Ex Improviso

Mínimo sou, mas quando ao Nada empresto a minha elementar realidade, o Nada é só o Resto. Reinaldo Ferreira

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Location: Lisboa, Portugal

Dizem que sou como o sol mas com nuvens como na Cornualha

Monday, October 31, 2005

A Intrusa



Foto tirada por mim num dos muros de Setúbal



Era a primeira vez em dois meses que ele conseguia sentar-se no melhor lugar do miradouro da cidade, seu de há tantos anos que até já perdera a conta.

No início, quando chegou àquelas paragens, experimentou todos lugares, até que, finalmente, encontrou aquele canto soberbo, abrigado do vento e dos casalinhos que vinham para ali namorar e que só o incomodavam com risinhos idiotas.

Daquele canto via todas as ruas da cidade e todos os cantos do cais onde sempre havia grande azáfama de barcos, homens, mulheres e caixas de peixe. Porém, de há um tempo para cá, ele encontrava o seu lugar, seu de há tantos anos, ocupado por outrem.
Contrariado, sentava-se noutro lugar e, de vez em quando, com os seus olhos verdes, olhava aquele ser de lado, com um misto de curiosidade e de rancor, tentando perceber quem, e porque, lhe roubava o lugar, seu de há tantos anos.
Também ela se esquivava ao contacto com os outros. Solitária, triste, distraía o seu olhar pelo cais, ao fundo. Também ela parecia nova por aquelas bandas, tal como ele fora um dia.

Farto do seu meio pequeno, infestado por tantos iguais a ele, procurou novos rumos, até que, parou por ali, onde não conhecia ninguém e nem queria conhecer. Só o miradouro e o cais lhe bastavam para encher-lhe a alma e os dias.

Estava assim absorto nos seus pensamentos a olhar para o vazio, quando sentiu uma presença ao seu lado a exigir-lhe um lugar que era julgava seu. Assustou-se! Os seus olhos verdes enfrentaram outros olhos verdes. Encurvou o lombo e o seu pêlo eriçou-se e, disposto a lutar por aquilo que era seu, respondeu-lhe:


- Miau!



da Leonor
(

Pois é! De vez em quando quando não é a imaginação que falta para escrever é o tempo que não chega. E então lá vamos nós à gaveta... e descobri este texto singelo, naif... ora Leonoreta, põe esse mesmo)

Thursday, October 27, 2005

Antropomorfose? Não. Manias!



O homem pensa e cria tudo à sua imagem. Antropomorfose? Não! Manias!
Senão vejamos…

Antropomorfose, quanto à etimologia significa aquisição da figura humana. Mania, significa loucura. O dicionário de psicologia reforça a ideia deste último vocábulo: comportamento excêntrico.

Lembremo-nos de extraterrestres, supostos habitantes de um planeta exterior à terra.
Pensamos neles pequenos, verdes ou cinzentos, de cabeça grande, duas pernas, dois braços, dois olhos, falando por sons articulados, como nós. (Só quando estamos mais inspirados fazemo-los ciclopes, quatro braços, três pêlos no alto da cabeça.)
Porquê? Porque existem homens brancos, amarelos e negros com todos os apetrechos já apontados. Antropomorfose? Sim! Talvez….

Do mesmo modo, criamos e pensamos à nossa imagem as máquinas que nos facilitam a vida para menos tempo trabalharmos e para mais tempo brincarmos.
Hal, o computador de 2010 Odisseia no Espaço é quase uma pessoa, não tem todos os requisitos do processo de hominização, não anda de pé (nem sequer anda), não tem o polegar oponente, mas fala. E pensa.
E há ainda o C-3PO, o andróide da Guerra das Estrelas, tradutor dos diversos dialectos da galáxia e citador de Shakespeare que bastante jeito me fazia lá em casa nas tarefas domésticas.

Antropomorfose? Não! Mania.

Eu explico o meu ponto de vista. No primeiro caso somos levados a um antropomorfismo porque tal como nós, os extraterrestres são seres vivos e, supostamente, pensam e sentem. No segundo caso, será mania, na medida em que as máquinas deixam muito a desejar como seres humanos, tanto no aspecto físico como no intelectual.

Mas é por causa dessa mania que eu falo com as máquinas. E exijo que dêem o máximo de si. Porque as penso como eu. Falo com a televisão, com o rádio, com o computador e levo a mal quando não levo resposta. Resposta falada, claro.

