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Mínimo sou, mas quando ao Nada empresto a minha elementar realidade, o Nada é só o Resto. Reinaldo Ferreira

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Dizem que sou como o sol mas com nuvens como na Cornualha

Monday, April 17, 2006

Caça ao Ovo

Há quem diga que sou eléctrica. As modernas psicologias dirão que sou hiperactiva. Mas quem me conhece bem, afirma peremptoriamente, sem vacilar, que sou selvagem.

E assim, nas reuniões mensais do Conselho Escolar, onde se redefinem as actividades mensais para o mês seguinte, problemas surgidos na escola e por surgir, de acordo prévio com a coordenadora, eu assisto à reunião com um olho no burro e o outro no cigano. Por outras palavras, ao mesmo tempo que ouço a leitura da acta anterior, a leitura de circulares e os pareceres sobre outros assuntos, corrijo ditados e redacções.

Salvo na reunião que sou eu a fazer a acta. E mesmo assim, a minha hiperactividade faz-se sentir. Todavia, controlo-a mais ou menos bem contando até cinquenta o que perfaz o bonito número de dois mil e quinhentos. Pelo que, chegada a dois mil e quinhentos, ouço e digo: muito bem! Ponto um já está. Siga o ponto dois.

Discutia-se o programa da Homilia Pascal, dia de ensaio na igreja e respectiva missa, na presença da representante da associação de pais. Os meninos do 4º ano lêem as Escrituras. Porque é o seu último ano na escola…

- Em princípio. – disse eu, marcando erros ortográficos com o marcador amarelo, provocando uma pausa silenciosa, contudo, ligeira. A representante da associação continuou.

… porque é o último ano dos meninos e porque tem sido sempre assim. Serão escolhidos mais dois meninos por cada sala para levar a cruz, o pão, a fruta e a bíblia.

- O que é que se dá aos meninos? – perguntei, qual moura caída de pára quedas em terra de celtas.

- O presidente da junta dá sempre coelhinhos de chocolate no fim da missa e amêndoas no último dia de aulas.

- Já agora, que falamos de patrocínios, preciso de ovos de chocolate para fazer uma caça ao ovo no último dia. – pedi descaradamente, ou à junta ou à associação, uma vez que os dinheiros não existem na escola.

- O que se tem comprado são os coelhos e as amêndoas. Nunca se fez uma caça ao ovo.

- Então, provavelmente, é uma boa altura para variar um pouco, senão a tradição sempre tão vincada gera rotina e desmotivação. – o meu debate com a representante animava-se a cada palavra.

- O presidente dá sempre os coelhos e as amêndoas. Tenho a certeza que não dará mais nada.

Percebi, pela omissão, que a associação também não estava disposta a colaborar com a compra de uns sete sacos de ovos de chocolate, tendo em conta que só seria preciso um ovo por cada aluno.

- Não faz mal. Eu compro os ovos e faço o jogo com a minha turma. – continuei a corrigir ditados. O que era permitido à representante da associação chegou ao fim. Ela retirou-se e a reunião seguiu com o pessoal docente.

Dois dias antes das aulas terminarem, a Armanda pergunta-me se já comprei os ovos.

- Ainda não! – disse eu.
- Queres comprar para todos? – perguntou-me.
- Dá-me o dinheiro. – pedi-lhe sem meias medidas.

No último dia, fechámos as três turmas na biblioteca supervisionados pela paciência da dona Dores que os conhece a todos não só da escola como também das redondezas, enquanto eu, a Isabel e a Armanda escondíamos os ovos por entre as ervas do recreio da escola. As minhas colegas, puristas, agachavam-se a cada ovo que escondiam, quase tocando o chão com os joelhos, enchendo as unhas de terra. Eu atirava-os pelo ar, divertindo-me a vê-los a voar.

- Leonor! Que estás a fazer? – perguntava Isabel, divertida.
- A espalhar os ovos, pois então.

Isabel experimenta também, e a seguir a Armanda. Soltámos os miúdos para alívio da auxiliar. Todos gostaram da caça ao ovo. E por acaso, o Jorge, filho da representante da associação disse-me, junto da mãe que assistiu a tudo, que o jogo tinha sido “boé da fixe”. Eu sabia que iria ser, Jorge.


