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Mínimo sou, mas quando ao Nada empresto a minha elementar realidade, o Nada é só o Resto. Reinaldo Ferreira

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Dizem que sou como o sol mas com nuvens como na Cornualha

Thursday, March 31, 2005

Cartas de Amor


Desenho feito por um dos meus alunos.
Desta vez não o trabalhei no paint para lhe dar mais cor.
Decidi respeitar o original




Na escola primária, a partir do 2º ano, já circulam pelos alunos os bilhetinhos de amor. Quando vejo algum a atravessar a sala de lés a lés, passando de mão em mão – os cúmplices – tento apanhá-lo, muito sorrateiramente.

Há-os lindos, desde os mais perifrásticos até aos de pergunta americana com um quadradinho à frente para colocar uma cruz a dizer sim ou não à inevitável pergunta: queres namorar comigo?

Levo o bilhete para a sala de professores. mostro-o a todas as colegas. Rimos, gracejamos numa festa ruidosa e alegre, aprovando satisfeitas: os afectos funcionam.

Apago os nomes do bilhete para não comprometer ninguém. Fotocopio-o e entrego-o a todos os alunos da sala. Riem. À excepção do remetente e do destinatário que reconhecem o manuscrito mas que depressa percebem a minha discrição selada num segredo.

Lemos o texto. Corrigimos a ortografia. E já agora vemos qual a melhor pontuação a ser usada a fim de despoletar melhor as emoções. Decoramos a folha com cupidos de sorriso matreiro armados de arco e flecha e corações trespassados por setas a pingar gotas de sangue vermelho vivo de amores sofridos.

Trabalho a língua portuguesa e a expressão plástica a partir de experiências vivenciais dos alunos. Fico com a sensação de ter cumprido o meu dever.

Estimulo a expressão de sentimentos que não devem ficar envergonhados em futuros adultos. Fico com a sensação de ter cumprido o meu prazer.

Confesso a minha maldade.





Todas as Cartas de Amor são Ridículas


Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)


de Álvaro de Campos

11 Comments:

Blogger M.P. said...

Um "post" que é "POST", Leonor!Uma ternura!! Qunato à fotografia como passatempo... FORÇA! Dá um gozo imenso! A minha máquina fotográfica é também uma Olympus ( C-310 Zoom) que comprei antes da tua ter saído! É bem melhor que a minha em resolução de imagem e até o monitor já é Sunshine! E o design, Deus meu!! O que me atraíu na minha foi a macro ser de distância mínima de 2cm e de poder chegar até coisas mínimas que não se vêem a olho nú. E agora estou ansiando arranjar uma melhor do que esta que tenho... Lá mais para o verão! ;) Vais ver que depois de começares a explorar as capacidades da tua máquina não páras mais! :)**

2:38 PM  
Blogger isa xana said...

boa professora tu és, mesmo mesmo:)

beijito

4:42 PM  
Anonymous Anonymous said...

Boa noite, Leonor.
Aqui no Norte está um anoitecer carregado... e logo hoje que sonhava ver um arco-íris entre umas gotas de chuva!...Ia gostar tanto.
Mas não estou a comentar o teu post. Deve ser o cansaço! :(
Gostei muito do desenho e fizeste-me sorrir com os "recados" dos alunos... lembrei-me de há séculos atrás...
Cada vez me convenço mais que se houvesse uma dezena de professores como tu o nosso país tinha dado um passo de gigante para a frente!
Bem hajas!
Costumo declamar algumas vezes esse poema de Álvaro de Campos nas Noites de Poesia.
Sabes que estamos a voltar ao passado reinventando processos para escrever cartas de amor?
Simples, sem acentos, com palavras lindas e que espelham sentimentos...
Isto deve ser do tempo!!!
Bom fim de semana.

7:32 PM  
Blogger Fragmentos Betty Martins said...

Áh Leonor... quanta ternura neste acto. És o MÁXIMO!!! Oxalá os teus alunos saibam reconhecer a professora que tu ÉS!

Um beijo

7:50 PM  
Blogger Daniel Aladiah said...

Querida Leonor
Uma só palavra: extraordinário!
O teu trabalho é belo, mas tens matéria-prima de fina-água, a ver pela amostra...
Um beijo
Daniel

8:10 PM  
Blogger Leonor said...

