Ex Improviso

Mínimo sou, mas quando ao Nada empresto a minha elementar realidade, o Nada é só o Resto. Reinaldo Ferreira

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Dizem que sou como o sol mas com nuvens como na Cornualha

Wednesday, November 23, 2005

"No fim ficaram três coisas"



Vocês, amigos que visitam a Leonoreta, não me conhecem mas eu apresento-me: sou a Ana.

Hoje sou eu que venho aqui publicar um post. É assim que se diz? Um post? Porque eu não sei nada destas coisas de blogs. Foi ela que me meteu nisto. Aliás, é sempre ela que me mete em apuros.

-Ó Ana, escreve lá qualquer coisa e publica lá, se fazes favor. – ordenou-me ela. O “se fazes favor” é enfeite do imperativo, não tem nada a ver com pedido.

- Mas queres que eu escreva o quê?

- Qualquer coisa. Estou sem tempo. É só para não deixar morrer o blog.

Diz que está sem tempo. A Ana Joana tem razão quando diz que ela é a maior batoteira que existe porque se batoteia a ela própria.

Conheço a Leonoreta há muito tempo. Desde sempre, acho eu. Desde que nos começámos a formar como gente. Somos muito diferentes, eu e ela. É como se ela fosse a lua e eu o seu lado escuro. Não passamos uma sem a outra. Ou melhor, eu não passo sem ela. Ela passa sem mim perfeitamente.

Ultimamente não temos falado muito. Ela agora anda para cima e para baixo a fazer kilómetros. Se ela os contabilizasse veria que ao fim de um ano teria dado a volta ao mundo três vezes. Ela detesta as viagens. Comprou um aparelho de MP3 para esquecer doze horas por semana gastas na estrada, ouvindo Magna Carta, Renaissance e outros, ao mesmo tempo que o seu olhar fixo em riscos brancos contínuos e descontínuos a levam e a trazem num estado de alienação. À semelhança da lanterna que procura ficheiros no computador a sua memória procura no tempo onde bateu asas, voou no espaço e a seguir caiu a pique no chão.

Mas a sua espontaneidade excêntrica de espírito selvagem fá-la dizer “tudo bem, é o que tem de ser e o que tem de ser tem muita força”. Acredita na reencarnação. Que tudo tem uma razão de ser. Que está na vida para uma missão impossível. Mas depois, lê Sartre e Malraux e fica com dúvidas.

E agora quer que eu escreva. Eu, que só escrevo listas de compras. Mas agora ela não tem tempo. Não tem tempo... ou então... anda lá por cima, nas nuvens como é costume.



E como não tenho jeito para escrever aqui publico um pequeno trecho de O Encontro Marcado de Fernando Tavares Sabino, escritor e jornalista brasileiro.

"De tudo, ficaram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um caminho novo. Fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sono uma ponte, da procura um encontro".


da Ana

Saturday, November 19, 2005

As Sombras da Caverna




Um dia a Colibri mandou-me esta imagem.

(Obrigado Colibri)



A “Alegoria da Caverna” foi um dos primeiros textos que eu li nas aulas de filosofia do antigo 7º ano do então chamado Curso Geral, que hoje corresponde ao 11º ano. Na altura já achei o texto fascinante mas confesso que, devido à minha pouca experiência de vida, logicamente, não o entendi como o entendo agora. De qualquer modo, ficou o gosto por querer saber mais e, sobretudo, querer sempre respostas para as minhas questões.

A Caverna de Platão constitui uma das mais encantadoras metáforas da cultura ocidental sobre a educação. Os prisioneiros da Caverna retratam a condição humana face ao conhecimento, isto é, segundo Platão o homem nasce escravo da sua ignorância e, se não tiver ninguém que o ajude, não toma consciência dela.

Nesse estado de escravatura, as pessoas têm uma forma limitada de olhar o mundo. Apesar disso, pensam que o compreendem. A maioria, sente-se tão confortável no seu estado de ignorância que se recusa a mudar.

À medida que os prisioneiros da Caverna são levados a ver o mundo fora dela vão percebendo a existência da “luz”. Libertados, ficam confusos com tanta “claridade”. Querendo regressar à sua condição anterior, já não podem porque se tornaram conscientes do mundo circundante.

Para Platão, educar é liberdade porque a educação liberta-nos da ignorância. Educar é a arte de motivar para aprender. É dar os meios, estar presente no percurso para que a pessoa possa encontrar o caminho. É um processo lento que expõe a pessoa à verdade.

Perante tudo o que foi dito, e aproveitando a deixa para concluir, podemos perguntar então, o que se entende por educação em Portugal, quando os sucessivos Ministérios que cuidam dela, apresentam tão fracas condições para que o ensino/aprendizagem se cumpra.