Da Leonor

21 Comments:

Blogger augustoM said...

Duas coisas apenas. Selvagem não, aguerrida. Os ovos fizeram-me lembras o de Colombo, são o que nós quisermos, é preciso é imaginação.
Um beijo. Augusto

1:22 PM  
Blogger António said...

Querida Leonor!
Mais um dos teus textos giríssimos retirados do quotidiano da tua escola.
Espero que o aparecimento deste post seja sinónimo de que já estás boa ou, pelo menos, melhor.

Obrigado pela tua visita.

Beijinhos

6:41 PM  
Anonymous Anonymous said...

O amar do mar

boca do mar
beijo de sal
lábios da praia
pele de areia

língua de rio
decote de dunas
seios de ilhas
abraço do sol

correntes de desejo
cheiro de algas
ondas de prazer
espuma que rebenta

gemidos das gaivotas
gozo das nuvens
céu que se funde
no azul do mar

7:32 PM  
Blogger lena said...

esperando que a tua saúde esteja bem, vim ler-te
a sensibilidade e o teu saber escrever estão sempre contigo,
de novo algo tão real , que conheço bem,
ai menina linda olha se a cordenadora te lê

adorei estar aqui contigo e partilhar muitos momentos contigo

deixo-te um beijo meu, com muita ternura e um até já

lena

7:48 PM  
Blogger António said...

Querida Leonor!
Agora vim só agradecer mais uma visita.
Eu tenho postado ao ritmo habitual de dois textos por semana.
Tu é que tens estado ausente (infelizmente) e atrasaste as tuas visitas.

Beijinhos

7:59 PM  
Anonymous Anonymous said...

Cada vez que leio um texto teu, esqueço-me que estou a ler e já estou a ver um filme giríssimo :-)
Imagino-vos a atirarem os ovos de chocolate pelo ar e rio-me.
Imagino os garotos a correr, loucos de alegria!
Tu não és selvagem. Tu és capaz de descer à idade deles, e isso, meu doce, é o que os garotos mais adoram!
Fazes-me lembrar a professora que a Ana Rita teve até ao 4º ano.
Era encantadora com os miúdos.
A tal ponto, que, qualquer das miúdas(verdade, isto, acredita!) muitas vezes, tal era o à-vontade, a boa disposição com que estavam, se chegavam a ela e diziam:
- Coças-me aqui as costas?
- Olha, faz-me tu as tranças, fazes?

A professora não era efectiva.
Quando no final do ano os miúdos se aperceberam que havia a enorme possibilidade de não a terem mais, juntaram-se todos e foram falar com o presidente da câmara (isto só presenciado, Leonor!) para que ele fizesse tudo para que a senhora ficasse com eles.
E ficou!
Não sei lá que pauzinhos foram movidos, mas a professora ficou e,acompanhou-os até ao 4º ano.
Olha que ainda agora, sempre que a encontram, penduram-se nela, ficam loucos de alegria, não a largam!
Não há nada melhor para uma mãe, querida, que ver os filhotes felizes pela professora que têm.

Tu és assim!
Não concordo quando dizes que és selvagem (tontinha!)
És a professora que a maior parte dos garotos gostava de ter!
Beijo doce!
E continua assim, porque se vê à légua que adoras o que fazes!

8:12 PM  
Blogger José Gomes said...

Estou como o Frog... só tu mesma é que poderias escrever um texto que me prendesse do princípio ao fim!!!
Mas fála-me da tua saúde... este texto significa que estás melhor ou é apenas uma "fuga para a frente"?
Diz alguma coisa.
Aquele abraço

8:17 PM  
Blogger Menina Marota said...

Magnifico este texto!
Espero que estejas melhor e tenhas passado uma Páscoa em serenidade...

Deixo um abraço ;)

12:35 AM  
Anonymous Anonymous said...

Bom dia Leonoretta

A caça aos ovos foi bué de fixe para os putos mas, tenho a certeza, ainda o foi mais para ti rsssss. A capacidade de apelarmos para a criança que há em nós e brincarmos, é um dom. Aproveita-o ao maximo, quer seja de forma selvagem ou activa ou seja lá como queiram chamar. O que importa é que tenhas muitos momentos na tua vida que te permitam ser feliz.

