Choraquelogobebes
"É proibída a entrada a quem não andar espantado de existir"
Quem começa nos meandros da literatura portuguesa logo se depara com a poesia e a prosa de José Gomes Ferreira, acompanhando-as para sempre. Nascido no Porto, conhecido como O Poeta Militante ou O Operário das Palavras, José Gomes Ferreira publicou em 1963 “as Aventuras de João Sem Medo”, o que, segundo o próprio autor, são um “divertimento escrito por quem sempre sonhou conservar a criança bem viva no homem”.
A poesia do romance começa logo na dedicatória aos seus dois filhos, grande louvor ao Homem:
“Para ti Raul José, homem há muito e homem autêntico que aprendeste à tua custa que a verdadeira coragem é a força do coração (…) para ti , Alexandre, ainda criança, mas já com todas as tendências para não te tornares num desses falsos adultos que sujam o mundo e odeiam a imaginação.”
Este “panfleto mágico em forma de romance” foi escrito, portanto para a juventude. Mas o que à primeira vista é apenas uma recreação literária serve também de folheto escrito em estilo satírico ao Portugal do fascismo com o seu atraso em relação ao resto do mundo europeu.
João vive em Chora que logo bebes e farto da humidade e bolor provocados pela choradeira dos seus vizinhos decide saltar o Muro que lhe dá entrada a um mundo diferente que o espanta. É sempre irónico, única forma de que dispõe para sobreviver às mentalidades lamurientas da sua aldeia. E nunca tem medo. Finge que nunca tem medo. Na sua aventura, João descobre a verdade e no fim pretende regressar, capaz de todas as revoluções, não conseguindo, todavia, ser mais do que um combatente.
Voltando à leitura dirigida para a infância, João é o herói ideal que mostra à criança que o medo é um sentimento presente em todos nós mas que pode ser ludibriado. João ultrapassa todos os obstáculos que lhe surgem na frente da maneira que ele acha adequada e não da maneira que os outros lhe sugerem, lembrando um pouco “Eu não vou por aí” in O Cântico Negro de José Régio.
Prestes a abandonar a sua aventura e a regressar à sua aldeia João pergunta ao guarda do Muro – Posso voltar sempre que quiser?
Como é que não poderias voltar João? - pergunto eu - Agora que conheces o mundo dos sonhos vais e voltas sempre que quiseres.
Leonor
5 Comments:
"As Aventuras do João sem Medo" no imaginário "Viver em Choraquelogobebes" é realmente a criança que vive em todos nós, ou melhor, que devemos lutar para que ela viva sempre em nós!
Beijos
José Gomes Ferreira - Um Homem do tamanho do Século!
Ardil
Nesta mesa
desenhada pelo Keil
onde como e bebo
– ou melhor, bebia –
e às vezes concebo
o que se assemelhe
com a poesia...
... nesta mesa,
à luz acesa
de um candeeiro de pé alto,
sinto agora o sobressalto
de quem ouve fundamente
trovões diversos
do que dantes ouvia
e hoje ninguém sente.
Talvez escreva versos
com outra poesia.
(Enfim estratagemas
para fingir poemas.)
José Gomes Ferreira
22/4/81
"Como é que não poderias voltar João? - pergunto eu - Agora que conheces o mundo dos sonhos vais e voltas sempre que quiseres."
Leonor, esta tua simples pergunta a que tu própria respondes, fez-me lembrar Gedeão e a Pedra Filosofal.
Adoro a tua forma de narrativa.
E mais não digo... está tudo dito! Que tenhas um bom fim de semana.
Abraço.
Querida Leonor
Rendo-me às tuas competências pedagógicas. Fossem todos os professores assim, para que a educação e a cultura não fossem algo tolerado, quando não detestado, pelos mais jovens.
Um beijo
Daniel
Betty,
não conhecia este poema. e mais uma vez, é formidável. cada vez gosto mais dos meus poetas de eleição.
José,
dizeres que gostas da minha forma de narrar realiza-me como escritora. muito obrigado.
daniel,
faço o que posso e o que não posso porque adoro o que faço. eiiiii, quase que tropeço nos trocadilhos.
obrigado
.. desaparecido eventual, mas atento, venerado e gradecido, pois claro. Que bom visitar-te...
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