Outro dia, primeiras horas de uma segunda feira a começar a semana dirigi-me a uma máquina de Multibanco a fim de pagar umas contas. Passo o cartão na ranhura e a porta abre-se dando-me acesso ao cubículo interior da instituição bancária. Insiro o mesmo cartão na máquina e ela diz-me bom dia, desbobinando a seguir uma publicidade qualquer. Poderia retribuir-lhe o bom dia, mas concentrada nos números das quantias não lhe respondo.

Pago uma conta, duas contas, três contas, actualizo a caderneta… quando dou um salto para trás com o berro que a má quina me dá:
- Ainda demora muito? – disse ela.

Depois do calafrio que me deixou gelada e petrificada comecei a recuperar do choque, quando reconheci a voz de um dos empregados do banco no repetido grito alto e áspero:
- Ainda demora muito? - repetiu e acrescentando - Tenho que actualizar a máquina.

A possibilidade de passar da ficção á realidade assustou-me pois nesta eu controlo menos os acontecimentos. Fiquei contente por, afinal, o meu computador não me retribuir os insultos que eu lhe dou quando, na sua vontade própria não me obedece.


da Leonor

Sunday, October 23, 2005

Embaladas pelo Vento





Reflexos de Outono (de Washington Maguetas)



As regras são necessárias ao andamento da vida. Mas se por um lado são necessárias por outro são aborrecidas quando instaladas na rotina. Ainda bem que toda a regra tem excepção. Para fugir à tal rotina de vez em quando.

Não gosto de ensinar gramática. Digo… a regra explícita: isto é assim porque é assim. Deste modo, dispenso a maçada de leccionar o tratado das leis que regem a língua materna, partindo sempre de frases feitas pelos miúdos para tornar a tarefa mais atraente tanto para mim como para eles.

Depois de termos falado das folhas acastanhadas, avermelhadas, amareladas e encarquilhadas que emprestam cores mornas e sons crocantes aos chãos de Outono e deixam as árvores despidas à espera do vestido bordado de mil flores em fundo de tons esverdeados que a Primavera (a nossa prima preferida) há-de trazer depois do Inverno ataco com os verbos da primeira conjugação.

- Muito bem! Hoje estou sem imaginação e preciso de uma frase com o verbo dançar.

Podia ter pedido um verbo qualquer: andar… saltar… mas saiu dançar.

Os miúdos gostam de fazer corridas nas tarefas. E assim, pouco depois a Natércia diz “já fiz”, esperando um muito bem da professora que não aprecia e não promove este tipo de competição.

- Ai já?! Então vai lá ao quadro escrever a tua frase. - disse eu.

E a Natércia escreveu assim uma das frases mais bonitas que jamais li sobre uma dança e um sono de folhas outonais.


“No Outono as folhas ficam velhas e o vento de Outono sopra e as folhas caem embaladas pela dança e quando caem no chão dormem um profundo sono.”


da Leonor


Wednesday, October 19, 2005

Sexta feira é o dia da alegria


Foto gentilmente cedida pelo Al do Divina Decadência


Sexta feira é o dia da alegria. Amanhã não há escola e nem no outro dia.

Não é que eu não goste da escola porque ser professora realiza-me o espírito, embora eu também tivesse gostado de ser polícia ou hospedeira, daquelas que andam nos aviões. Todavia estas duas últimas vocações foram-me frustradas logo à partida pelo meu limitado metro e meio de altura.

Volvidos tantos anos ainda me lembro da quebra de espectativas numa carreira que se anunciava promissora como se fosse hoje.

É aqui que se fazem as inscrições para a polícia? – perguntei na esquadra.

E o polícia de serviço à secretária, interrompendo a sua escrita numa Azert negra imponente nas suas teclas redondas que causavam cãimbras, principalmente no dedo mindinho, pela força feita ao carregar nelas, levantou os olhos para mim e perguntou - me incrédulo:

É para ti filha?

O tom familiar da pergunta advinha da minha pouca idade na altura, vinte e cinco anos que mais pareciam quinze.

Sim! Respondi de cara feliz.

E ele abanou a cabeça dizendo que não.

Não? Porquê? perguntei, vendo o meu futuro de farda aprumadinha ir por água abaixo.

Porque é preciso ter 1m e 65 cm no mínimo.

