Ex Improviso

Mínimo sou, mas quando ao Nada empresto a minha elementar realidade, o Nada é só o Resto. Reinaldo Ferreira

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Dizem que sou como o sol mas com nuvens como na Cornualha

Sunday, February 27, 2005

Adamastor


Hoje estive a arrumar papéis.
E, no meio da papelada, deparei-me com um desenho sobre o Adamastor feito por um dos meus alunos. Um rochedo, altíssimo com dois olhos ferozes e uma boca escancarada. Na sua base, na crista das ondas, um botinho, pretensiosa caravela, reconhecível apenas pela cruz desenhada nas velas.Na altura dei-lhe um Muito Bom. Preguei-o com alfinetes na cortiça da sala. No fim do ano guardei-o para mim. Hoje, ter-lhe-ia dado um Excelente.
Na minha modesta opinião, Adamastor é dos episódios mais bonitos dos Lusíadas, superando o de Pedro e Inês. Adamastor, metamorfoseado de rocha, lembra-me o ser humano que quando traído ou abandonado pelo ser que ama, se rebela contra o mundo, se fecha em si mesmo a maior parte do tempo e, quando se mostra, mostra-se combativo.

No seu corpo enorme, com a sua voz poderosa, ele brame, berra, grita, ruge, ameaça de morte todos que ousam desafiá-lo… Vasco da Gama, suponho que a tremer por todos os lados, aguenta-se muito bem e pergunta-lhe: “Quem és tu? Que esse estupendo corpo, certo me tem maravilhado?”Adamastor ouve e vacila… cede… dobra-se… e desabafa a sua dor. O seu amor por Tétis não tinha sido correspondido.

O poder das palavras ... de Camões... nas suas hipérboles e hipérbatos.


Leonor

Saturday, February 26, 2005

Oração mágica finlandesa para estancar o sangue das feridas



Pára, sangue, de correr,
De ressaltar aos borbotões,
De me inundar como torrente,
De me brotar sobre o flanco.
Como contra uma parede,
Imóvel como uma sebe,
Lírio marinho direito
Como espadana na espuma,
Como pedra no talude
E o recife na corrente.
Sangue, sangue, se o desejo
Te faz correr com tal força
Circula dentro da carne
Abraça-te aos ossos vivos.
Belo, belo que é correr
Na obscura pele compacta,
Sussurrando nas artérias,
Murmurando contra os ossos.
Pára, sangue, de correr
Sobre a fria terra morta.
Não corras, leite, no chão,
Sangue inocente no vale,
Beleza humana entre a erva,
Oiro de heróis na colina.
Desce fundo ao coração,
Bate surdo nos pulmões
Desce, desce fundamente
Aos órgãos vivos do corpo.
Não és ria que se escoe,
Nem calmo largo parado,
Nem fonte que brote assim,
Nem barca velha com rombos.

Herberto Hélder in Poesia toda (1990)

Wednesday, February 23, 2005

Paixão Pela Vida



Falava com o meu pai e pelo meio de conversas sobre acontecimentos recentes intercaladas com outras de acontecimentos passados, filosofávamos. “Na vida há várias paixões – dizia o meu pai – a paixão pela vida é uma delas.”
O seu trocadilho dito com tanta certeza, a certeza de quem já viveu imenso, conduziu-me mentalmente para onde só as almas podem ir quando o corpo as aprisiona temporariamente num determinado espaço.
Existem várias paixões, sim, pai… respondi baixinho, mas tão baixinho que só eu pude ouvir o que dizia.
Existe a paixão pelo saber que nos leva, a anos e anos de dedicação a justificar uma causa na qual acreditamos… (ah! Galileu, senão fosse a tua perseverança apaixonada em mostrar a imensidão do Universo com as tuas lentes, enfrentando mentalidades movidas por zelos religiosos excessivos, ainda estaríamos a pensar como Ptolomeu).
Existe a paixão carnal, inclinação por afectos violentos, amores ardentes que nos leva a condutas e a pensamentos irracionais, mas que sem ela é impossível a existência humana. Existe a paixão pela escrita que nos leva a imaginar cenários fantasiosos a partir de cenários reais para nos sentirmos viver, experienciando emoções que de outra forma, tantas vezes, nos é interdito.
Existe a paixão pela vida… acorda, levanta, anda, ri, ama, conversa, descansa, grita, desiste, pensa, odeia, continua, deita, dorme.
E no dia seguinte, o mais do mesmo.
Ainda assim, todos os dias procuro a cor azul do céu, a agitação das folhas nas árvores os tímidos mas ofuscantes raios de sol numa saudação de bom dia.
Os pássaros cantam e quando cantam aquietam-me os ouvidos, as flores descerram e quando descerram cativam-me o olhar…
Desta e daquela maneira, ando, corro, converso, grito, ouço, desejo… numa rotina explosiva de sentimentos com os dias e as noites, alimentando a minha paixão pela vida.

