Ex Improviso

Mínimo sou, mas quando ao Nada empresto a minha elementar realidade, o Nada é só o Resto. Reinaldo Ferreira

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Dizem que sou como o sol mas com nuvens como na Cornualha

Saturday, May 28, 2005

Pilar da ponte de tédio




Eu não sou eu, nem o outro
Sou qualquer coisa de intermédio,
Pilar da ponte de tédio,
Que vai de mim para o outro.


de Mário Sá Carneiro

Wednesday, May 25, 2005

Ovais Elípticas


Por vezes, quanto mais complicados são os conteúdos que eu dou na aula mais atentos os miúdos estão à sua explicação. Quando falo nos astros, nos cometas, na via láctea, por exemplo… gera-se um silêncio que até as moscas têm medo de quebrar, pelo que param de voar e prostam-se de chapa na parede mais próxima, confiando na gravidade.

Sempre que posso fujo à entrega da ficha. Por algumas razões.
A ficha é individual, obriga o aluno a projectar-se na solidão infinita da folha de desenhos e letras imponentes a exigirem:
- Lê-me.
- Pinta-me.

Se lhes der uma ficha, dou-lhes a papa feita e mastigada.
Por outro lado, não gosto de desperdiçar papel. Prefiro gastar giz. O dinheiro do estado guardado para a Educação.

Assim, têm de passar os desenhos do quadro para o papel. Ilustrar eles próprios cada peça do puzzle para que, todas passando pela ponta do lápis, todas fiquem nas pontas dos neurónios.

E depois gosto que olhem para mim à medida que eu falo, admirem a minha fraca habilidade para desenhar ovais elípticas perfeitas, planetas de vários tamanhos, rodas tortas a tentarem compor um sistema solar, e no fim digam:
- A professora desenha tão bem!!!!

E, descaradamente, o meu ego cresce à conta de uma coisa tão bela que é a ingenuidade dos meus alunos.

Hoje – digo eu - sabe-se que os planetas giram à volta do sol num movimento de translação, de oeste para leste… mas antigamente, há muitos, muitos anos os homens pensavam diferente - (lembro-me de Ortega Y Gasset “quando ensinares, ensina também a duvidar daquilo que ensinas”) - os homens pensavam que era o sol que girava à volta da terra… mas um homem chamado Galileu Galilei veio mostrar que não era assim…

Falas de Galileu? Falo.

Os meus alunos são pequenos? Sem dúvida que o são.
Mas se ouvem falar do Castelo Branco da Quinta das Celebridades também podem ouvir falar do Galileu. Cabe-me a mim saber como apresentá-lo.

Os meus alunos são pequenos? São. Claro que são.
Mais uma razão para lhes falar de Galileu…só do que inventou…
... pois…o que ele disse, o que ele tentou provar, a revolução que veio provocar na humanidade por mostrar que não estávamos sozinhos no universo e que assim poderíamos não ser os preferidos de Deus, levando Darwin à sua evolução das espécies, Descartes a duvidar de tudo e de mais alguma coisa, sobretudo de si próprio, Kant a colocar toda a responsabilidade de uma acção nele próprio porque Deus deixa de ser o grande bode expiatório do seu comportamento, … terei eu de entender melhor.

Leonor

Monday, May 23, 2005

Aqueduto das Águas Livres

Dia 22 de Maio, Domingo, visitei o Aqueduto das Águas Livres numa visita guiada que começou em Odivelas e acabou em Campolide. A visita durou cinco horas.
O percurso faz parte do programa turístico Viagens na Minha Terra (mas não de Almeida Garret) realizado pelo gabinete de Turismo da Câmara Municipal de Odivelas.

É uma obra arquitectónica fascinante cuja construção, prevista para durar seis anos demorou cento e dois (desde 1732 até 1834, tendo assim, a marca de três monarcas: D. João V, D. José – ou melhor, Marquês de Pombal – e D. João VI).

Seja como for, o aqueduto atravessa Lisboa numa extensão de 58 km. Usava a àgua de sessenta nascentes unicamente com a lei da gravidade. Insiro aqui um pequeno aparte: a lei da gravidade foi sempre a única lei que deveras se cumpriu neste país de improviso.

Sabiam que o projecto do Aqueduto já vinha desde D. Sebastião? Sim, sim! Aquele fedelho, enfermo no corpo e no espírito, feito rei aos catorze anos que, ousado até aos limites da loucura, desembarcou em Arzila, juntamente com mais quinze mil infantes para se perderem no nevoeiro até hoje.



