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Mínimo sou, mas quando ao Nada empresto a minha elementar realidade, o Nada é só o Resto. Reinaldo Ferreira

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Dizem que sou como o sol mas com nuvens como na Cornualha

Friday, December 01, 2006

A mesma história

Todos os anos é a mesma história quando distribuo uma folha de papel pautado aos alunos e proponho escrever ao Pai Natal. Logo surgem braços no ar para reclamarem “civilizadamente” a sua vez de falar, gesto que me custou a introduzir na sala cerca de um mês e mesmo assim há quem queira ser excepção.

Sei porque metem o braço no ar mas primeiro têm que me ouvir e assim não autorizo a interrupção. E começo a falar do Pai Natal, que mora lá no fim do mundo, que tem a ajuda dos duendes, que pede a ajuda dos pais para distribuir os presentes…
Dou as orientações para escreverem a carta.

- Não peçam muitos presentes. Lembrem-se que cada vez mais há mais miúdos pobres que nunca tiveram um brinquedo e não podem ser todos para vocês. No fim do pedido não se esqueçam também de dizerem que gostam dele. Não é só pedir e toca a despachar. – digo eu.

Decido dar a palavra a quem, no início, estava tão aflito para falar. Metade dos braços tinham baixado. A pergunta veio. Eu sabia.

- Mas professora… o Pai Natal não existe. – diz o Bruno

Não lhe respondo. Dou a vez à Maria.

- Professora, vi na televisão que o Pai Natal tem uma máquina de parar o tempo.
- Pois! Agora que falas nisso é capaz de ser verdade. Por isso é que a hora de receber os presentes nunca mais chega. O tempo está parado. – digo eu.

O Bruno quer falar outra vez.

- Sim… - e fico à espera de nova investida.
- Professora, só não percebo como é que as renas conseguem voar.
ufa! penso eu.

Eu sei que a escola mata no excesso da verdade absoluta. Mas eu não quero matar. Matar, só se for saudades, como diz Sérgio Godinho numa canção.
Quando somos adultos as coisas voam só na nossa cabeça porque o mundo já matou os voos fora dela. Mas na minha sala de aula tudo vai voar dentro e fora de todas as cabeças.

- As renas voam porque têm magia. – e pus no rosto o ar mais sério deste mundo.

Só na sala de aula encontramos gente capaz de entender cada significado que cada palavra possa ter. Não o significado , em si, da palavra, aquele e mais nada. Mas o outro significado, aquele que lhe queremos dar.


Da Leonor

31 Comments:

Blogger Aldina Duarte said...

Que aula tão bonita! As suas aulas dão-me esperança no futuro do nosso país!

Até sempre

10:37 PM  
Anonymous Anonymous said...

É isso. Até (te) podem ter lavado a cabeça com creolina umas quantas vezes. Fa-lo-ão certamente umas tantas mais. Mas a tranquilidade do horizonte, qualquer que seja o estado do mar, é que contigo sabemos que mesmo entre dentes, vociferás- "Epur si Muove!",

10:40 PM  
Blogger batista filho said...

Quanta poesia na tua prosa, Leonor!

Que neste natal Papai Noel atenda os teus pedidos, todos eles! - pois sei que uma pessoa com o teu coração tudo que receber - partilhará em dobro!

Um abraço no VP. Um abraço pra ti, amiga.

Em tempo: com essa tua crônica, recebo antecipadamente o meu presente.

1:11 AM  
Blogger Leonor said...

PARA ANONIMO

as tentativas de me lavarem a cabeça surgirão sempre, inevitavelmente, até ao fim da minha vida... do governo... da vizinha do rés do chão...

mas li algures que na teoria construrivista somos pessoas individuais que penasam e agem... se certo ou não... isso é outra questão filosofica.

mas tomara eu ter a teimosia de galileu que da quadrilha (copernico, newton e einstein era de facto o mais teimoso.

em honra dele "Epur si Muove!".


abraço da leonoretta

9:59 AM  
Anonymous Anonymous said...

Olá Leonoretta,

Têm magia as renas que voam e tu que nos fazes voar nas asas da ternura. Só a "magia" o possibilita.

