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Mínimo sou, mas quando ao Nada empresto a minha elementar realidade, o Nada é só o Resto. Reinaldo Ferreira

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Friday, July 15, 2005

Capuchinho Vermelho

Embora na maior parte dos clássicos da literatura infantil, nomeadamente nas histórias da Bela Adormecida, Branca de Neve, A casinha de Chocolate e outras mais, a figura mais usual que se opõe à normal sequência dos acontecimentos ser a bruxa, os miudos, à pergunta “Quem é o mau da fita nas histórias infantis?”, respondem prontamente: “È o lobo mau”.

O lobo mau, ares de lambão que, correndo atrás do Capuchinho Vermelho e dos três porquinhos, concebendo de forma maquiavélica estratégias para, literal ou metaforicamente, consoante a faixa etária de quem ouve o conto, se aproveita das fraquezas daquelas criaturas, para se alimentar delas.

Mas, à medida que deixamos para trás a mentalidade demasiado moralizante do século XIX, proclamada por Charles Perrault e até pelos irmãos Grimm, os colectores dos Clássicos da Literatura Infantil, e avançamos pelo século XX, deparamo-nos com um poema fantástico de Roald Dahl no qual o lobo mau aparece como herói, sinal de um despojamento de convenções culturais que falseiam a natureza humana, pois afinal, nem o lobo é tão mau, nem o Capuchinho é tão sonso.


Leonor





O Capuchinho Vermelho

Como estou farto de fazer de bobo!
Diss cheio de fome o senhor lobo.
Há quatro dias que não trinco osso,
A avozinha vai ser o meu almoço.
Quando a avozinha lhe abriu a porta
Com o susto, tremeu, e meia morta,
Fitou aqueles dentes a brilhar.
Ai que o malvado me quer devorar!
A pobre senhora tinha razão
Porque ele a comeu com sofreguidão.
A avozinha era pequena e dura,
O almoço não foi uma fartura.
Ai, estou com uma fome aterradora,
pronto para comer outra senhora.
Foi procurar petiscos na cozinha
mas nada para roer o bicho tinha.
Vou-me sentar no colchão de folhelho
À espera do Capuchinho Vermelho.
Disse o lobo enquanto se vestia
Com as roupas que por ali havia
Saia de seda, botas de verniz
Chapéu de veludo, foi o que qui.
Escovou o pêlo, as garras pintou,
Bem disfarçado assim se sentou.
Um pouco depois, em passo apressado,
A moça chegou, toda de encarnado.
Ó minha avozinha, quero saber,
As tuas orelhas estão a crescer?
Sim, minha neta, para melhor te ouvir.
Que grandes olhos teus, querida avó.
Disse a menina cheia de dó.
São para melhor te ver, disse o lobo
E pôs-se a pensar: não sou nenhum bobo,
Esta bela menina vou papar,
Que bom petisco para o meu jantar,
Vai saber-me que nem um pão de ló
Não é velha nem dura como a avó
Mas avozinha, disse a menina
Tens um casaco de pele tão fina.
Não, disse o lobo, deves perguntar
por que são os meus dentes de espantar.
Bem, digas tu o que disseres
Como-te sem prato nem talheres.
A menina sorriu. Da camisola
Sacou de imediato uma pistola
E com uma certeira pontaria
Pum, pum, pum, aquele bicho morria..

Passaram os dias, passou um mês,
Vivia a menina no bosque outra vez
Mas sem o capuz, sem capa encarnada,
Toda diferente, toda mudada.
Sorrindo me explicou: daquele lobo
Fiz este casaco de pele de lobo.


Histórias em verso para meninos perversos
de Roald Dahl

22 Comments:

Blogger M.P. said...

Olá, Leonor! Uma maravilha esta história do Capuchinho por Roahl Dahl! Vou ver se encontro a versão original! Espero encontrá-la aqui pelos meandros da Net! TemumBOM fim de semana! :)**

8:42 PM  
Blogger th said...

não conhecia esta versão, mas fui alertada há tempos para uma com conotações sexuais...um beijo, th

10:32 PM  
Blogger António said...

