Ex Improviso

Mínimo sou, mas quando ao Nada empresto a minha elementar realidade, o Nada é só o Resto. Reinaldo Ferreira

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Dizem que sou como o sol mas com nuvens como na Cornualha

Friday, February 09, 2007

Fragmentos dela, dele e às vezes dos outros (2)

Ambos partilhavam todos os seus momentos livres com o computador navegando na Internet.
E um dia, marcado pelo destino – propósito da Previdência desconhecido por ambos – cruzaram-se numa troca de mails.

A escrita dela revelava-a doce, meiga. Ele era sedutor na mensagem. Logo a empatia emergiu entre os dois. Geraram palavras de brotar sentimentos camuflados nas suas vidas rotineiras.
Noutro dia – já marcado por eles, propósito desconhecido da Previdência - saltaram para o lado de fora do écran, escolhendo um sítio conveniente para ambos onde o aroma do café se misturava com fumo de cigarro.

Ele sorrira e ela viu-lhe os dentes já um pouco gastos pelos anos. Ela retribuiu-lhe o sorriso, permitindo que ele percebesse as rugas ao canto da boca que já não eram rugas de expressão. Quando ele tirou os óculos, os mesmos que ela vira na foto, estremeceu com os seus olhos grandes, demasiado afastados que lhe ofereciam algumas semelhanças com um sapo. A pele ligeiramente flácida do pescoço dela complementavam a mesma idade dos sulcos dos cantos da boca.

No principio o acabrunhamento habitual provocado pelos fluidos passados no instante que não se controla (ah, o quotidiano da palavra escrita não é o mesmo da palavra falada). A primeira - a palavra - é pensada, manipuladora. A segunda, perde-se trocada pela sua espontaneidade No dia a dia não se diz o que se queria dizer mas quando se diz, a partir do momento em que se diz, está dito.

Olá
Olá.
Tudo bem?
Tudo bem.
Risos….e a conversa que não vinha. Ambos olharam para o relógio ao mesmo tempo.

Não te disse nada mas surgiu-me um imprevisto mesmo há pouco. A minha tia caiu da escada. A minha mãe pediu-me para lhe fazer umas compras. – disse ela.

Ele fingiu um certo transtorno mas no fundo as palavras dela surgiram-lhe como um alívio de tempo contrariado.

Mais dez minutos para não parecer mal. Pensaram os dois. Sempre tinham algumas afinidades. Disseram adeus, seguindo caminhos opostos.

A palavra escrita de um para o outro tinha acabado. Voltaram a matar o tempo da solidão atrás da máquina de fazer palavras, de inventar sentimentos, navegando calmamente nas imagens virtuais da net.
da Leonor

28 Comments:

Blogger Fragmentos Betty Martins said...

Querida Leonor

A história bem que pode ser verdadeira.

Pois acredito que algumas pessoas já se tenham visto numa situação destas

Mas a história bem ao teu jeito (deu-me vontade de rir) pois imaginei logo a "cena" com todos os ingredientes:))

Beijinhos com carinho
BomFsemana

6:34 PM  
Anonymous Anonymous said...

A história não deixa de ter uma certa piada, claro. Mas o problema é que hoje temos de ser todos como os artistas de cinema e sempre jovens, é o que nos impingem. Conheço mulheres e homens muito bonitos com aspecto exterior pouco dentro das normas, mas só à primeira vista. Talvez se estes dois sapos se tivessem descomplexado e se tivessem beijado, talvez se tornassem Princípes, talvez...

11:44 PM  
Blogger António said...

Querida Leonor!
Uma história!
Uma história dos tempos modernos com gente de tempos antigos.
Uma história com princípio, meio e fim.
Uma história com humor sem rugas.
Uma história com a tua chancela.
Uma história de que gostei.

Obrigado pelo teu comentário ao meu post do susto do Bouças.
Mas não me venhas com conversas de que tens medo de cemitérios e almas penadas e que te dava uma síncope.
Tenho a certeza que corrias com os mortos vivos à chapada e à biqueirada.
ah ah ah

Beijinhos

12:56 PM  
Blogger augustoM said...

