Cartas de Amor
Desenho feito por um dos meus alunos.
Desta vez não o trabalhei no paint para lhe dar mais cor.
Decidi respeitar o original
Na escola primária, a partir do 2º ano, já circulam pelos alunos os bilhetinhos de amor. Quando vejo algum a atravessar a sala de lés a lés, passando de mão em mão – os cúmplices – tento apanhá-lo, muito sorrateiramente.
Há-os lindos, desde os mais perifrásticos até aos de pergunta americana com um quadradinho à frente para colocar uma cruz a dizer sim ou não à inevitável pergunta: queres namorar comigo?
Levo o bilhete para a sala de professores. mostro-o a todas as colegas. Rimos, gracejamos numa festa ruidosa e alegre, aprovando satisfeitas: os afectos funcionam.
Apago os nomes do bilhete para não comprometer ninguém. Fotocopio-o e entrego-o a todos os alunos da sala. Riem. À excepção do remetente e do destinatário que reconhecem o manuscrito mas que depressa percebem a minha discrição selada num segredo.
Lemos o texto. Corrigimos a ortografia. E já agora vemos qual a melhor pontuação a ser usada a fim de despoletar melhor as emoções. Decoramos a folha com cupidos de sorriso matreiro armados de arco e flecha e corações trespassados por setas a pingar gotas de sangue vermelho vivo de amores sofridos.
Trabalho a língua portuguesa e a expressão plástica a partir de experiências vivenciais dos alunos. Fico com a sensação de ter cumprido o meu dever.
Confesso a minha maldade.
Todas as Cartas de Amor são Ridículas
Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)
de Álvaro de Campos