da viagem foram tiradas pelo VP

Saturday, September 10, 2005

Vou de Férias



Esta sou eu nas águas da Costa da Caparica

Vou de férias.
Bom! A bem da verdade, de férias já eu estou há já algum tempo.
O que eu quero dizer é que vou conhecer um sítio que, pelo menos nesta vida, nunca vi a não ser em fotos na revista “Rotas e Destinos”. Foi sempre uma coisa que eu quis fazer, por duas razões que eu depois logo direi quando chegar e fizer o relato da viagem no papel de repórter X.
Vou levar um caderno em branco para voltar cheia das boas impressões da viagem e de recordações como por exemplo, o bilhete de avião, ai! de avião não porque eu vou de barco.
Vou levar um mapa, uma bússola, uma lanterna e um telemóvel, para o caso de eu me perder dos restantes companheiros de aventura. O mapa, a bússola e a lanterna não sei se vou usar mas o telemóvel usarei de certeza.
Daqui a uma semana já cá estou.Entretanto, quando vier quero ver muitos comentários a dizer que tiveram muitas saudades minhas.

Ah! E desculpem se eu me descurei nas minhas visitas ultimamente mas fiquei sem monitor e ando à boleia do computador do VP. Não posso abusar! Afinal, somos os dois taurinos.
Quando voltar, as visitas serão a primeira bola a sair do saco.

E ahora me voy! Hasta la vista.

Música: Further on up the road (Eric Clapton)

Wednesday, September 07, 2005

Manobras de Sedução

Imagem in Fantasy Gallery




Ana estava chata, rabujenta. Acendia cigarro atrás de cigarro. Entre duas fumaças roia a unha do dedo mindinho da mão esquerda. Chamou o empregado e pediu mais um café.

Cansada de ver tanta ansiedade disse-lhe que ela estava a precisar de um namorado.

E tu pensas que há namorados por ai aos montes? Os homens que eu conheço ou são casados, ou já têm namorada… - replicou a Ana, enervada.

Consegues concentrar-te na leitura quando o Duarte te convida para ir ao cinema? – perguntei-lhe nunca desviando os olhos da leitura do meu horóscopo. O hóroscopo é sempre aquela coisa que ninguèm acredita mas que toda a gente lê.

Por favor Leonor, tenho mais que fazer… - respondeu a Ana, aborrecida.

Vai de férias – sugeri-lhe - quem é que nunca arranjou namorado numas férias de verão?

Se calhar eu . Sempre achei piroso ver o pôr do sol de mão dada com alguém. E puxou de mais um cigarro.

Ó Ana, não digas isso. Não gostas que te chamem cara linda, que os teus olhos são da cor do mar, que a tua voz tem a doçura do mel, que te aconcheguem a melena atrás da orelha?

Calei-me e fingi continuar a ler a revista. Contei mentalmente 20 segundos. No fim desse tempo a Ana perguntou.

Como é que tu achas que digo ao Duarte que afinal quero ir ao cinema? - E puxou de mais um cigarro.

Mais outro? Mas quantos já fumaste? Quando chegares aos quarenta a tua pele estará macilenta. – disse-lhe, embora soubesse que o que tinha dito entrou por um ouvido e saiu pelo outro.

Deixa lá. Eu nem devo chegar aos quarenta, por isso, esse risco da pele macilenta não corro. Acerca das manobras de aproximação…….?

Tens várias. – proferi – além de lhe deixares uma porção de papéís colados pela escada, desde o rés de chão ao terceiro andar onde ele mora a mostrares o teu arrependimento podes pedir-lhe de volta o cd que lhe emprestaste. O que foi que lhe emprestaste ultimamente?

Nada.

E o que foi que ele te emprestou? – perguntei novamente.

Nada.

Hum! Isto está complicado. Sabes se ele percebe alguma coisa de computadores? Diz-lhe que o word anda a trocar os tês pelos pês. – insinuei.

E isso acontece? – perguntou a Ana, que não percebia nada de computadores.

Mais ou menos. – assegurei-lhe – Vá! Pega no telefone e pergunta-lhe.

Ana fumou o cigarro até ao fim. Pegou no telemóvel e marcou um número, supostamente do Duarte.

Duarte? Sou a Ana. Olha, aquele filme está no cinema até quando? Sim! Hoje? Sim, às sete para jantar… não sei…

Dei-lhe uma cotovelada, dizendo-lhe para que dissesse sim.

… espera, espera… está bem, às sete para jantar e depois o cinema. Vens buscar-me? Ok, ok… até logo………………beijinho. – e desligou o telefone, puxando em seguida de outro cigarro.

Continuei a ler a revista. Senti uma vontade louca de colocar, logo ali, aquele dialogo no papel mas nao podia. Mais tarde.


da Leonor



Música utilizada da CDteca do VP: A chance with you (Billy Branch)

Sunday, September 04, 2005

Signo: Significado e Significante


Segundo Ferdinand Saussure, o signo linguístico é formado pelo significado, a que corresponde um conceito e, pelo significante, a que corresponde uma imagem acústica ou gráfica do conceito.