Oh Manuela, muito obrigado. E em relação à fotografia...aiiiiii, que desgraça. não percebo nem uma dízima do que tu percebes e que inveja, meu deus...
não sei se lá para o verão...se me conhecesses bem não serias tão optimista.rs

Isa, que boa aluna deves ser a julgar pelo que escreves no teu blog...

Obrigado José. Em relação ao ensino, confesso que faço mais o que posso e menos o que devo...
talvez por ter um espírito contraditório e "nunca ir por ai" mesmo que signifique equilíbrio desiquilibrado no trapézio.

Talvez mais tarde, Betty, eles reconheçam alguma palavra, algum sermão, algum sorriso que lhes tenha dado. Por enquanto estão no terreno... a linkar...

Daniel, o meu trabalho é de facto extraordinário. Trabalha-se com mentes por encher...de cores bonitas se quiseres...
É a melhor profissão do mundo.

6:52 PM  
Anonymous Anonymous said...

Eu tenho a "coragem" de não concordar com Álvaro de Campos... As cartas de amor só são ridículas se houver nelas "inverdade" e falta de autenticidade... o que parecendo ser a mesma coisa, não é! Recentemente, recordei uma história passada quando tinha apenas, sete anos, há 55 anos, e a verdade do que aconteceu, uma confissão de amor verdadeira e com autenticidade suficiente para perdurar... Dessa situação nasceu um "poema" que conta a história...
Manga verde

Depois das aulas te mirava,
debaixo daquela mangueira frondosa,
teus cabelos soltos ao vento,
da côr da terra aqueles caracóis,
Era a entrada do paraíso,
do sítio das brincadeiras,
depois dos deveres da escola.
Eu acelerava a cópia, as contas,
e tudo o mais, para te esperar,
ali, naquele lugar, só nosso...
De caracóis ou de tranças,
com laços côr de mel,
os nossos olhos tanto falaram,
tanta jura fizeram, naquele lugar.
E, daquela flôr da mangueira,
tão prenha de tantas mangas,
escolhemos a maior como nossa,
aquela que comeríamos juntos,
o nosso sêlo da jura de amor!
Todos os dias a olhávamos,
à espera que crescesse,
para o dia da consagração!
Quis a vida que abalasses,
mais a família, para outro lugar,
bem distante daquele sítio lindo...
Zangado com o nosso destino,
arranquei a manga verde,
daquela flôr por nós escolhida.
.............................................................
Já Avó, perguntaste-me,
com os olhinhos inquietos,
se a manga tinha sido rosada,
se tinha sido bem gostosa?
Menti, disse-te que sim,
mas ainda sinto forte nostalgia:
oh manga verde, manga verde,
porque não amadureceste para mim?

Ricky 30.03.2005

9:34 AM  
Blogger Leonor said...

Que poema bonito Ricky. Obrigado por enriqueceres aqui este blog.

10:46 PM  
Anonymous Anonymous said...

a maior gratificação de dar aulas é a possibilidade crescer com eles, ser com eles, voltar a ser "eles", e com essa cúmplice empatia, ajudá-los a descobrirem a naturalidade de crescer, sentir e partilhar. Dar aulas tem destas coisas mágicas, que só a natureza genuína de quem se entrega consegue fazer vislumbrar entre todas as funções possíveis do ensino. Parabéns pela atitude. Beijinho. J.

2:09 PM  
Anonymous Anonymous said...

Excelente desenho!Quando a motivação é forte eles até nos surpreendem com o que conseguem fazer.Quem não gostava de ser ridiculo!ai as cartas de amor..Arte por um canudo2

1:20 AM  
Anonymous Anonymous said...

Enquanto vou puxando pela paciencia do meu pai e pelo meu corpo vou respondendo lendo, sorrindo e deliciando-me.
Pois é.... perdi-me no teu blog.
Gostei desse teu método de ensino. Ainda bem que não foste minha professora, tinha carta de amores muito elaboradas com aqueles exageros muto próprios.
Ainda me lembro do bixinho na barriga enquanto via a carta do rapaz enquanto lia a carta, ele olhava para mim e eu transformava o seu olhar num carinho e logo recebia a carta dizendo simplesmente "não".
Talvez por isso hoje em dia não escreva muito sobre o amor. É uma coisa tão intima! e sempre a geito de se receber um "não".
Mas nunca fui apanhada!

12:37 AM  

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