E se as nossas relações se regulam pelas interacções que se estabelecem, estás a gerar um universo de calor que vai dar brilho a muitos Natais presentes e futuros.

Estou muito mais "aconchegadinha" rsssss depois de ler este teu post.

Beijinhos
Ana Joana

11:02 AM  
Anonymous Anonymous said...

Pois é, com o acesso á informação que hoje existe, não é facil de contar determinado tipo de histórias ás nossas crianças, como se fazia no passado, quero com isto dizer que, o Pai Natal, generalizou-se, 'standardizou-se', massificou-se, enfim fizeram dele um 'Deus' sempre ominispresente, nas sua mais variadas formas baixos e gordos(o prototipo), e depois altos e magros, só altos, só magros e até já os vi com alguma cor, não muita, depois vem o espaço fisico onde podemos encontra-los, Centros comerciais, de bricolage, supermercados, de bens de consumo, etc.
Mas espera aí, no meu tempo só havia um!!!

Bom fim de semana.

JMC

11:24 AM  
Blogger António said...

Querida Leonor!
Mais um post (desta vez sem título - terá sido esquecimento ou é assim mesmo?) baseado nas peripécias da professora e dos seus pintaínhos.
Já sabes que gosto muito destas histórias simples e ternurentas.
Vivam as crianças...e a professora!
ah ah ah
Gostei, como sempre!

Beijinhos

1:13 PM  
Blogger saltapocinhas said...

Pode vir a ministra que vier, pode tirar-nos tudo, até pode querer tirar a dignidade á nossa profissão... Mas esta magia nem ela nem ninguém nos tirarão... jamais!

2:51 PM  
Blogger Daniel Aladiah said...

Querida Leonor
É muito complicado... e daí, talvez não seja, os miúdos não costumam ficar traumatizados com a verdade, mais tarde... :)
Mas surge-me a questão: nós escrevíamos ao Menino Jesus, mas agora todos, ou quase todos, cedemos às pressões sociais a favor do Pai Natal. Sei que talvez não seja importante, mas que as nossas raízes culturais estão a ser mudadas, é um facto. Há quem fale de fuga à questão religiosa, como se o natal não fosse uma festa com esse cariz. Claro que é. Também a tentam tornar neutra, chamando-lhe a festa da família. ora, este conceito de família advém precisamente do cristianismo.
Um beijo
Daniel

5:57 PM  
Blogger Leonor said...

PARA ANA JOANA

oxalá eu consiga fazer brilhar luzinhas para sempre naqueles miudos.

beijinhos da leonoreta

6:31 PM  
Blogger Leonor said...

PARA JMC

No seu tempo, JMC, só havia um e no meu também, rsss, e continua a ser o mesmo, esse mesmo, que eu "impinjo" quase à força aos meus alunos.

Mas nesse dia da carta ao pai natal, houve outro incidente que eu nao contei, um deles perguntou-me: onde o pai natal compra os fatos?
nao me lembrei dos duendes e disse: na coca cola.

... e gerou-se um silencio... sem perguntas.

abraço da leonoreta

6:35 PM  
Blogger António said...

Querida Leonor!
Obrigado pela tua visita e comentário ao final da blogonovela.
O Lavoisier enunciou o primeiro princípio da Termodinâmica, ou princípio da conservação da massa que diz, de forma simplificada:
"Nada perde, nada se cria, tudo se transforma".
Essa do "princípio, meio e fim" não conheço como frase célebre; só como expressão popular:
"Tudo tem princípio, meio e fim".
(e o post é mesmo para ficar sem título? sou um chato do caraças...eh eh)

Beijinhos

7:05 PM  
Blogger MT said...

Como eu gostava de poder acreditar ainda no poder do Pai Natal. Fazes bem em não deixar que essa ilusão se desfaça nas cabecinhas deles. Lembro me perfeitamente de quando se desfez na minha, no dia 24 de Dezembro de 1985...

Beijinhos

3:16 AM  
Blogger Zé-Viajante said...

Brilhante como sempre. E que ternura deve ser dar às crianças, as primeira aulas.
Parabéns Leonor.

9:34 AM  
Blogger augustoM said...