Nã, nã, nã...
És catedrática, sim senhora!
Pelo menos em pedagogia e literatura infantil.
E mesmo que digas que não, eu acho que sim!
Jinhos

10:39 PM  
Blogger saltapocinhas said...

não gostei da história: uma capuchinha de pistola...e os casacos de peles...Acho que prefiro o original!

12:12 AM  
Anonymous Anonymous said...

Quando a minha filha era pequenina tinha que lhe contar sempre uma história à noite...
Se não o fizesse lá começava a chorar e a chamar: "pai...pai..."
Que saudades...

2:53 AM  
Blogger Leonor C.. said...

Foi o meu primeiro livro de histórias,oferecido pelo meu pai e nele aprendi a ler. Seguia todas as linhas com o dedo e lia só as palavras que conhecia: mas...que...se...o...
Como tenho saudades! Do livro, que ainda tenho e do meu pai que já não tenho...

9:09 AM  
Blogger Caracolinha said...

Muito bem, abaixo os preconceitos e as ideias pré-concebidas.

Beijinho Encaracolado ~:o)

10:31 AM  
Blogger José Gomes said...

Não conhecia esta versão do Roahl Dahl, Leonor.
Mas cada dia que passa tiro o chapéu aos teus conhecimentos, à tua maneira como contas as histórias...
Será que vai ser hoje que vou conhecer a Leonor do lado de lá do monitor?
Como será ela debaixo daqueles olhos escuros?
Será que poderei ouvi-la contar aquelas histórias com que ela encanta os seus alunos e os seus leitores?!!!
Até logo, amiga!

10:51 AM  
Blogger Leonor said...

manuela
encontras de certeza digitando o nome do autor.

theo
aliás a história do Capuchinho, a par de outras já milenares e oriundas dos mais diversos pontos do globo, como a cinderela que é originária da China, por exemplo, são rituais de socialização. o capuz não é vermelho por acaso...


antónio e frog

muito obrigada. é um grande elogio à minha escrita.

saltapocinhas
o autor haveria de ficar contente com a tua opinião. a menina moderna veste-se com peles e pratica artes marciais, os tempos mudaram.rs

filipe
e tu contavas as histórias à tua filha? que maravilha!

leonor
oh! leonor. sinto muito, pela tua perda. são os lutos que nos obrigam a crescer.

caracolinha
o que disseste ainda não passa de slogan. o estágio acima só nas próximas reencarnações da humanidade.

josé
ai meu deus! tanta espectativa deixa-me assustada, rs


abraço da leonor

3:20 PM  
Blogger Sr. Jeremias said...

Eu acho que o capuchimho também não podia perder sempre. Mas uma pistola e um casaco de peles não me parecem ser muito bom exemplo para os mais novinhos...

6:33 PM  
Blogger Daniel Aladiah said...

Querida Leonor
Pois... e até temos outras versões para adultos. Aliás a atracção pelo lobo é notória nas noites de Lua cheia assim como em adágios populares. Decididamente, o lobo é um predador europeu, talvez o último sobre o qual ainda temos que contar.
Um beijo
Daniel

7:18 PM  
Blogger Isabel Filipe said...

Oi...
Não fazia a minima ideia que existia esta versão...
contei muitas vezes a versão original à Vera....se tivesse sabido que havia esta...não a teria contado certamente....

Beijinho

8:51 PM  
Blogger r.e. said...

conheces os Contos de Fadas Politicamente Correctos, do James Finn Garner? fez-me lembrar. São versões muito descontraídas que muitas vezes iluminam de maneira diferente os verdadeiros conteúdos de algumas histórias nem sempre de encantar. Beijinho. Jorge

9:21 PM  
Blogger augustoM said...

Leonor tive muito prazer em a conhecer pessoalmente, foi pena no meio da confusão não termos conversado um pouco, pelo menos para lhe manifestar a minha admiração, pela forma como encara o ensino das crianças. A importância que dá às crianças e a importância que elas lhe merecem, são a chave do seu sucesso.
Quanto à história do lobo mau, e o que o lobo significa para as crianças, penso que é mais produto do significado que os crescidos que lhe quiseram imprimir do que propriamente da imaginação das crianças. O lado “criminoso” do lobo, não estará ao alcance das mentes infantis.
Um abraço. Augusto

10:31 PM  
Blogger Menina Marota said...