O D. Sebastião foi para Alcácer-Quibir
de lança na mão a investir a investir
com o cavalo atulhado de livros de história
e guitarras de fado para cantar vitória

O D. Sebastião já tinha hipotecado
toda a nação por dez reis de mel coado
para comprar soldados lanças armaduras
para comprar o "V" das vitórias futuras

O D. Sebastião era um belo pedante
foi mandar vir para uma terra distante
pôs-se a discursar: isto aqui é só meu
vamos lá trabalhar que quem manda sou eu

Mas o mouro é que conhecia o deserto
de trás para diante e de longe e de perto
o mouro é que sabia que o deserto queima e abrasa
o mouro é que jogava em casa

E o D. Sebastião levou tantas na pinha
que ao voltar cá (aí) encontrou a vizinha
espanhola sentada na cama deitada no trono
e o país mudado de dono

E o D. Sebastião acabou na moirama
um bebé chorão sem regaço nem mama
a beber a contar tim por tim tim
a explicar a morrer sim mas devagar

E apanhou tal dose do tal nevoeiro
que a tuberculose o mandou para o galheiro
fez-se um funeral com princesas e reis
e etcetera e tal, Viva Portugal

(de Sérgio Godinho em "Os Demónios de Alcácer Quibir")


E aqui vão as fotografias da visita ao Aqueduto.




A rainha Santa Isabel que – não me canso de dizer isto - segundo Agostinho da Silva mereceu o nome de santa só por ter aturado D. Dinis.


Santa Isabel de Coimbra
Rezando junto ao Mondego
Ao povo deste o teu pão
Milagre sempre em segredo.
Santa Isabel Rainha
Na rua indo a passear
Não era El-Rei que cantava
Mas seu coração a chorar
Minha Santa Isabel
Com rosas no vental
Teu manto escondia a paz
Santa de Portugal.
(poema de Eduardo Aroso)


O Aqueduto começa aqui.








Nos subterrâneos por onde passava a água. Aqui vou eu de mochila às costas. O fotógrafo foi o meu marido.




Situados ao longo das extensas galerias que se assemelham mais a alas de um convento do que propriamente a condutas de água surgem respiradouros, oferecendo um espectáculo natural de luz minimalista ou não estivéssemos nós, na época, na pista do Barroco.




Eu e a Leonilde a passear nos famosos trinta e cinco arcos de ogiva quebrada em Campolide. Eu sou aquela de camisola rosa.



A estrada vista da varanda do Aqueduto. Era daqui que o grande bandido Diogo Alves fazia voar algumas pessoas, depois de assaltá-las com a ajuda de mais quatro elementos tão bons como ele.




A mãe de água em Campolide






O grande responsável por grande parte da obra



No terramoto de 1755 que atingiu Lisboa, os famosos 35 arcos do Aqueduto sobreviveram sem uma beliscadura por uma unha negra. Situados na junção de duas placas do Cretácio Superior ficam muito perto de uma falha sísmica, a de Campo de Ourique. Por isso se diz que quando alguma coisa escapou por milagre “foi rés vés, Campo de Ourique”.


No fim da visita eu estava cansada. Descontraí-me com a esperança vã destes pombos a quererem entrar os dois em simultâneo no buraco da árvore.





E foi assim a visita. Aprendi que me fartei.


Leonor

Friday, May 20, 2005

Talentos

Todos nós temos talentos.
Alguns estão escondidos.
Outros estão bem à mostra de toda a gente.
Alguns continuam a escondê-los.
Por vezes,
alguns também não sabem que os têm.
Ou então,
julgam que os seus talentos são tão banais
que não vale a pena mostrá-los.
Outros sabem quais são os seus talentos.
Felizmente que os mostram.
Para ver trabalhos feitos com areia
Cliquem AQUI

Tuesday, May 17, 2005

A lâmpada de Aladin




Sempre que leio uma história aos meus alunos procuro ter o objecto mágico à mão a fim de exercer maior influência sobre os seus sentidos. A vista do objecto mágico assegura o vai vem entre a ponta da realidade e a ponta do sonho.

Se não tiver o objecto da história em questão, um que faça parte da história, também serve. Uma varinha de condão, um chapéu de bruxa, uma tiara…

Hoje vou contar a história de Aladin e a lâmpada maravilhosa. Entro na sala. Boa tarde meninos. Mal coloco a pasta na cadeira da professora, a invasão do costume com as bisbilhotices do momento e os cadernos abertos na folha do trabalho de casa.

Lá se sentam. Lá se acalmam. Tiro da mala uma lâmpada em casquinha ou coisa parecida e coloco-a em cima da secretária junto de um pano com cornucópias a lembrar as arábias. Ao verem a lâmpada esperam pela novidade.
À força de contar a história tantas vezes já a conto olhos meus nos olhos deles. É outra maneira de cativar a audiência.

