Embora na maior parte dos clássicos da literatura infantil, nomeadamente nas histórias da Bela Adormecida, Branca de Neve, A casinha de Chocolate e outras mais, a figura mais usual que se opõe à normal sequência dos acontecimentos ser a bruxa, os miudos, à pergunta “Quem é o mau da fita nas histórias infantis?”, respondem prontamente: “È o lobo mau”.
O lobo mau, ares de lambão que, correndo atrás do Capuchinho Vermelho e dos três porquinhos, concebendo de forma maquiavélica estratégias para, literal ou metaforicamente, consoante a faixa etária de quem ouve o conto, se aproveita das fraquezas daquelas criaturas, para se alimentar delas.
Mas, à medida que deixamos para trás a mentalidade demasiado moralizante do século XIX, proclamada por Charles Perrault e até pelos irmãos Grimm, os colectores dos Clássicos da Literatura Infantil, e avançamos pelo século XX, deparamo-nos com um poema fantástico de Roald Dahl no qual o lobo mau aparece como herói, sinal de um despojamento de convenções culturais que falseiam a natureza humana, pois afinal, nem o lobo é tão mau, nem o Capuchinho é tão sonso.
Leonor
O Capuchinho Vermelho
Como estou farto de fazer de bobo!
Diss cheio de fome o senhor lobo.
Há quatro dias que não trinco osso,
A avozinha vai ser o meu almoço.
Quando a avozinha lhe abriu a porta
Com o susto, tremeu, e meia morta,
Fitou aqueles dentes a brilhar.
Ai que o malvado me quer devorar!
A pobre senhora tinha razão
Porque ele a comeu com sofreguidão.
A avozinha era pequena e dura,
O almoço não foi uma fartura.
Ai, estou com uma fome aterradora,
pronto para comer outra senhora.
Foi procurar petiscos na cozinha
mas nada para roer o bicho tinha.
Vou-me sentar no colchão de folhelho
À espera do Capuchinho Vermelho.
Disse o lobo enquanto se vestia
Com as roupas que por ali havia
Saia de seda, botas de verniz
Chapéu de veludo, foi o que qui.
Escovou o pêlo, as garras pintou,
Bem disfarçado assim se sentou.
Um pouco depois, em passo apressado,
A moça chegou, toda de encarnado.
Ó minha avozinha, quero saber,
As tuas orelhas estão a crescer?
Sim, minha neta, para melhor te ouvir.
Que grandes olhos teus, querida avó.
Disse a menina cheia de dó.
São para melhor te ver, disse o lobo
E pôs-se a pensar: não sou nenhum bobo,
Esta bela menina vou papar,
Que bom petisco para o meu jantar,
Vai saber-me que nem um pão de ló
Não é velha nem dura como a avó
Mas avozinha, disse a menina
Tens um casaco de pele tão fina.
Não, disse o lobo, deves perguntar
por que são os meus dentes de espantar.
Bem, digas tu o que disseres
Como-te sem prato nem talheres.
A menina sorriu. Da camisola
Sacou de imediato uma pistola
E com uma certeira pontaria
Pum, pum, pum, aquele bicho morria..
Passaram os dias, passou um mês,
Vivia a menina no bosque outra vez
Mas sem o capuz, sem capa encarnada,
Toda diferente, toda mudada.
Sorrindo me explicou: daquele lobo
Fiz este casaco de pele de lobo.