A história, "bem pode ser verdadeira" e "não deixar de ter uma certa piada", mas na minha opinião é verdadeira e não tem piada.
A história é o resultado da desonestidade do que se escreve, escolher ou mesmo plagiar, para construir um personagem que em nada se identifica com o autor.
Fazê-lo e ficar na clandestinidade, ainda compreendo a tentativa de auto valorização aspirada, mas desnudar a fraude no encontro, para mim é simplesmente patético.
Se as pessoas se identificassem seriamente no perfil, colocando inclusivamente a fotografia a idade etc., o encontro não seria uma desagradável frustração face à perspectiva.
Não venhas reclamar esta semana que o post é muito longo, tive de escrever o que escrevi, ou o aasunto não atingia o objectivo desejado.
Um beijo. Augusto

1:03 PM  
Blogger António said...

Querida Leonor!
Devo ter razão?
Eu sei que tenho razão!
ah ah ah

Beijinhos

1:46 PM  
Anonymous Anonymous said...

da virtualidade para a realidade

querida amiga Leonor, estou a ler-te e a imaginar, acompanho cada passo desse encontro e bem podia ser verdade,

como sempre o toque da tua perfeição,

lia-te concentradíssima, como disse, e ia imaginando a cena até sentir " a dor da tia a rebolar escada abaixo" li duas vezes para ficar com a certeza que era a tia e não senhora que caía da cadeira, pois lá teria que ir a doce senhora para a fisioterapia…

acabei a rir e a pensar na força que a palavra escrita tem

o estar deste lado de cá onde nos tocamos com palavra

lembrei-me que o meu pai dizia muitas vezes que fui feita a falar, pois motivos para conversa não me faltavam, mas também dizia que me alimentava de palavras e emoções

gostei do que li, é difícil não gostar dos teus “ex improvisos” acabo de ler e ficar encantada, no meio de tanta sensibilidade, consigo sentir-te

um abraço terno como sempre

beijinhos muitos para ti,

faz favor de ter um bom fim de semana, eu com as novidades de sexta, só o mar me tem acalmado

lena

4:21 PM  
Blogger Maria Carvalho said...

Sem comentários...malucos há por todo o lado e sobretudo aqui...onde através de um écran se imaginam histórias de bradar aos céus e onde nada faz sentido. Este não é, decididamente, o meu mundo! Beijos. Fica bem.

4:22 PM  
Anonymous Anonymous said...

A tia, o carro, o tempo...
às urtigas as rugas, os tremores!

Há escadas, que só fazem sentido, quando os degraus estão lá todos. Mesmo aqueles, que levam a um terraço no telhado onde, só correm ventanias e o nevoeiro bem perceptível da poluição de longas vidas. É que mesmo assim, sem eles (os degraus) a escadaria, seria sempre um caminho eternamente adiado ( incompleto), para um lugar só imaginado mas não vivido

Depois. Ah, depois! Depois, quantas vezes a febre do voar, não se quebra (seca) na constatação terrível da vertigem das alturas?!

Rugas? Ah, ah, ah!
As que vincam, são as que mutilam o voar. Mesmo quando ele só é feito de sonhos.

Abençoados os que têm a arte, e o amor à vida, que (com quanta coragem) ainda vão ao encontro dos sonhos. (mesmo que no fim, só sobrem dez minutos de simples boa educação…)

5:59 PM  
Blogger Pepe Luigi said...

Um elogio com o "E" muito grande a esta sua maravilhosa narração, que nos brinda com uma escrita perceptível e com uma figura de estilo de efeito figurado.
Infelizmente o poder das tecnologias são empregues em muitos casos, em casos disfarçados e disfuncionais.
Mas não é mal só desta era. Atente-se ao emprego do potencial atómico, que conseguiu "gerar" a bomba atómica.

Parabéns pelo seu espaço, no qual me tornarei assíduo visitante.

Um Bem Haja e um fim de semana.

8:54 PM  
Blogger Pepe Luigi said...

