Ex Improviso

Mínimo sou, mas quando ao Nada empresto a minha elementar realidade, o Nada é só o Resto. Reinaldo Ferreira

My Photo
Name:
Location: Lisboa, Portugal

Dizem que sou como o sol mas com nuvens como na Cornualha

Wednesday, May 30, 2007

A pesquisa indicial

O romance policial fascina-me particularmente pelas variadas técnicas de enredo que encerram. As mais conhecidas e utilizadas são:


1) o enigma tipo novelo, de onde o autor começa a puxar uma ponta de um emaranhado de fios a fim de desvendar o mistério da morte do cadáver (convém ter sempre um cadáver);


2) a técnica do puzzle, usada por Poirot, personagem de Agatha Christie;


3) e finalmente, a que para mim, é a melhor de todas, a pesquisa indicial usada por Conan Doyle na figura de Watson. Watson? Holmes! Não! Watson!. É através deste que Holmes brilha como mente superior.

A ideia de indicio surge a partir de um elemento com significado. Inferir a esse elemento um certo sentido é fundamental para que eu conte uma historia.
Contudo, não é qualquer indicio que serve os meus intentos. Tudo está cheio de indícios mas não faço historias com todos os indícios que me aparecem. Por exemplo: o assassino tem na gravata uma nódoa de manteiga, caspa na gola do casaco e lama nos sapatos. Terei de escolher aquele que se insere melhor na minha trama.

"O suspeito estava desmaiado no tapete da sala. Quando ele acordou deixei-o situar-se e perceber onde estava e o que fazia ali. Com ambas as mãos nos bolsos do meu blaser esperava calmamente. Quando parecia estar restabelecido ele colocou uma cara de interrogação por não saber que eu era. Identifiquei-me dizendo que era da polícia e mostrando-lhe o meu crachá.


- Você tem uma barba já crescida. Não deve vir a casa há pelo menos três dias. - disse-lhe eu desviando a minha melena que, teimosamente, insistia em tapar-me os olhos. Tinha de mudar de cabeleireiro.

Ele pareceu assustar-se com tamanha descoberta. A sua expressão confirmou a minha suspeita.

- Você chama-se luís Vasconcelos e é professor numa universidade pública. Tem um carro verde escuro.

- Mas como é que você sabe? Perguntou o homem completamente siderado.

- Vi os seus documentos enquanto estava desmaiado. "


Concluindo, nem toda a informação me serve para contar uma história e toda a informação é desprezível se eu não souber contá-la.


da Leonor

Saturday, May 26, 2007

Hoje falo do tempo

Maio.
Eterna discussão entre Inverno no seu tempo de ir embora e a Primavera no seu tempo de chegar. Aquele não reconhece que já cumpriu e continua. A Primavera insiste na sua função, mas sozinha.

… e passo por entre aguaceiros e ténues raios de sol com roupas leves e coloridas, enregelando e adoecendo.

Trinta e uma Primavera passadas (quinze não me conheci por gente) em desavenças temporais. Hoje falei do tempo, ora molhado, ora seco, ora ventoso, ora ameno.


Da Leonor

Thursday, May 17, 2007

Fragmentos dela, dele e às vezes dos outros (10)

“Lamento não tê-lo cativado”, disse ela ao fim de várias tentativas de chamar-lhe a atenção, pronta a desistir para sempre.

Ela era assim, de extremos. Amava ou odiava mas nunca ficando na indiferença. Ele tinha-se mostrado, logo de início, um ser pensante e isso sobressaltou-a, despertando-lhe o interesse.

“Cativou sim, sem espinhas”, disse ele, surpreendendo-a quando ela já não esperava mais nada.
Ela tinha pensado que não. Pensava sempre que quando a sua vontade não era satisfeita a culpa era dela, que os outros não tinham vida própria. O sol girava só para ela e o mundo à volta do seu umbigo.

Descobriram-se, falando daqueles que só falam do tempo ora solarengo ora molhado. “metereologistas”, disse ele. “metereologistas!?”, ela rira. Nunca tinha pensado isso daquelas pessoas que ouvindo uma expressão uma vez, aplicam-na, mesmo fora do contexto, a todas as situações que lhes surgem na frente. A frase feita da cultura.