Fiquei desolada. Não obstante, um pouco mais tarde eu achava contentamento naquilo que sou hoje profissionalmente empurrada pelos incentivos da minha avó que me dizia que os alunos me enchiam a casa de tudo, couves, coelhos, galinhas… (mas isso era noutros tempos avó em que os pais respeitavam os professores) e pela pergunta retórica do meu primogénito quando o ajudava a estudar de véspera para os testes: mami, porque é que as minhas professoras não são como tu?

Então a sexta feira é o dia da alegria porque é o dia em que eu pego na minha mala preta, tão pequena como eu que, por nunca levar nada do que eu quero lá colocar, me obriga a achar-lhe alçapões onde não os possui e a deitar-me em cima dela a fim de conseguir fechá-la, e… ou apanhar o comboio, ou a camioneta, ou a boleia da Elsa e voar para casa.

Pela noite a começar estrelada passo pela ponte 25 de Abril. Acalmo saudades do Tejo. A falta de luminosidade não me deixa ver a cor das suas águas. Se estão azuis e calmas, se estão verdes e ligeiramente onduladas, se estão barrentas e agitadas. A vista do Cristo Rei diz-me que cheguei.

No Domingo, volto para cima. Passo a ponte da Arrábida. Já de noite também, as margens iluminadas do Douro revelam-me a sua Foz que se estreita sensualmente na direcção do mar.

Começo a gostar de ti ó Douro. Mas não te iludas. Eu não te minto. Os embalos do meu Tejo viverão para sempre no meu coração.


da Leonor

Saturday, October 15, 2005

Trabalhos de casa

Abro a porta da rua e sou apanhada pelo nevoeiro. Estamos em meados de Outubro mas aqui no Minho o nevoeiro é frequente logo pela manhã.

Aponto o comando para o meu Fiat Uno velho de tinta a cair aos bocados. Apesar do seu aspecto zombi cumpre a sua função, levando-me fielmente de casa para o trabalho e fazendo depois o percurso inverso.

Entro no carro. Dou à ignição. Acendo as luzes. Já na auto estrada atento às setas que me indicam a cidade do Porto. A determinada altura viro para Esposende. Passo a ponte velha de Fão. A trepidação provocada pelas suas frequentes lombas desmancha-me sempre a posição do retrovisor.

Antes do cemitério pleno de jazigos austeros viro para uma estrada única com casas de um lado e do outro, caixas de fósforos quase sempre de uma porta e duas janelas. Reduzo o andamento para não chocar com nenhuma bicicleta ou motoreta que surge repentina de caminhos paralelos. Ultrapasso o tractor do José Manuel. É a mãe que o transporta todos os dias de manhã para a escola indo de seguida para o campo.

Chego à escola. O cheiro a estrume dos campos cultivados invade o ar. Vejo o Marco António na sua bicicleta , carregando sempre um pendura com ele. Cabeça no ar. Bom coração. Conquistas os teus amigos com as boleias. Apesar dos valentes castigos traduzidos em tabuadas a multiplicar pelo número de vezes da minha vontade caprichosa de professora pode tudo, dizes-me sempre “bom dia professôara” com o melhor sorriso do mundo. Sua cabeça de vento. Fizeste o trabalho? Fiz sim, professôara.

Tenho andado sempre pelos bairros economica e socialmente carenciados de Lisboa. Pretos e ciganos na sua maioria. È a segunda vez que tenho uma turma só de miúdos brancos, de primeiro e de terceiro anos limpos sem osso, sem repetências.

Pelas nove horas em ponto os miúdos formam fila à porta da sala, esperando a minha ordem para entrar. E começa o dia: chamada, data no quadro, abrir cadernos para ver quem fez o dever de casa.

Passo nas primeiras mesas. Marco vistos a vermelho, contrariando as psicologias de alguns pedagogos que dizem que a referida cor desmotiva a aprendizagem dos petizes, traumatizando-os para toda a vida. Chego à vez da miuda de tranças que herdou o nome da avó materna: Modesta

- Professôara… num fiz os debiêres, doía-me a barriga.
- E agora dói-te?
- Nãoe. Já passoue.
- Então fazes no intervalo.

Modesta e os outros espantam-se pela ineficácia da desculpa, percebendo que rapidamente terão de arranjar outras. Filipe também não fez os trabalhos.

- Porque não fizeste?
- Fui ajudar a minha ábó a cortar milho para as bacas. Num consegui fazer. - A terminação “er” enche-lhe a cavidade bucal.

