Noventa e três
Tinha mais ou menos dezoito anos quando vi na televisão uma entrevista a um ceramista já com uma certa idade que falava da sua arte com um grande desvelo. Do nome do ceramista não me lembro. Creio mesmo que nem deitei atenção. O que me fascinou foi a sua dedicação ao que fazia, de tal modo que fiquei presa a cada uma das suas palavras, e até hoje, ainda retenho a mensagem nelas implícita: seja lá o que se fizer, tem de se fazer à grande, se não, não valerá a pena.
O senhor fazia, especialmente, bules. Fazia bules de todos os feitios e de todos os tamanhos. Com uma particularidade: as pegas dos bules eram enormes. Para ele, as pegas grandes eram a sensualidade da peça. O bule podia ser pequeno mas tinha uma asa grande. O bule podia ser grande que teria uma asa ainda maior. E de facto… os bules eram formidáveis.
Há tempos, falava com alguém sobre um assunto que me transcende: literatura, obras e autores. Alexandre Dumas. O Conde de Monte Cristo. Vítor Hugo. Os Miseráveis. Noventa e três. Este último eu não conhecia pelo que a minha interlocutora, sabendo do meu interesse, aproveita para narrar uma das partes que mais a impressionou.
E era assim: num navio há um deslize de um marinheiro que põe o barco e a tripulação à beira do naufrágio. Por boas e “malasartes” o tal marinheiro lá consegue remediar o mal feito e pôr o navio na alheta. O comandante faz-lhe a respectiva condecoração, com o respectivo discurso, dando-lhe a respectiva medalha. MAS…
…e a minha narradora abre bem os olhos e estica o indicador, tomando a pose do comandante…
… por se ter desleixado do seu dever, o navio e a tripulação correram o risco de desaparecer, etc, etc, etc… e por isso será condenado por fuzilamento.
… e a minha narradora fecha os olhos, recordando a cena daquela morte tão injusta, deixando-me deliciada por ver como alguém ainda se entrega a algo com tanta devoção nestes tempos do “faça mal e depressa” ou “ leia na diagonal”.
Lembrei-me do desvelo do ceramista quando fazia os seus bules de asa grande semelhante em tudo ao arrebatamento da minha narradora que transcrevia oralmente, à grande, as palavras do escritor francês.
O senhor fazia, especialmente, bules. Fazia bules de todos os feitios e de todos os tamanhos. Com uma particularidade: as pegas dos bules eram enormes. Para ele, as pegas grandes eram a sensualidade da peça. O bule podia ser pequeno mas tinha uma asa grande. O bule podia ser grande que teria uma asa ainda maior. E de facto… os bules eram formidáveis.
Há tempos, falava com alguém sobre um assunto que me transcende: literatura, obras e autores. Alexandre Dumas. O Conde de Monte Cristo. Vítor Hugo. Os Miseráveis. Noventa e três. Este último eu não conhecia pelo que a minha interlocutora, sabendo do meu interesse, aproveita para narrar uma das partes que mais a impressionou.
E era assim: num navio há um deslize de um marinheiro que põe o barco e a tripulação à beira do naufrágio. Por boas e “malasartes” o tal marinheiro lá consegue remediar o mal feito e pôr o navio na alheta. O comandante faz-lhe a respectiva condecoração, com o respectivo discurso, dando-lhe a respectiva medalha. MAS…
…e a minha narradora abre bem os olhos e estica o indicador, tomando a pose do comandante…
… por se ter desleixado do seu dever, o navio e a tripulação correram o risco de desaparecer, etc, etc, etc… e por isso será condenado por fuzilamento.
… e a minha narradora fecha os olhos, recordando a cena daquela morte tão injusta, deixando-me deliciada por ver como alguém ainda se entrega a algo com tanta devoção nestes tempos do “faça mal e depressa” ou “ leia na diagonal”.
Lembrei-me do desvelo do ceramista quando fazia os seus bules de asa grande semelhante em tudo ao arrebatamento da minha narradora que transcrevia oralmente, à grande, as palavras do escritor francês.
da Leonor