Beijinhos, uma optima semana e bom reinicio de aulas
Ana Joana

9:45 AM  
Blogger Astri* said...

Nah nah és uma pessoa energética :D isso xim

gostei do que li
beijinhos ***

1:53 PM  
Blogger Leonor said...

Para Ana Joana

já tinha feito uma caça ao ovo há dois anos em paço de arcos. foi gira mas esta foi mais, primeiro porque foi organizada à minha maneira e depois porque participou a escola inteira de uma vez.

agora vai haver uma caça ao tesouro. eles vão-se ver gregos...

e sabes... que quem não dá erros no ditado tira uma surpresa de um saco escuro?

beijinhos da leonoreta

8:00 PM  
Anonymous Anonymous said...

Ler-te foi tb uma viagem à minha infancia........ :))
Beijossss

5:46 PM  
Anonymous Anonymous said...

Excelente texto, Leonor!
Há sempre bons momemtos que valem a pena serem divulgados.
Bjs

11:49 PM  
Anonymous Anonymous said...

É uma delicia ler o que escreves.Até parece que se fica envolvido tal é o realismo com que descreves o que queres dizer.Continua com esa força que tens que serás também e sempre "bué de fixe". Bjs

1:09 AM  
Anonymous Anonymous said...

Uma laranja, tem vários gomos. Envolta na sua casca cor de laranja, e não amarelo banana... porque será, que sendo todos os gomos da mesma laranja, alguns são doces e outros tão amargos? Que parte do teu gomo és?
Simplesmente uma provocação à tua tão nobre inteligência, me faz, fazer-te esta pergunta. Que maravilha de texto, escrito por uma selvagem é mesmo obra da inteligência!

Vai até ao meu laranjal…

ps:-Tenho estado em falta em todos os blogues da minha eleição, desculpa-me.

Beijos

1:55 AM  
Blogger Henrique Santos said...

Ohhhh nem só não me convidaram a procurar um ovo, como nem sequer me ofereceram... Ohhhh
Gostei muito dessa caça, que motiva alegra e ajuda a transformar a escola em lugar desejado!
Bjinhos Ricky

11:56 AM  
Blogger Nilson Barcelli said...

Gosto das histórias que contas da tua escola.
Podes ser eléctrica, hiperactiva, etc. Mas também és boa professora. Porque tens ideias novas, divertes-te muito e gostas do que fazes.
Já te disse há muito tempo que gostava de ter tido uma professora como tu...
Beijos e bom fim-de-semana.

4:29 PM  
Anonymous Anonymous said...

Pois tambem já tenho estado, em reuniões desse tipo, em que dos pontos dos mais insignificantes aos mais elaborados, são discutidos até ao mais infimo promenor, mas ...
... Quando chega a hora de decidir de assumir o risco ou compromisso, é mentira, parece que não está lá minguem, é um ver de desculpas, se calhar está bem assim, não vale a pena mudar, deixamos isso para discutir noutra altura, e ao fim de três ou quatro horas ficou tudo na mesma, ou pior.
É precisamente essa aversão à mudança e ás responsabilidades, na maioria dos casos individuais, que faz com que colectivamente sejamos o que está à vista, uma carrada de incompetentes, uns irreponsáveis, estar sempre á espera que os outros decidem para podermos criticar destrutivamente logo de seguida, enfim as novas ideias, melhoramentos e evolução, são palavras e sobretudo actos que estão cada vez mais distantes tanto no vocabulário como no pensamento e ainda da nossa acção.
Bom fim de semana.

JMC

11:46 AM  
Blogger Leonor said...

Para JMC

e é por essas e por outras que dentro da lei faço a minha própria lei. Isto é, assumo-me anarqua numa democracia estática.

estou a falar bem?
às vezes tropeço nos conceitos. obrigado pela visita e pelo comentário sempre útil.

abraço da leonoreta

12:17 PM  
Anonymous Anonymous said...

Imagino a alegria ao vento da meninada... e dos adultos também, é claro!
Adorei o texto, amiga.

Um beijo.

2:11 AM  
Anonymous Anonymous said...

Imagino a alegria ao vento da meninada... e dos adultos também, é claro!
Adorei o texto, amiga.

Um beijo.

2:11 AM  

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