Fico num dilema. Privar a Modesta do intervalo pela desculpa esfarrapada e não privar o Filipe pela ajuda prestada… bom! Penso com os meus botões, por hoje o castigo mantém-se, é a minha malvada dignidade que está em jogo, amanhã não usarei o intervalo como punição se tiver de punir.

Tenho andado sempre por Lisboa, em bairros carenciados económica e socialmente, de brancos, pretos e ciganos, que não gostam e nem entendem a escola, que se desculpam com dores de barriga para fugirem aos deveres escolares. Mas o Filipe, a Jéssica, e outras tantas crianças da minha classe de oito anos de idade já conhecem a responsabilidade de ajudar a família no campo para garantir o sustento do clã.
Muitas delas não irão longe nos estudos por falta de incentivo dos parentes para quem escrever o nome e fazer contas com "e vai um" é quanto basta para não se enganar nos trocos da mercearia. Não obstante, quando chegarem à idade de dezasseis anos já conhecem o mundo do trabalho, enquanto que os meninos de Lisboa conhecem o roubo.

Fiquei envergonhada.
da Leonor

Tuesday, October 11, 2005

Intempéries



Nunca falo muito e à medida que o tempo passa inclino-me a falar ainda menos. Porque me distraio e perco o motivo da conversa, porque as pessoas esperam que só, e tão somente, que eu as oiça, aguardando que eu concorde, o que se faz sem dificuldade se eu disser sim-sim de vez em quando.

Coloco nos lábios um esgar sorridente , a fim de aquietar o meu suposto interlocutor e quando ele pensa que eu fiquei a par de todas as perturbações atmosféricas que proferiu andei a vaguear pelas emoções já vividas e agora arrumadas nos cantos da minha memória.

É assim que eu me esquivo das tagarelices sobre chuva miudinha ou do sol que adoece quando bate de chapa – a nossa língua materna tem destas expressões. Às vezes há silêncios e nesses silêncios sou apanhada por uma pergunta desconfiada feita à queima roupa que me deixa o coração aos pulos porque estou perdida do assunto, já não sei se se falava da trovoada ou do relâmpago… estás a ouvir? Sim-sim, tranquilizo.

Ah! Como eu detesto contradizer com argumentos, sustentar com conjecturas o mau ou o bom tempo do ar que se respira tão simplesmente.

Por vezes substituo o sim-sim pronunciado pelo aceno afirmativo da cabeça. Poderia substituir o sim-sim por outras palavras condizentes mas não arrisco. O sim-sim tem-se mostrado infalível, garantindo-me a fuga para as outras paragens da estratosfera. E é assim que eu resisto às intempéries.


da Leonor

Thursday, October 06, 2005

Todo o ente é uno


A arte de Isabel Filipe do Arte e Design



De vez em quando sou apanhada no meio de facções opostas que não só se debatem arduamente para manterem a sua posição como a mais válida como tentam a todo o custo que eu opte por esta ou aquela opinião.

Da ultima vez que me vi numa dessas situações o tema versava a vida desde o embrião.

Vida sim. Vida não.

A opositora à expulsão do feto antes de ele completar o seu desenvolvimento argumentava que a vida começa logo no óvulo e no espermatozóide. A defensora de tal acto, dizia que o referido argumento não passava de uma retórica vazia na medida em que um homem produz diariamente milhões de espermatozóides, assim como, milhões de óvulos são expelidos naturalmente durante o período menstrual e nada se pode fazer para os salvar.

A opositora dizia que se legalizarmos a aniquilação do embrião um dia avançamos para a legalização da eutanásia. A defensora da interrupção voluntária da gravidez mostrou-se chocada perante tal possibilidade e disse que uma coisa não tinha nada a ver com a outra.



Há decisões que a sociedade deixa à livre escolha de cada um mas há outras que não. Dizer que o individuo é livre de escolher o que lhe parece melhor é dizer que toda a sua acção é susceptivel de escolha e, nem sempre, o individuo está em condições de decidir o que e melhor para ele.

Existe uma cadeia de valores universais comum a toda a humanidade como o direito à vida e à liberdade. Todavia, cada sujeito, tem uma prática individual que, muitas vezes diverge da consciência moral transmitida pelo grupo.

Ou seja…

Embora, na maior parte das vezes, exista um acordo entre o individuo e a sociedade, há valores com os quais ele discorda e, assim, perante a mesma situação tomam-se posições diferentes.





- Leonor, não dizes nada?.- perguntaram-me.