Deste modo, podemos dizer que o signo é uma entidade de duas faces, o significado e o significante, intimamente ligadas, que se reclamam reciprocamente quando comunicamos.

É assim que ao significado da palavra galinha atribuo a imagem de uma ave de crista carnuda e asas curtas e largas, frequentemente criada em capoeiras e muito usada na alimentação humana. Animal pouco inteligente, demasiado eléctrico que se movimenta em passadas curtas sem orientação pré determinada, sempre debicando qualquer coisa que ela veja pelo instinto de encher o papo grão a grão.

À ideia de galinha ocorrem-me logo algumas perguntas de grau intelectual mais ou menos profundo, que me deixam sempre num estado de confusão mental por nunca passarem de hipóteses meramente académicas.

A velha questão “qual apareceu primeiro? a galinha ou o ovo?”, remeto-a logo para um tempo de quando as galinhas tiverem dentes. Mas, por exemplo, porque é que eu nunca vi uma galinha atropelada?






A galinha

Está uma galinha
na berma da estrada.
Não olha para si,
para dentro ou para fora,
não olha para nada.

Quem sabe se olhando
para dentro de si,
não via outra estrada
com outra galinha
na berma, parada?

Que há coisas assim,
sem ter explicação...
Parece que o tempo
sempre em frenesim
de um lado para o outro,

ao ver tal galinha,
se senta no chão!


De Maria Alberta Meneres


Mas, deixem-me contar uma história triste e verdadeira que me ocorre sempre à memória pela associação da palavra galinha.

Mais ou menos em 1994 passava diariamente na televisão pequenas metragens, a preto e branco, com a duração de um minuto, mostrando imagens da guerra na Ex Jugoslávia, que tinha começado dois anos antes.

As imagens mostravam sobretudo os dias instáveis de pessoas que não percebiam a guerra devido a diferenças étnicas, porque a convivência até alia tinha sido possível e agora descambava nos piores ódios.

Uma dessas metragens ficou para sempre na minha memória. Um homem tinha perdido toda a sua família mais próxima. A mulher e todos os seus filhos. Vivia no meio de escombros mais ou menos afastado das zonas de tiroteio. Todos os dias, saía à procura de algo para comer. Um dia encontrou um tesouro: uma galinha. Rindo, de sorriso magoado, contou como foi difícil apanhá-la. Conseguiu arranjar um bocado de fio e andava com a galinha pela mão como se fosse um cão.



In Mil Imagens


A jornalista perguntou-lhe porque razão, tendo ele fome, não matava a galinha e a comia?

A galinha serviria só para ele comer uma vez. Nos outros dias ele continuaria com fome. Se ele a matasse ficaria sozinho. A galinha era a sua companhia. Passando dias e dias sem ver ninguém, ele falava com a galinha. Aquele animal continuava nele afectos, evitando que embrutecesse pela solidão.

Apaguei a televisão. Vesti o casaco, peguei na mala e sai para a rua. Falei à minha vizinha. Entrei numa pastelaria e pedi um café. No outro lado do mundo, naquele momento, alguém estava numa situação bem diferente da minha.


da Leonor

Música: Cold day in hell (Larry Carlton)



















Thursday, September 01, 2005

Entre o crer e o saber


Mundos Paralelos
de Pedro Miguel Correia in Mil Imagens


No verão, á hora que me sento na minha mesa para ler ou escrever não resisto a abrir a janela a fim de sentir os raios de sol a amornarem-me a pele. Tu já sabes. Já te falei do meu espaço, da minha janela. Do meu olhar distraído pelo verde das árvores. Tu leste. Já estiveste lá comigo.

Á altura do primeiro andar sei tudo o que se passa no bocado de rua que os meus olhos e ouvidos alcançam. Sei de coisas que quem está na rua não sabe por a sua visão estar direcionada num só sentido.

À altura do primeiro andar eu experimento os atributos de Deus. Sou omnipresente, sou omnisciente, sou omnipotente. Sei e posso. Se quiser interfiro, se quiser calo-me.

De um modo geral, o homem percebe deus como o único ser perfeito, aquele que tudo sabe, por oposição à sua imperfeição. Mas partindo do pressuposto que não há um saber em si pois todo o saber se faz a partir de situações cognitivas nas quais sabemos qualquer coisa e aprendemos a fazer alguma coisa a questao é a seguinte: o que é que deus sabe? ou o que é que deus aprendeu a fazer?

Não coloco em causa, aquí neste texto, a não existência de deus mas a maneira de falar dele.

Seja deus uma ilusão ou ele a realidade e o resto uma ilusão, penso que é possivel admitir um deus à imagem do homem, despojado de todos os seus atributos pois tais atributos não passam de projecções do homem, seja porque este inventou deus ou deus criou o homem à sua imagem.

Em baixo na rua enredei-me no Verbo, entre o crer e o saber e a angústia de não conhecer.

À altura do primeiro andar, eu, no meu papel de deus, prefiro a força daquilo que não se sabe totalmente à fraqueza do saber pouco, pois quem sabe, duvidará sempre e quem crê nunca terá dúvidas.


da Leonor