Histórias da minha rua
Janela para o céu
de Ana Loura In Mil Imagens
Em minha casa ouve-se música constantemente. De preferência alto. Quando a música toca não se ouve o telefone e nem a campainha da porta a tocar. Só se ouve a música. A música toca tão alto que se ouve em todas as divisões. Ouve-se na escada. Ouve-se na rua.
Vivo junto de um antigo teatro municipal onde antes de ser teatro foi um pavilhão de espectáculos avant garde. De entre as manifestações “estapafúrdias”, no dizer dos meus vizinhos, as mais calmas eram concertos musicais de jovens talentos e outros já consagrados.
Uma vez tocava no referido pavilhão, mais tarde e ainda agora teatro, o Vitorino. Era verão. Fazia calor. Imenso. Tanto que todas as janelas estavam abertas na esperança de uma corrente de ar. Ouço Menina estás à janela. Passava das onze horas da noite. Levanto-me indignada (sempre me deitei cedo) e digo ao VP “por amor de deus, são onze horas, não podes pôr a música mais baixo?".
AH! Mas desta vez a música não ia de casa para a rua. Fazia o percurso inverso. Vesti-me e fui ouvir o Vitorino.
Lembrei-me deste episódio porque hoje ouviu-se Vitorino aqui em casa. E lembrei-me de outra coisa. Os pensamentos e as conversas são como as cerejas. Quando caem umas aparecem outras.
O Paulo, meu aluno de origem cigana, interrompia constantemente a aula para cantar ciganadas. Farta de ouvi-lo a horas impróprias, chamei-o à secretária, fazendo-lhe um ultimato, mas não sem antes tentar perceber porque ele me interrompia.
- Professora – disse ele muito sério – é assim uma coisa que eu tenho dentro do peito que quando aparece tenho de deitar cá para fora.
- Também cantas em casa? – perguntei, tentando saber se aquilo era mesmo um grito de desespero musical ou uma tentativa de me enervar.
- Canto em todo o lado, no quarto, à mesa, em todo o lado. A minha avó até se zanga comigo.
Mandei-o sentar. Tive pena dele. Agora já tolerava melhor aquela cantilena um pouco enjoativa para mim. Um dia, o Paulo no seu ímpeto incontrolável, tentou uns acordes vocais onde reconheci uma canção bem conhecida dos meus ouvidos e que não era cigana. Deixei-o procurar melhor o tom e as palavras. Mas ele ainda não sabia a canção. Ao fim de algum tempo não resisti. Não chego a desenhar no quadro até ao fim a trajectória do caminho marítimo para Índia. Cheguei-me ao pé do Paulo e canto “Menina estás à janela com o teu cabelo à lua não me vou daqui embora…”
Vi pela sua cara de espanto que naquele momento deixei de ser a professora que sabia muitas coisas para passar a ser a professora que sabia tudo. E eu, sem querer, descobri a maneira de desenvolver-lhe a leitura e a escrita: letras de canções.
da Leonor
Menina estás à janela (Vitorino)
Música utilizada da CDteca do VP
20 Comments:
Adoro o Vitorino... adoro Menina estás à Janela....ADOREI a tua história....(bem à tua medida... viver para os teus meninos...)
e a tua rua tb é bem interessante...
Beijokitas amigas
Bonira a tua história, as pessoas são diferentes, os seus interesses variam, nem todos sõ estímulados da mesma maneira ... que bonito existirem pessoas que ensinam e têm essa sensibilidade, que se manifesta na capacidade de não esperar que seja o outro a vir até nós mas abrir a porta dum mundo que não é o nosso e ter a coragem de lá entrar ... as descobertas podem ser sempre muito interessantes ... como me parece que foram neste caso ...
Um beijoca minha linda e obrigada por mais esta história em que as diferenças caem por terra ...
Minha querida amiginha!
Em primeiro lugar uma referência para a nova foto.
Semelhanças? Talvez a Joan Crawford!
Em segundo, quero dizer-te que gosto de vir agradecer as minhas visitas. Gosto e pronto!
Finalmente, não posso deixar de te dar os parabéns pela forma como nos deixaste passar na tua rua, entrar na tua casa e visitar a tua escola.
Muito bom!
Parece que estás cada vez melhor!
Beijinhos
Tenho os blogs do SAPO inoperacionais. Acontece. Felizmente aqui não há problemas.
