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Mínimo sou, mas quando ao Nada empresto a minha elementar realidade, o Nada é só o Resto. Reinaldo Ferreira

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Dizem que sou como o sol mas com nuvens como na Cornualha

Thursday, June 21, 2007

Fragmentos dela, dele e às vezes dos outros (11)

O afecto aumenta com pequenas descobertas que surgem devagar. Não tinham pressa. Inventaram aquela dimensão à sua medida: histórias dentro de outra história. Nem queriam que fosse de outra maneira. Estava bem assim

- Vês aquele pedaço de rio? – Perguntou ele.
- Onde? - Ela não percebeu a pergunta dele.

No meio do espaço ermo, escasso de vegetação, erguia-se um quadrado aberto de cimento branco, suposta janela surrealista enquadrando a paisagem, bocado de rio em movimento. As águas de um rio nunca são as mesmas dissera Heraclito.

Ela vestia uma blusa branca mais ou menos transparente que lhe deixava ver mais ou menos o corpo.

-Estás muito bonita. A transparência da blusa lembra anos 60. - disse ele.

Ela sorriu. Ela gostava da música dos anos 60. Alguma irreverência desse tempo ainda lhe brotava no espírito.

“Puff the Magic Dragon, came across the sea”. Agora a música dos Peter, Paul and Mary não lhe saia da cabeça.

Sentaram-se na areia fina e aquecida pelo sol da tarde. Abrigados pela duna, o mar ficava-lhes fora da vista.

Mais tarde, os dois veriam que não é por acaso que os jardins são verdes porque a cor verde se completa com a cor azul do céu mesmo quando este ameaça ficar cinzento. O verde transforma o tempo do momento no momento sem tempo. Pingos de chuva da manhã, armazenados nas folhas das árvores, continuavam, teimosamente, a cair pela tarde fora.

- Ainda temos uma questão para resolver.- disse ele.

O sexto sentido dela deixou-lhe adivinhar o que seria mas nada lhe dava a certeza. Deixara de ter certezas. Mas alguma vez as tinha tido?

Leonoreta

16 Comments:

Blogger Isamar said...

Minha Querida Leonor!

Depois de ler o texto do meu mano Cusco, só me faltava passar por aqui para ficar assim com um gostinho de fim de tarde, de sexta-feira, com leitura saborosa dos posts de um e outro. Ainda em tempo de degustação da Sombra que me perseguiu e transformou (vai ler o Cusco e compreenderás) eis que encontro um que me faz tornar aos anos sessenta e ficar com um sorrisozinho de orelha a orelha. Ai o amor, essa música e a contemplação do verde, do azul de uma paisagem que me traz outra paisagem... e eu, a música no ar, ele, eles, elas, os convívios da faculdade...
Leonor, soube tão bem este fragmento!Cheira a alfazema, a rosmaninho, aos santos populares, a Alfama, a manjericos...
olha vou parar e rebobinar o "filme" que é como quem diz: vou reler o post.
Beijinhos mil e bom fim de semana!

8:42 PM  
Blogger António said...

Querida Leonor!
Regressaste aos Fragmentos!
Desta vez o fragmento está fragmentado: a vista do rio, a blusa transparente, a música dos "sixties", a areia da praia, os verdes da natureza, a certeza da incerteza.
Tudo isto mais ele e ela.
Imprescindíveis, sempre.

Beijinhos

11:09 PM  
Anonymous Anonymous said...

Há coisas tão geniais na vida. E na escrita. E na escrita que se faz forma de vida e enforma a vida. Os parêntesis, são enformes de histórias de vida. Andaimes que elevam a construção, ao n dimensional, como se a febre carregasse o delírio da pressa de tudo abarcar, de tudo sorver. É como um mar de janelas, verdes aqui, azuis acolá, ora quadrados de cimento sobre a paisagem, ora cortina de areia sobre a duna, ora presença, ora ausência, ora turbilhão, ora silêncio. E no fim, quando as regras da gramática os obrigam a fechar, sobra sempre essa constatação, dos degraus não transpostos, mas a vencer, nos caminhos por percorrer.
(Na verdade é ficção. Realmente não há caminhos traçados, os caminhos fazem-se caminhando...)

12:58 AM  
Blogger Zé-Viajante said...

"Só sei que nada sei." Alguém escreveu isto.
E quanto a certezas tenho a certeza de não ter nenhumas.
Uma dúvida com cansaço misturado: Poetas andaluzes: é o Patxi que canta?
Bom fim de semana.

8:10 AM  
Blogger . said...

Excelente...gostei muito, parecia que estava lá a ouvir aquela musica mesmo sem a conhecer!! ;)

1:04 PM  
Blogger augusto said...

Nada se compara ao tempo da sedução que antecede o namoro, aí o tempo tem outra dimensão.
No blog estão algumas fotografias da apresentação do livro.
Um beijo. Augusto

10:25 AM  
Blogger José António said...

Certezas?
Boa pergunta!

3:46 PM  
Blogger Daniel Aladiah said...

Querida Leonor
Só há certezas daquilo que vivemos, e só são nossas, nunca dos outros...
Um beijo
Daniel

8:50 PM  
Blogger José Gomes da Silva said...

Só para te dizer que voltei ao Furão e que é sempre um prazer visitar-te, coisa que nunca deixei nem deixarei de fazer

11:13 PM  
Blogger deep said...

"O verde transforma o tempo do momento no momento sem tempo"...gosto do azul que o gera e do amarelo que o matiza...

1:00 PM  
Blogger Mocho Falante said...

Mais um doce conto cheio de cor e sensualidade

beijocas

11:20 PM  
Blogger happiness...moreorless said...

é sempre bom andar a seguir estes teus fragmentos =)

um beijinho*

12:11 PM  
Anonymous Anonymous said...

A escrita continua a fluir-te bela como sempre :)
Njs

3:28 PM  
Anonymous Anonymous said...

Pleno de sentidos este teu “fragmentos” que me estimulam um eventual sexto onde procuro interpretar-te. É um vício estimulante substituir-me aos teus personagens e encontrar a solução.
Qual seria a questão dele?
Quais seriam, afinal, as certezas dela?
Afinal o afecto era certo ou incerto na amálgama de todas as pequenas descobertas?
E os espaços, porquê a diversidade dos espaços, os espaços condicioná-los-iam?
Tudo questões, e como eu adoro questões…
Abraço…

5:26 PM  
Blogger A.S. said...

Querida Leonor,
Por conheceres bem o oceano e te teres deliciado com bailado das ondas, sentes-te agora estranha perante esse bocado de rio inanimado que já não te ilude os sentidos!
Abrigada pela duna... fica longe o mar! E tem muito mais interesse a irreverente transparência da blusa que a brisa da tarde destaca nos contornos do teu corpo...
Por isso te digo, que gostaria um dia de te levar o mar na concha da minha mão, azulissimo, para que nele descubras o meu nome entre os seixos...


O meu terno abraço!

2:31 PM  
Anonymous Anonymous said...

Querida Leonor:
"...O verde transforma
o tempo do momento no momento sem tempo."

Gostei muito dos Textos!

Beijinho**

2:11 PM  

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