Ou, não estarão os nossos governos interessados em libertar prisioneiros da sua Caverna, em formar pessoas conscientes do seu mundo?

De facto, escravos da nossa ignorância, tornamo-nos súbditos de meia dúzia “iluminados”.
Nesse caso, está tudo bem e perdoem-me, as inteligentia, se um dia tive o azar de me encandear com a luz de Platão e agora querer respostas a que não tenho direito.


da Leonor

Tuesday, November 15, 2005

Andei perdida no deserto e o Porto aqui tão perto



Telefonei à Elsa.

- Olha, sexta feira vais para baixo?
- Não, mas levo-te ao Porto se quiseres. Lá apanhas o comboio.
- O comboio?

Habitualmente vou de camioneta para Lisboa quando não vou de boleia de carro com a Elsa.

- Está bem, disse eu. Por acaso tenho um que sai às 17 e cinquenta.

Eu já tinha andado a ver todas as possibilidades de transporte de ida e volta à terra. Agora já posso dizer que vou à terra como as pessoas que moram em Lisboa mas que não são de lá. Têm uma terra. Há anos que eu não andava de comboio.

- Eu apanho-te às dez para as cinco. - disse a Elsa.
- Achas que dá? perguntei não conseguindo disfarçar o meu receio de ficar em terra.
- Então não dá?


Na estação de Campanhã, perdi o comboio. Não por ter chegado atrasada mas por já estar lotado. Tinha de ter feito reserva dias antes. Comprei bilhete para o comboio seguinte. A Elsa levou-me à linha em questão, não fosse eu apanhar o comboio para Bragança, e despediu-se.

Olhei para o relógio. Faltava uma hora para partir. Esperar é uma virtude, quem espera sempre alcança mas quem espera desespera. Peguei na minha mala preta, pequenina e gorda e rolei-a pela estação.

Depois de gasto o tempo a vasculhar o espaço a pente fino voltei ao sítio do embarque. No interior da carruagem outro contratempo me esperava. Tive de ser eu a colocar a mala, preta, pequenina mas gorda e, portanto pesada, na prateleira que ficava, no mínimo, meio metro acima da minha cabeça. Medi diversas vezes o esforço que eu iria fazer e os resultados que poderia daí obter. Pensei em pedir ajuda.

Mas, carago Leonor, no norte tens que ser uma mulher do norte. Peguei na mala. Senti-lhe o peso. Concentrei-me no balanço, no grito de Hércules (caso fosse necessário), e oooops! De uma assentada arrumei a mala na prateleira. Até que foi fácil.

Dêem-me um ponto de apoio e moverei o mundo, disse Arquimedes. O pior vai ser tirá-la. É que a gravidade é uma coisa nuito séria sendo para mim a única "verdade verdadeira". E embora Newton tivesse simplificado a teoria nestes termos:

F=(M1xM2x0000000000667/D²)
Onde:
F=força
M1=massa do primeiro objeto em questão
M2=massa do segundo objeto em questão
0,0000000000667=G, a constante gravitacional,

se usarmos a massa em quilogramas, a força em newtons, e a distância em metros temos de ter sempre muito cuidado com o que nos cai em cima da cabeça.

Sentei-me com o portátil ao meu colo a servir de mesa. Caderno a postos, caneta em riste, comecei a escrita deste post. Tentar que as letras saíssem mais ou menos direitas no papel devido às curvas deitadas do comboio foi uma experiência inovadora. De vez em quando um risco enorme atravessava a folha na direcção menos esperada. Para mim, evidentemente. Para as leis da física nada é aleatório.

A viagem lá continuou no seu andamento monótono pouca terra pouca terra e por fim terminou.



Como eu tinha imaginado, tirar a mala da prateleira exigia uma estratégia diferente da primeira. Colocar pede balanço. Tirar quer perícia. Alcei os braços na direcção da mala, consciente de uma nefasta catástrofe, mas eis senão quando, sem que eu lhe chegasse a tocar, a vejo mover-se, formosa e segura, da prateleira ao chão.

Foi o meu anjo, invísivel, silencioso, e às vezes atento, que deslizou súbito daquela dimensão etérea de cor azulada, onde se diverte a fazer loopings quando eu adormeço, e se fez matéria nesta, poupando-me aquele esforço.


da Leonor


NOTA:
- A cábula da teoria de Newton retirei-a algures da Net.
- As fotos, como sempre, são do VP, que matava os minutos de espera, na estação do Oriente, em Lisboa, ora com "flashadas" Nikon ora com "flashadas" Canon.

Wednesday, November 09, 2005

Tenho cinco pintainhos



Tenho uma turma de 23 alunos. 18 do 3º ano e 5 do 1º prontinhos a começar. Uns fizeram seis anos há poucos meses. Outros irão fazê-los agora em Dezembro. São cinco pintainhos. Uns esfarrapam-se a trabalhar. Outros esfarrapam-se a brincar.

