Há quem diga que sou eléctrica. As modernas psicologias dirão que sou hiperactiva. Mas quem me conhece bem, afirma peremptoriamente, sem vacilar, que sou selvagem.
E assim, nas reuniões mensais do Conselho Escolar, onde se redefinem as actividades mensais para o mês seguinte, problemas surgidos na escola e por surgir, de acordo prévio com a coordenadora, eu assisto à reunião com um olho no burro e o outro no cigano. Por outras palavras, ao mesmo tempo que ouço a leitura da acta anterior, a leitura de circulares e os pareceres sobre outros assuntos, corrijo ditados e redacções.
Salvo na reunião que sou eu a fazer a acta. E mesmo assim, a minha hiperactividade faz-se sentir. Todavia, controlo-a mais ou menos bem contando até cinquenta o que perfaz o bonito número de dois mil e quinhentos. Pelo que, chegada a dois mil e quinhentos, ouço e digo: muito bem! Ponto um já está. Siga o ponto dois.
Discutia-se o programa da Homilia Pascal, dia de ensaio na igreja e respectiva missa, na presença da representante da associação de pais. Os meninos do 4º ano lêem as Escrituras. Porque é o seu último ano na escola…
- Em princípio. – disse eu, marcando erros ortográficos com o marcador amarelo, provocando uma pausa silenciosa, contudo, ligeira. A representante da associação continuou.
… porque é o último ano dos meninos e porque tem sido sempre assim. Serão escolhidos mais dois meninos por cada sala para levar a cruz, o pão, a fruta e a bíblia.
- O que é que se dá aos meninos? – perguntei, qual moura caída de pára quedas em terra de celtas.
- O presidente da junta dá sempre coelhinhos de chocolate no fim da missa e amêndoas no último dia de aulas.
- Já agora, que falamos de patrocínios, preciso de ovos de chocolate para fazer uma caça ao ovo no último dia. – pedi descaradamente, ou à junta ou à associação, uma vez que os dinheiros não existem na escola.
- O que se tem comprado são os coelhos e as amêndoas. Nunca se fez uma caça ao ovo.
- Então, provavelmente, é uma boa altura para variar um pouco, senão a tradição sempre tão vincada gera rotina e desmotivação. – o meu debate com a representante animava-se a cada palavra.
- O presidente dá sempre os coelhos e as amêndoas. Tenho a certeza que não dará mais nada.
Percebi, pela omissão, que a associação também não estava disposta a colaborar com a compra de uns sete sacos de ovos de chocolate, tendo em conta que só seria preciso um ovo por cada aluno.
- Não faz mal. Eu compro os ovos e faço o jogo com a minha turma. – continuei a corrigir ditados. O que era permitido à representante da associação chegou ao fim. Ela retirou-se e a reunião seguiu com o pessoal docente.
Dois dias antes das aulas terminarem, a Armanda pergunta-me se já comprei os ovos.
- Ainda não! – disse eu.
- Queres comprar para todos? – perguntou-me.
- Dá-me o dinheiro. – pedi-lhe sem meias medidas.
No último dia, fechámos as três turmas na biblioteca supervisionados pela paciência da dona Dores que os conhece a todos não só da escola como também das redondezas, enquanto eu, a Isabel e a Armanda escondíamos os ovos por entre as ervas do recreio da escola. As minhas colegas, puristas, agachavam-se a cada ovo que escondiam, quase tocando o chão com os joelhos, enchendo as unhas de terra. Eu atirava-os pelo ar, divertindo-me a vê-los a voar.
- Leonor! Que estás a fazer? – perguntava Isabel, divertida.
- A espalhar os ovos, pois então.
Isabel experimenta também, e a seguir a Armanda. Soltámos os miúdos para alívio da auxiliar. Todos gostaram da caça ao ovo. E por acaso, o Jorge, filho da representante da associação disse-me, junto da mãe que assistiu a tudo, que o jogo tinha sido “boé da fixe”. Eu sabia que iria ser, Jorge.
Da Leonor