Só no mundo das crianças a magia é realidade, só eles a entendem, a sua abençoada ingenuidade preserva-os da realidade exterior onde a fantasia é substituída pela crueza da vida.
Quanto aos Celtas, é só como convêm, um cheirinho, porque falar dos Druidas quantas páginas seriam precisas?
Um beijo. Augusto

10:56 AM  
Anonymous Anonymous said...

Mais uma aula de amor e paciência...
Uma aula que também é uma lição de vida e de esperança para os teus meninos.
Será que esta país merece professores como tu?
A tua lição fez com que a magia do Natal voltasse a sorrir dentro do meu coração.
Obrigado, amiga e que tenhas uma boa semana.
JG

12:04 PM  
Blogger Fragmentos Betty Martins said...

Minha querida Leonor

Pois...só podia ser uma "Leonor" - TU - a dar uma aula destas

Aquele sentido das "palavras".que só as crianças sabem dar.mais ningém

Beijinhos com muito carinho

10:45 PM  
Blogger APC said...

Eheheheh... É tão engraçado comparar as minhas preocupações pedagógicas com as tuas... Eu com adultos, tu com crianças!...
Perco a graça se entro na tua aula! Sem qualquer dúvida, se é para ensinar magia (com magia), é para esses, e és tu, que passas de profesora a maga natalícia! :-)
Convenceste-me! Eu já escrevi. Amanhã mando:

Santa´s Post Office
96930 Artis Circle

Pedi uma prenda para ti também. Daquelas com muita magia! :-)))

4:04 AM  
Blogger APC said...

PS - Mas sepois de por lá me leres, para o ano que vem já não dirás que é a Coca-Cola que faz os fato do Pai Natal, lololol.

4:07 AM  
Blogger Maria Carvalho said...

Uma história cheia de ternura! Gostei muito. Beijos.

8:50 AM  
Anonymous Anonymous said...

Fazes bem em preservar a magia que nos faz sorrir, mesmo depois de a termos expulso da nossa mente.

Posso assistir a uma das tuas aulas?
Posso?
Prometo portar-me bem, Juro!

Beijinhos

2:38 PM  
Blogger Mocho Falante said...

Assim mesmo é que é...não podemos permitir que a magia do Pai Natal se transforme estupidamente no ToysRUs

beijocas

1:05 PM  
Blogger Barão da Tróia II said...

Belo post, faz-me pena quando vejo alguém que não tem a magia do acreditar. Boa semana.

1:25 PM  
Blogger A. Pinto Correia said...

temo que nem todos/as os/as professores/as tenham essa sensibilidade...
Um bom dia

2:45 PM  
Blogger Velutha said...

Tanta beleza num post tão pequeno. Tão pequeno e tão grande!
Magia, sedução, encanto.
Beijo

7:49 PM  
Blogger A Professorinha said...

Nada disso, as renas voam porque o Pai Natal lhes deita daqueles pós da Siniho, a amiga do Peter Pan que mra na Terra do Nunca, sabes, aquele que também voa com os seus amigos... Andar a inventar assim histórias aos miúdos não dá... então tu não sabias dos pós da Sininho?????

Beijinhos :)

11:51 PM  
Blogger António said...

Querida Leonor!
Obrigado pelo teu comentário no post "The making of...".
Este teu post é que nunca mais foi baptizado.
Mas podias ir ao Registo Civil...não custa nada!
ah ah ah

Beijinhos

5:52 PM  
Blogger caminante said...

No matemos la ilusión. No es bueno. Seamos niños siempre. Crezcamos pero con alma de niño, con capacidad de admirarse, de descubrir.... y no sólo de pedir. Agradecer.
Sin niños el mundo no merece vivirse.
Alabo tu labor de sembradora de ilusión.
Un fortísimo abrazo.

9:35 PM  
Blogger António said...

Querida Leonor!
Após o insistente pedido de várias famílias o nino já tem nome.
Muito bem!

Beijinhos

10:33 PM  
Blogger José Manuel Dias said...

Excelente...Abraço

8:40 PM  
Blogger Alexandre said...

Já não ouvia os Aguaviva e os seus Poetas de Andalucia II há um ror de anos... obrigado

7:17 PM  

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