Rectifico os cumprimentos:
Bem Haja e Bom fim de semana.

9:01 PM  
Blogger Daniel Aladiah said...

Querida Leonor
E por que se encontrariam duas pessoas assim? Provavelmente para medirem a sua compatibilidade, de forma a poderem relacionar-se intimamente. Não há saída diferente, só a que inventamos para não acreditar que o queremos.
...
Um beijo
Daniel

10:32 PM  
Anonymous Anonymous said...

Ah!, imagino que deve acontecer muito este tipo de situação, por isso o melhor mesmo é conhecer-se naturalmente, ao vivo e a cores, aí não se tem surpresas desagradáveis.
Se bem que tenho uma amiga que conheceu o marido pela internet, e estão bem casados...
Tenha um ótimo fim de semana, beijos

10:32 PM  
Anonymous Anonymous said...

Hmm... e os sentimentos mentirosos que no dia-a-dia se manipulam pela retórica também não serão virtuais?
A carne sobrepõe-se ao sentimento?
A carne, a retórica, a "palavra" e o sentimento, que grande 31 me arranjaste para uma noite chuvosa de Sábado.
1 abraço

11:37 PM  
Blogger Flor de Tília said...

Tenho de te dizer que as palavras do "augustom" encaixam exactamente naquilo que iria escrever. Ele escreve muito melhor do que eu o faria porque tem o dom da palavra associado ao dom dos que sabem escrever bem, o de síntese.
Tudo dito. Há tanto por aí!
Quanto ao texto, gostei.Escreves com sabor, com aroma, com afecto...
Beijinhos, muitos

9:46 AM  
Blogger david santos said...

Olá!
Bom trabalho, gostei.
Parabéns.

3:23 PM  
Anonymous Anonymous said...

Querida Leonor

Escreveste um post que pode muito bem corresponder a uma situação verídica. Aquilo que se escreve nem sempre corresponde à realidade. Há sempre quem não se sinta bem na sua pele e crie uma personagem que idealizou.
No entanto, a aproximação, deve ser sempre acompanhada da maior honestidade. Se assim não acontecer, a desilusão corresponde ao desmoronamento de muitos sonhos.
E acontece tantas vezes!
Beijinhos amiga

10:01 PM  
Anonymous Anonymous said...

Olá Leonoretta!
Este mundo é um mundo engraçado porque cada um pode escrever e escrever-se sem o poder regulador da presença do outro. Isso pode fazer toda a diferença. Não há constrangimentos e por isso o que se sente sai com maior fluidez, com mais genuinidade. Por outro lado, qdo se pretende fazer de conta que se é outro, tambem se pode fazê-lo de forma mto mais elaborada.

Quando a genuinidade prevalece - e estou em crer que mto frequentemente isso acontece - a exposição e partilha facilmente vão ocorrendo e as expectativas relativamente ao outro vão ganhando a forma do desejo que se tem da pessoa que se imaginou.

Ao marcarem um encontro, dificilmente não se criam expectativas relacionadas com as leituras que se fizeram e com as partilhas que se consentiram. Contudo, perante o outro, podem surgir todos os constrangimentos. O que se imaginou não tem correspondencia com a realidade e a instabilidade pode instalar-se, acabando com o sonho ou simplesmente repondo a relação num plano difirente. Felizmente há casos em que tudo se enquadra, e esses são os finais felizes.

Como tudo, tem muito de bom e outro tanto de preverso. Mas acredito que o ganho é superior ao prejuizo.

Beijinhos
Ana Joana

10:42 PM  
Anonymous Anonymous said...

Segui uma sugestão e passei por aqui.
Confesso que o tema é para mim controverso, expectativa versus desapontamento...
Improviso de repente e sem saber bem porque um final feliz, acho que prefiro acreditar em ilusões que não desiludem:)

Boa semana!

9:06 PM  
Blogger LUA DE LOBOS said...

ehehehehe que divertido para os que fantasiam na net... que gente marada mesmo!!!
as pessoas que não sofrem de solidão, não têm tempo para estar em frente a um monitor com doçuras!!
acordem!!
isto é uma caixa de Pandora que já "rebentou" com a vida a muito boa gente ::))
xi
maria de são pedro

11:02 AM  
Anonymous Anonymous said...