Um óptimo fim de semana com o Vitorino por fundo
Historias da minha rua, faz-me lembrar um livrinho delicioso de Mário Zambujal. Vou buscá-lo à estante e ver se encaixa na Travessa.
isa
então hoje foi um post à maneir, rs. obrigado pelas tuas palavras
caracolinha
que bom o teu comentario. trabalhar em chelas foi muito bom para mim pelo que disseste: fazer cair as diferenças.
frog
como agradecer tantos mimos? obrigada.
antonio
e eu gosto que venhas agradecer e prontos. e vem sempre....
ze
qualquer coisa que exista no Sapo, é........ transcendente.
eu ja nao me surpreendo.
abraço da leonor
"Fessora", adorei o texto, mas principalmente, gostei da forma como lidaste contigo mesma, de se superar, de ir ao encontro de. Me senti mais leve, mais crente nas pessoas, ao término da leitura. Um beijo.
"Quem canta seus males espanta"
Foi um dia mau para hoje entrar na net...
Mandei um mail à Sónia, e tive a infeliz ideia de ir ver o meu correio.
Não me lembro de nada: apenas que morreu o PANTANERO.
Corri logo para o promeiro blog que me surgiu na minha cabeça.
Morreu um amigo e eu aqui tão longe.
Morreu o Pantanero e amanhã não posso estar presente para lhe ler, como despedida, A BANDEIRA COMUNISTA, como ele gostaria.
Desculpa, Leonor, este desabafo.
Estou em Faro e quando consigo a net neste café foi para saber notícia que me feriram.
Passa bem e desculpa.
Leonor!
Todos nós temos a nossa rua! Por vezes, tentamos seguir por atalhos, esperando que a caminhada seja mais suave e assim evitar alguns sacifícios, esquecendo que é na dificuldade e no enfrentar os problemas de frente que vamos crescendo e amadurecendo.
Tema interessante!
Gostava de ver-te por cá! Aguardo a tua visita sempre agradável e simpática!
Um beijinho
António
Uma linda canção do Vitorino !
E uma professora extraordinária que "está à janela" com outra fotografia e que consegue com que o Paulo "vire o disco..."
Um Abraço.
O livro de Mário Zambujal é
HISTÓRIAS DO FIM DA RUA.
E assim...as minhas desculpas.
Um abraço.
Leonor, se fosse outra pessoa a contar essa história do menino cigano possivelmente não acreditaria, mas é mesmo o tipo de coisa que eu sinto que tu fazes de melhor. És mesmo um professora, com um P muito grande. Como o ensino seria diferente se todos os professores fossem como tu. Sinto inveja do menino cigano nos meus tempos de infância. Não estou a dar graxa, é realmente o que sinto.
Como não quero reclamações, já há novo post.
Um beijo muito grande. Augusto
Querida Leonor
Mais um vislumbre do céu...
Um beijo
Daniel
Fiz um interregno nas férias e aproveitei para postar nos meus blogues de estimação e aproveitei também para te vir desejar uma boa semana.
Beijokas
Leonor, nunca me canso de vir aqui. É uma delícia ler as histórias de vida que contas, com tanta sensibilidade..Um beijo. Fernanda.
Excelente!!
A música rodeia-nos constantemente de uma forma saudável, mesmo que haja alguém que nos venha dizer que não gosta de ouvir ou que não está habituado a ouvir.
Tratando-se de algo saudável, e em que todos nós sabemos quais são os seus benefícios (acaba com depressões, ajuda a raciocinar melhor, etc...) impressiona pelo facto de ser uma criação humana, bem humana aliás!!!
Além de nos permitir exultar a vida em certos momentos, pode-nos ajudar a desenvolver o nosso próprio caminho.
Menina estás à janela
de onde lanças o olhar
toda tu tão Bela
sem parar de divagar
vê, regista, cria
revela a tua alma
quem sabe um dia
seja tua a palma
VP
Daniel
Muito obrigada
Lina
Senti a tua falta.
Fernanda
E eu gosto que tu aprecies as minhas historias
Gustavo
Tambem senti a tua falta.
VP
Muito bonito. Gostei muito.
Abraço da leonor
Ola.
gostei muito.
precisamos de muitos cantores como tu.
Beijinhos
Luisa
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