Olá ... fianlemnte, um rosto... um nick...

Foi mesmo um prazer conhecer-te!

E, saber, que desse lado, existe uma pessoa tão simpática e doce, como me pareceste ser.

Gostei muito de ter-te conhecido.

Um abraço ;)

11:01 PM  
Anonymous Anonymous said...

Eu bem que desconfiei sempre,que a estória estava mal contada... a minha mãe quando ma contou coloquei sempre reservas, à parvoice da "minina do capuchinho" que não sabia distinguir a avó do lobo... sempre tive pulgas atrás da orelha... nesta versão "al caponiana" se fosse made in USA o Capuchinho "sacava" mais rápida que o lobo e... vestia-lhe a pele... Maravilhoso é este cantinho, que de diversificado e substancialmente bom, ainda tem a magia de nos remeter à nossa meninice...
Bjinhos Ricky

10:32 AM  
Blogger José Gomes said...

Leonor,
Foi realmente uma experiência gratificante este salto do cantinho seguro atrás do monitor para a realidade dura e crua do dia a dia!
Gostei muito de te conhecer e os poucos momentos que falamos deu para fazer uma ideia da pessoa terna e doce que tu és.
Agora compreendo os teus textos, a loucura que os teus alunos sentem por ti...
O teu sorriso não é acompanhado pelo teus olhos que me pareceram toldados com núvens tristes e preocupações... estavas doente?
Pena não terem ficado até ao fim. Deveriam, tu e o Vítor (penso que não estou a errar o nome do teu marido)ter ficado até ao fim.
Iriam gostar.
E é muito bom fazere novos amigos, sabes.
A Milú e eu gostamos muito de vocês.
Um abraço nosso.

2:30 PM  
Anonymous Anonymous said...

Velhos tempos em que me contavam essas histórias!

3:32 PM  
Blogger mar revolto said...

Olá;

Também eu não conhecia esta versão!
Foi um prazer ter-te conhecido!
Um beijo

5:13 PM  
Blogger Leonor said...

dumb
a questão é que há que mostrar o bom e o mau e depois inverter a situação para ver como é que fica.

daniel
aliás... a historia do capuchinho é uma historia de aviso para meninas quase adultas ou ja adultas.

isabel
e ainda há outras, acerca do lobo mau, nao do capuchinho, muito, muito engraçadas.

jorge
nao, nao conheço. mas podes ter a certeza que ja me despertaste a curiosidade.

fernanda
e eu adorei conhecer quem se expressa tão bem.

augusto
muito obrigado.naquele momento não foi possivel mas está a fazê-lo agora.

marota
tu, tu é que és muito simpática.

ricky
que bom, vires aqui a este espaço para passares bem o tempo.

josé
tenho olhos tristes mas estou sempre a brincar, ou quase, rs.e,claro, fazer novos amigos é sempre bom.

jlbm
e agora lembraste-a...

lina
obrigado pela tua presença divertida.


abraço a todos da leonor

8:29 PM  
Anonymous Anonymous said...

This is very interesting site... » » »

6:57 AM  
Anonymous Anonymous said...

Excelente história. Adoro finais alternativos. Parece-me em pedaço de mau caminho, essa capuchinho. Gostava talvez de a conhecer! Faz-me lembrar outra heroina, também capuchinho, talvez um pouco mais espigadota...`e personagem de uma banda desenhada de Tedesco e de Al Rio; publicada salvo erro pela zenascope. No cesto de pic nic, leva um arsenal de armas variadas.
Poe exemplo, a garrafa de sumo, é um lança chamas miniaturizado... e caça lobisomens para viver. Nunca é demais frizar que os desenhos de Al rio valeram-lhe o cognome de mestre da forma feminina. Podem imaginar a qualidade.

12:50 PM  

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