Quando falo em sugestão refiro-me a um link do teu blog e a alguns comentarios teus que gostei de ler...

2:25 PM  
Blogger mixtu said...

desencontros... e como diz a betty... pode ser, eu digo é...

a vida... é a real...

besitos

5:12 PM  
Blogger Pepe Luigi said...

Fico a aguardar por mais das suas simpáticas composições.

Um Abraço e já agora um Feliz Dia de S.Valentim.

7:55 PM  
Anonymous Anonymous said...

Olá, Leonor!
Há que ter em consideração que nem sempre o virtual corresponde ao virtual.
Se partirmos deste presuposto, raramente haverá surpresas.

Bom texto!

Bjs

10:23 PM  
Anonymous Anonymous said...

Quantas vezes será assim Leonor, quantas vezes!!!
Mas a vida continua...Antigamente eram as cartas que pregevam estas partidas...
Coisas do tempo!...

Apesar desses pequenos desenganos, a Vida vale a pena!

Muito bem escrito.
Um beijo enorme da
Maria Mamede

6:32 AM  
Blogger António said...

Querida Leonor!
Desta vez venho só agradecer o teu comentário ao meu texto sobre os últimos dias de vida e a morte da minha mãe.
O tempo vai mitigando a saudade mas, de vez em quando, há umas erupções de muita tristeza.

Beijinhos

2:15 PM  
Anonymous Anonymous said...

Olá!

Se gostas d cinema vem visitar-nos em

www.paixoesedesejos.blogspot.com

todos os dias alamos de um filme diferente

Paula e Rui Lima

6:35 PM  
Blogger Menina Marota said...

Esta estória passa-se no sentido inverso, do que acontece na realidade.
As pessoas conhecem-se, atraem-se pelo olhar, pela beleza que vêem um no outro, mas não deixam ver o seu verdadeiro íntimo, camuflando-o muitas vezes, com palavras doces e sorrisos fáceis.
Mais tarde, as descobertas das rugas da alma são realçadas, pelo olhar vazio de quem nada tem de valor no seu íntimo.
No virtual, acontece o mesmo. As pessoas escondem-se atrás das palavras, ganham expectativas de ilusões falsas, não interiorizando o que cada um é, realmente.

Viver-se da aparência, não foge muito a quem através da cirurgia, tenta ter peles lisas e corpo perfeito, mesmo quando o tempo corre velozmente ao encontro dela.

A beleza está no saber envelhecer e, aceitar esse mesmo envelhecimento. Conheço gente tão bela, de rosto enrugado, corpo flácido e de alma tão nobre, tão linda, que me esqueço completamente desses pormenores, ao ver a beleza do seu interior, tão alegre, tão jovem, capazes de soltarem grandes gargalhadas e, baterem as palmas de satisfação, como se de adolescentes se tratassem.

Sabes Leonor, fico triste quando vejo casos como este que relataste. Porque as pessoas não se assumiram na realidade, tentaram mostrar um ao outro o que não eram e, no final a desilusão e desorientação foram enormes.
Nunca me desiludi com ninguém que conheci no mundo virtual e que já conheci no “real” através dos encontros da blogosfera. Porque eu não alimento expectativas, nem as dou.
Aceito todos como são, porque a Amizade verdadeira, não tem rugas, nem flacidez.

Gostei de ler a tua estória.

Um abraço carinhoso e bom fim de semana ;)

4:26 PM  
Anonymous Anonymous said...

Querida Leonor,
Este caso é muito actual... Isto aconteceu entre eles, é porque não foram verdadeiros um com o outro, criaram ilusões e expectactivas acerca um do outro, as palavras escritas que disseram um ao outro foram pensadas e não espontâneas, e ambos tinham um objectivo...
Gosto muito de ler o que escreves! As descrições, as acções, como tão bem sabes expo-los em palavras!
Beijinhos,
SilenceBox

12:40 PM  

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