Se eu tivesse uma lâmpada cheia de um génio que me fizesse as vontades juro que seria moderada nos meus pedidos. Não faria mais do que um por dia o que me obrigaria a fazer uma lista de prioridades a fim de fazer boas escolhas e ver o que seria mais importante e tal…

Então, o que vocês pediriam se tivessem o génio ao vosso dispor? – pergunto. Uma playstation.- respondem.
Todos querem uma playstation.
- Olhem, digo eu, isso já pediram ao Pai Natal.

Mas o Pai Natal, pelos vistos, ou não encontrou a playstation, ou não sabia o que era, ou simplesmente lançou o pedido ao vento. Agora tentavam o brinquedo com o génio da lâmpada, quem sabe….

De repente, um dedo no ar.
- Diz, diz…
- Professora… como é que o génio come e dorme aí dentro?

Ouço uma campainha na minha cabeça. Vejo-os a saírem desalmadamente pela porta fora. Afinal a campainha é o toque para o intervalo. E eu penso "save by the bell". Contudo, ele voltaria à carga. Mas eu tenho meia hora para pensar na rotina diária do génio no interior da lâmpada.

Leonor

Saturday, May 14, 2005

Bolero ... de Ravel

Bolero... de Ravel



Cliquem Aqui para ouvir

Thursday, May 12, 2005

Maio, Maduro Maio



Maio maduro Maio
Quem te pintou
Quem te quebrou o encanto
Nunca te amou
Raiava o Sol já no Sul
E uma falua vinha
Lá de Istambul
Sempre depois da sesta
Chamando as flores
Era o dia da festa
Maio de amores
Era o dia de cantar
E uma falua andava
Ao longe a vararMaio com meu amigo
Quem dera já
Sempre depois do trigo
Se cantará
Qu'importa a fúria do mar
Que a voz não te esmoreça
Vamos lutar
Numa rua comprida
El-rei pastor
Vende o soro da vida
Que mata a dor
Venham ver, Maio nasceu
Que a voz não te esmoreça
A turba rompeu


de Zeca Afonso

Sunday, May 08, 2005

O Grande Mudo do Universo



Aproxima-se o dia 13 de Maio, dia consagrado por Portugal às supostas aparições de Nossa Senhora aos três pastorinhos de Fátima, Lúcia, Jacinta e Francisco e eu aproveito a ocasião, não para discutir tal assunto, mas para falar do grande mudo do Universo. Ou seja, a perder-me com burocracias intermediárias quero falar com o presidente, faz favor.

Tal como a maior parte das coisas em Filosofia, a filosofia da religião é muito melhor como uma actividade destrutiva do que como uma actividade construtiva. Não obstante, a pergunta “O que é que não sabemos?” está mais do lado do saber do que do lado da ignorância. Mais fácil seria perguntar “O que sabemos?” ao que responderíamos “Nós sabemos cada vez mais”. E ponto final!

A aceleração da história é uma aceleração do saber. Desde o Paleolítico até aos dias de hoje, o que mudou foi o saber. Contudo, o que cresce em conhecimento também cresce em desconhecimento. Simultaneamente, ganhamos e perdemos a luta pelo saber porque há coisas que ainda não sabemos e que nunca viremos a saber. Há, portanto, e já que estou a vaguear pelos sumários da filosofia, uma ignorância por acidente e uma ignorância por essência.

Por outras palavras, sabemos o que existe dentro do espaço e do tempo mas não o que está à volta dele. Nada sabemos, por exemplo, sobre aquilo a que podemos chamar Deus.

Deus, o todo da trindade omni – presente, ciente e potente – o grande ubíquo, é também o grande invisível e intangível, aquele de que nada se sabe e nada se pode saber, permanecendo teimosamente calado. No entanto, Ele é o único a tudo saber.

Podemos fazer desaparecer o problema dizendo que não sabemos nada de Deus porque não há nada para saber. E do nada, nada se pode saber porque o nada não existe. Todavia, a nossa natureza indagatória não se satisfaz com a possibilidade demasiado simplista, quase leviana, e consideramos:
“Se deus é, ele organizou-se extraordinariamente para que tudo aconteça, como se ele não existisse e sem que dele nada possamos saber a não ser adivinhado pelos seus fenómenos."