Aquilo que eu não queria, finalmente tinha chegado: a inevitabilidade de expressar a minha opinião. Ainda pensei em levantar-me num repente e dizer que estava com pressa para apanhar o autocarro mas lembrei-me que tinha levado o meu carro.

- Bom! – disse, ganhando tempo a fim de elaborar um discurso bonito. – se considerarmos a questão levantada por Aristóteles que afirmava que todo o ente é uno, composto de acto e potência, sempre sujeito a mudança, então o embrião é já aquilo que poderá vir a ser.

Olharam-me desconfiadas num silêncio demorado. Depois disseram.


- Estamos a falar a sério.
- Eu também. – respondi. Confesso a minha fatal tendência para a saída surrealista quando sinto que a discussão sobre algo embaraça, não oferecendo alternativa.

Quando me preparava para continuar a minha consideração foram elas que se levantaram apressadas, uma para ir ao ginásio e outra ao cabeleireiro.




De momento, e de há longo tempo que sei qual é o meu direito e o meu dever. Respeito outras condutas morais. Não obstante, questiono-me perante tanta diversidade de comportamentos. Partindo do principio que todos os seres humanos possuem uma racionalidade comum penso que um dia será possível atingirmos a universalização de princípios.


da Leonor

Monday, October 03, 2005

Quatro dias num cruzeiro (O regresso)


Quatro dias a navegar e mal vi o mar da amurada do barco. A vida a bordo de um cruzeiro é muito agitada. O programa de actividades oferecido aos participantes é muito variado e permanente. Pode não ser muito convidativo mas com mar por todos os lados que nos limita os pontos de fuga temos de achar piada ao “cardápio”.



Levantava-me cedo. Mas não tão cedo como o VP. Como a bordo não havia rede de transmissões os telemóveis não funcionavam. Daí que, eu a vaguear pela proa e o VP pela popa, quando nos encontrávamos à Meia Nau era uma festa e logo aproveitávamos para trocar impressões da fauna marítima que era só o que havia para ver: viste aquele albatroz? Não, mas vi três alforrecas.



Depois de passar uma hora ao sol na piscina participei numa aula de fitness. Lenta para o meu gosto e talvez por isso não consegui acompanhar os exercícios nos tempos devidos. O meu pai, ao ouvir semelhante explicação diria que o mau dançarino diz que o chão da sala está torto. Pai, não estava torto mas entortava que fartava.


Eu sou a que estou ao contrário de todos. Como sempre.


A Cris, linda, na sua expressão Zen. Por trás dela a sua filhota Mónica.

Assisti a uma aula de salsa e fiquei a saber que existem quatro passos base que podem ser aplicados a quase todas as danças, inserindo ou retirando o ritmo. Apreciei as provas prestadas por alguns participantes a fim de ganharem um concurso de misses e misters do Atena. Mas por ai pouco demorei a minha atenção virando os meus devaneios para a linha do horizonte.

Mar! Mar azul escuro. Mar azul marítimo. Na falta de um sextante tento localizar-me a olho nu nos paralelos e nos meridianos, adivinhando latitudes e longitudes. Acompanhamos a costa alentejana (alvíssaras meu capitão, não vejo terras de Espanha mas já vejo terras de Portugal).



Na foz do Tejo a ventania era forte. O vento é assim. Às vezes há. Outras não. Oscilante na sua vontade acaricia e fustiga. Escondo-me quando, uivando longamente, se insinua pelas frestas das janelas. Insulto-o quando, brincalhão, me enrola em nuvens de poeira.

Eu voltei Sebastião. Tu não. “D. Sebastião, eras um belo pedante, foste mandar vir para uma terra distante…” Intrépido e inconsequente garoto que ficaste envolto no nevoeiro, levando para a morte, sob o teu comando, que é o mesmo que dizer sob comando algum, mais de metade da juventude nobre portuguesa e deixando-nos à mercê dos Filipes.



Gaivotas em terra. Avisto o Cristo Rei. Estou a chegar a casa. Desembarcamos. Despedimo-nos uns dos outros, satisfeitos por não termos sido apanhados lá pelo Levante de Gibraltar, e contudo, já um pouco saudosos do bom convívio durante a viagem.

Quatro dias num cruzeiro chegaram ao fim. No próximo ano… quem sabe onde irei. A Elsa diz para eu não me preocupar, que apanhou uma frase minha no ar e que está a tratar do assunto.

E eu confio plenamente.


Da Leonor
Todas as fotos foram tiradas pelo VP