Não é a primeira vez que tenho vários níveis na turma. Mas é a primeira vez que tenho o 1º ano assim tão pequeno a iniciar a aventura das letras.

Entre a correria do 3º ano que me diz constantemente “já fiz” e um 1º ano que agarra a minha camisola perguntando a cada letra que desenha no caderno “é assim?”, por vezes abstraio-me só num deles, esquecendo o outro completamente.

E foi num desses esquecimentos que eu não vi a Márcia a pintar as unhas.

A Márcia é um dos cinco pintainhos que se esfarrapa a trabalhar, juntamente com o Luís. Bem juntos à minha secretária ouço-lhes as conversas em surdina. Falam do campo, da catequese, do senhor padre, da mãe, dos patinhos que nasceram. Muito conscientes do seu dever trabalham enquanto conversam.

O Luís, uma vez por outra leva uma bola vermelha no caderno. A última foi por ter andado a correr atrás da Catarina, linda de morrer, juntamente com os colegas mais velhos da turma para lhe dar beijinhos na boca, segundo as queixas das meninas. Muito honestamente, levantou o braço quando perguntei pelos nomes dos perseguidores.

- Não acha que ainda é muito pequeno para olhar para a Catarina? – perguntei com um ar muito sério, treinado para impor respeito. Ninguém desconfia que me estou a rir.

- Não volto a fazer. - disse ele, de expressão solene.

Mas a Márcia tem levado sempre bola verde. Nem uma amarela consta do seu cadastro. Alertada por um dos rapazes mais crescidos, acordei para me dividir novamente entre duas classes. Tirei das mãos da menina o frasco do verniz e guardei-o na gaveta da minha secretária. Gritei-lhe uma bola vermelha e nada de intervalo no dia a seguir.

Retornei às leituras do 3º ano. Encostada ao meio do quadro vigiava, defraudada, os mais pequenos. A Márcia parou de trabalhar. De cabeça apoiada numa mão, triste, de pensamento lá longe, quebrava uma das regras da sala de aula: riscava a mesa com o lápis.

O Luís, muito carinhoso, consolava a amiga que partilhava com ele desabafos telúricos. “Oh Márcia, eu já lebei um bermeilho, bô pedir à professora para amanhã ficar aqui no interbalo contigo”. A Márcia continuava a riscar a mesa, aumentando os riscos à medida da sua tristeza.

Dirigi-me à minha secretária e de lá chamei a Márcia para conversar sobre a bola vermelha. Ao meu apelo, escondeu os olhos nas mãos em concha, começando um choro compulsivo.

Entre lágrimas espessas, baba e ranho, contou que não podia levar bola vermelha porque senão não ia ao casamento.
- Qual casamento?
- … o casamento de uma mulher, balbuciou no meio de um milhar, duas centenas e sete soluços.

Ai a minha vida. O que é que eu faço agora? Se eu tiro a bola… mas se eu não a tiro…

- Vamos tirar a bola do caderno. Mas o castigo mantém-se. - disse eu.

Ela tinha feito uma grande bola vermelha no topo do caderno. “safando” não saia. De modo que tive de cortar o bocado de papel com a tesoura. Ao lado do papel cortado ficou uma verde, esfarelada de água salgada.

Já quase no fim da aula, mandei arrumar o 1º ano enquanto o 3º acabava a cópia. E à espera do toque fui conversando com os pintainhos. A Márcia já ria e contava-me dos campos que tinha, das estufas de cebolas e de alfaces. Aquela gente cultivava os legumes que eu compro embalados no supermercado e que eu penso que nascem nas prateleiras.

- Professora, tenho um espantalho. Tem uns olhos assim. – fez uma argola com o indicador e o polegar e colocou nos olhos dela.

Não contive as gargalhadas de contentamento por alguém me dizer que tinha um espantalho. Não um bonequinho de pelúcia, ou um bibelot de barro, mas um espantalho “de carne e osso”.

No dia seguinte, peguei n' O Feiticeiro de Oz. Vamos lá dar vida a esse espantalho.


da Leonor


Saturday, November 05, 2005

Why are you growin' up so fast?

1979



Why are you growin' up so fast
My boy?

Oh, you'd better take your time.
Why are you growin' up so fast
My son?

Almost time to live your dream
My boy.

Oh, you'd better take your time.
Almost time to make some plans
My son.


1984


Vacation gone, school is out,
Summer ends year in year out.

Oh, you'd better take your time
My boy.


1988



I thought we had just begun.
Why are you growin' up so fast
My son?

Vacation gone, school is out,
Summer ends year in year out.


1990



My boy?
Why are you growin' up so fast
My son?


2004
(Música e letra de Neil Young)