Lactâncio, forneceu uma bela e elegante versão formal, não propriamente acerca da existência ou não existência de Deus, mas acerca do problema do mal… assim dado que o mal existe e tendo em conta os supostos atributos de Deus:

1) Deus sabe o que se passa, preocupa-se com isso, mas não pode fazer nada, ou
2) Preocupar-se-ia com isso, poderia fazer alguma coisa, mas não sabe o que se passa, ou
3) Sabe o que se passa e poderia fazer qualquer coisa, mas está-se nas tintas.
Leonor

Friday, May 06, 2005

Pensar o Corpo



Pensar o Corpo
(de Vergílio Ferreira in Pensar)


Pensar um corpo. A inserção nele do espírito que nele se incendeia. Pensar no "eu" que o personaliza na separação dos dois à hora da desintegração. Somos o espírito como a luz é o que arde. Mas ela existe só por isso no acto de iluninar e não é o petróleo ou o fósforo que se acendeu. Com o corpo apaga-se o que nele se iluminou. Penso o corpo nos resto de si, no escárnio do que foi, mesmo em grandeza. Penso no homem que fica a sós com ele quando o estrume dele tem a su vez e vem ao de cima. Haverá glória em o iludir na iluminação que é sua? Mas é essa iluminação que me interessa e não o petróleo que cheira mal.Ir dar à bifurcação com um caminho para o fulgor e outro para estrumeira. A historia do homem está antes do lixo. Mas porque não nos reconhecermos humanos num corpo a apodrecer? Na solidão de um "eu", na carcaça da sua miséria? Num entendimento de um final a sós com ele? Ao fim de uma vida um corpo está cheio de sinais do que lhe aconteceu, do que em cada dia lhe põe a marca de uma presença - dos móveis em que toca, do que veste e calça, do que traz nas algibeiras... O ultimo inquilino de um corpo é o "eu" em que ele é. A perfeição de uma vida deve ser um mútuo entendimento.


Tuesday, May 03, 2005

Atrás das Grades




A visita anual ao jardim zoológico é quase obrigatória nas escolas do 1º ciclo. O jardim é um lugar fabuloso para as crianças. É a possibilidade de verem ao vivo e a cores os animais selvagens que vêem nos livros e na televisão que de outra maneira não poderiam ver.
Daí que além de lúdica a visita também é pedagógica e adquire um carácter ritualista: a criança que vai lá pela segunda vez gosta de mostrar aos colegas que nunca lá foram certos passos que já conhecem.

Visitas de estudo com os miúdos de Chelas podem surgir como desmotivantes para os professores na medida em que se eles têm dificuldades em saber estar numa sala de aula mais transtornos darão em espaço aberto fora da escola.
Todavia, a novidade do mundo pouco acessível, para além da rua que os leva de casa à escola e da escola a casa, coloca-os em estado de êxtase. Em fila de dois a dois caminham, olhando para todos os lados para não perderem pitada. È a saída da Caverna que Platão descreve na sua Alegoria. Dilatam-se os horizontes.

Vemos os Leões marinhos. Deliramos com os golfinhos. Gostamos tanto deles que queremos trazer um para a sala de aula. na impossibilidade desenhamo-lo, deixa lá. Depois a visita continua. Elefantes, leões rinocerontes. E os tigres… e os chimpanzés… nas jaulas. Exíguos, diminutos, escassos compartimentos de azulejo branco, rachado e debotado pelo tempo. No meio da gaiola um tronco ou um pneu, conforme as necessidades do animal a fim de lhes dar um cheirinho a selva.

Não é preciso chamar a atenção dos miúdos com palavras para as condições do cárcere. Percebem-nas no meu silêncio e no meu olhar de rejeição. E os miúdos de Chelas, famosos pela sua violência verbal e física, estigmatizados por serem de Chelas, condoem-se com os bichos atrás das grades.

No dia seguinte, desenham o animal que mais gostaram de ver. Assomam-se nas folhas brancas golfinhos, girafas, e aquele chimpanzé triste, apertado no meio de paredes, que a professora fotografou.


Leonor

Sunday, May 01, 2005

Neste dia da Mãe




O que os passarinhos dizem


Que é que dizem mãezinha,
Os alegres passarinhos
Quando estão a chilrear,
Na sua doce vozinha?

- Estão a chamar os filhinhos,
a ensiná-los a voar.
Dizem-lhes coisas bonitas,
dão-lhes conselhos amigos
meigos carinhos de mãe,
nessas lindas palavritas
que falam as avezitas
e que elas entendem bem.

E então, quando algum menino
Lhes rouba os lindos filhitos
Dos seus berços animados…
É um choro, um desatino.
Parece até que dão gritos,
Nos pios desesperados.

Mas, se levam uns grãozitos
Aos seus meninos bonitos,
Que alegria no cantar!
- Vinde cá, lindos filhinhos,
Abri os vossos biquinhos,
Que vamos todos jantar!
E cantam, cantam tão bem,
Como só sabe cantar
Quem tem meninos e é mãe.


(quanto ao autor desta poesia quase que juro que é de Lopes Vieira, mas confesso que não a certeza)