Compunham quadros de palavras, começando um numa ponta, acabando outro noutra ponta. Pelo meio misturavam cores em realidades imaginárias, atingindo a isotopia.
Sabiam-se dotados naquele jogo.


da Leonor

Wednesday, May 09, 2007

Cinco fases de uma perda

Podem pensar que sou uma vaidosa. E pensam muito bem. Longe de mim, esconder-me em denegações freudianas, dizendo que não sou o que sou.

Assim sendo, não posso deixar de (ainda na continuação do Thinking Award Blog) dizer que além

do António do blog Eu sou Louco
da Lena do blog Cabana de Palavras
do Al do Poliedro
do Mocho do blog Mocho Falante

também a Isabel do blog Bom dia Isabel me deu mais uma honra ao nomear-me. Obrigado Isabel.

Fico contente de saber que o Ex Improviso se tornou querido.
----------------------------------------------------

O seguinte texto surgiu de um trabalho que tive de fazer num seminário de psicologia para explicar as cinco fases de um luto segundo Kubler Ross (negação; revolta; barganha; depressão e aceitação. Então era assim:


Depois de duas décadas de uma relaçao que ela julgava perfeita a vida dava-lhe aquela surpresa que, ainda por cima, ela julgava não merecê-la. Aquilo não podia estar a acontecer. Não. Decididamente não. Não com ela.

Aos poucos instalou-se a revolta. Nada do que ela tinha sido, nada do que ela tinha feito tinha merecido o menor valor. Houve momentos maus. Mas toda a gente tem momentos maus. E os bons? Para onde tinham ido? Era com esses que ela contava que pesassem na velhice dos dois, na construção de uma afinidade entre os dois.

Não aceitando a traição, tentou negociar a sua presença, saber até que ponto ainda era importante. Insistia nos momentos bons. Lembras-te quando……..? ele não cedia. Aos poucos ela perdia argumentos, entregava-se ao desalento. Aos poucos nem ela se lembrava já dos bons momentos. Era a mágoa dos maus momentos que ganhava o seu consciente e lhe tirava o sorriso.

Como aceitou? O tempo ajudou. Dias passando. Dias a passar. O tempo curou.
Um dia cortou o cabelo. Mudou-lhe a cor. Comprou outras roupas. Foi jantar fora. Numa mesa de dois lugares, enquanto o jantar pedido não vinha, entretinha-se a olhar, pela janela do restaurante as pessoas que passavam na rua. De tão absorta que estava não reparou num olhar da mesa mesmo ao lado da sua que, em vão, buscava o seu.

Ela tinha mudado de aspecto. De vida. Levaria tempo…… o tempo….. a mudar o resto.
da Leonor

Thursday, May 03, 2007

Fragmentos dela, dele e às vezes dos outros (9)



Hoje o meu post compõe-se de duas partes: a primeira com um prémio e a segunda com a continuação dos fragmentos.
O Daniel do blog Humores (http://aladiah.blogspot.com/) agraciou-me com este prémio criado por ele por eu "escrever como escrevo, por eu pensar como penso, por eu ser quem sou".
Obrigado Daniel pela consideração, pela lembrança e pelo trilho de escrita partilhado nesta coisa dos blogs.
__________________________________________________________


- Nah, não é destino, não é determinismo ... – disse ele.

- Nah! – disse ela. E contudo, com que certeza ela dizia que não se, desde sempre, entendia acaso e destino como duas vertentes da mesma moeda. Mas gostava de ouvi-lo e, por isso, não se opunha ao seu pensamento.

- Mas, está tudo bem, o que foi como foi. – continuou ele.

- Sim – disse ela, desejando muito mais do aquilo que foi.

- Poderia ter sido muito mais, mas não digo que deveria, porque não lamento o que não foi, mas foi o que foi. – gentilmente, ele encostou o copo de pé alto aos lábios e bebeu um pouco de vinho.

Ela dizia que sim com um vai vem de cabeça. Oh! Como ela lamentava o que não tinha sido.

- O tempo está por aí, e a qualquer momento, dá-se um pontapé numa pedra e logo se vê. – ele olhava-a nos olhos.

Ela pegou-lhe no copo e bebeu um gole daquele vinho tinto do Douro, atractivo e elegante – ele só bebia Esteva - devolvendo-o em seguida. Ficou a saborear o líquido na boca por uns instantes e só depois o engoliu.

Tinham abolido da sua relação o tempo que existe, o tempo que faz os dias e os meses, transformando-o em momentos que acontecem sem quando. Ela esperava.
da Leonor