Leonor

Monday, February 21, 2005

ECCE HOMO

Estas doze fotografias fazem parte de um PPS muito bem feito cujo autor dá pelo nome de Pedo Cabeçadas. O PPS tem mais fotos mas eu só quis aproveitar estas a fim de fazer esta montagem, correndo o risco do autor, se me apanhar pelas esquinas da Net, me colocar um processo em cima.
E assim, desde já me justifico, prevenindo-me de situações complicadas. Espero.




O Homem, de besta a bestial, no seu processo de Hominização

E depois, depois...
Na vida pessoal de cada um de nós, a ilha, defesa do nosso ego,
O conhecimento, o ver para além da Caverna de Platão
que identidade hoje para com quê e para com quem…
Close to the edge e, no entanto, tudo aquilo que eu vivi…quero ficar.
Eu vivo na memória dos outros. Quando os outros morrerem, morro de vez.

Tudo está nos livros.
Leonor

Sunday, February 20, 2005


Persistência da memória
(Salvador Dali)

Hoje apetece-me falar do tempo.
Mas não do tempo que faz lá fora na rua e eu vejo na sua forma concretizada em raios tímidos de sol por entre nuvens brancas blocos de algodão num céu que já começa a desmaiar no seu azul, enquanto escrevo estas linhas a fim de vos dizer um breve olá semanal.
Não do tempo “Ora faz frio ora faz calor, vá lá a gente perceber…”, mas daquele tempo que passa por mim, de uma maneira tão subtil, que só dou por ele, muito tempo depois, deixando-me num estado de catalepsia e de confusão mental em que a minha vontade e o meu corpo se imobilizam, e a minha mente tenta assimilar quanto tempo passou.
Do tempo rápido, no qual se desenrolam acontecimentos sucessivos, tão intensos, que não me deixam reflectir na tomada de acções que se querem imediatas porque senão, perde-se o tempo. Ou, por oposição a este tempo galopante, puxado por grupos de doze corcéis, o tempo lento, vagaroso, do meio tempo, em que tenho de dar tempo ao tempo, matando o tempo para não matar a minha alma.
É assim que o tempo, não aquele do “Parece que hoje vai chover”, mas o outro, que entra hostilmente, ocupa por meio da força os dias e as noites de quem vive e sonha, impõe a ideia do tempo errado – não é a altura, és muito novo – e rouba a ideia do tempo certo - perdeste a oportunidade, já és velho - passa pelo homem, pequenina metáfora de Deus, sem nunca se compadecer dele.
Leonor

Saturday, February 19, 2005

Saudade

O conteúdo da palavra saudade é tipicamente português pela grande carga afectiva que transporta.
O nosso mar, é em grande parte, o grande responsável por essa mágoa sentida pela ausência do ente querido.
Por outro lado, os portugueses também são maviosos e afeiçoados.





Ondas do Mar de Vigo
Se vistes meu amigo!
e, ai Deus, se verrá cedo!

Ondas do Mar levado
se vistes meu amado!
e, ai Deus se verrá cedo!

Se vistes meu amigo,
o por que eu sospiro!
e, ai Deus, se verrá cedo!

Se vistes meu amado
por que ei gran cuidado!
E, ai Deus, se verrá cedo!

Martim Codax