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Mínimo sou, mas quando ao Nada empresto a minha elementar realidade, o Nada é só o Resto. Reinaldo Ferreira

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Dizem que sou como o sol mas com nuvens como na Cornualha

Friday, September 28, 2007

A magia de uma colher de pau

Professora anos a fio de 3º anos, salvo uma excepção em que, na mesma turma de um 3º ano havia cinco elementos do 1º, vi-me este ano lectivo a braços com vinte miúdos prontinhos a começar a escola.

Embora as mesas sejam mais baixas e as cadeiras mais pequenas, as pernas de alguns ainda não chegam ao chão. Oh como é difícil escrever vogais direitinhas e do mesmo tamanho nas folhas de um caderno que teima em não se manter aberto tão diferente da folha branca A4 que não tem margens e linhas para obedecer.

Mais tarde, anos depois, no fim da escola primária, a parte do caderno que teimava em fechar é presa de forma insolente com o cotovelo enquanto a mão segura a cabeça que já conhece a forma das letras de cor.

Muitos não frequentaram o jardim de infância, que sorte a deles ainda terem avós, e, passando tantas horas na escola, pensam que são votados ao abandono. O Bruno, mal entrou na sala, no primeiro dia chorava que nem um perdido. Tive de me colocar de cócoras para que os meus olhos ficassem à altura dos dele.

- Quero a mãe, dizia ele.
- Oh Bruno! A mãe não pode vir agora, está a trabalhar. - E contei-lhe a história de um patrão malvado que despedia a mãe se ela fosse lá buscá-lo. Os outros ouviam atentos. Tudo o que seja história é bem vindo.

E o Bruno sentou-se. E trabalhou.
No dia seguinte houve novo choro. Perante o “quero a mãe” repeti a história do patrão malvado. Todavia, devo ter-me esquecido de algum ingrediente mágico porque o Bruno, pouco convencido da maldade do patrão da mãe, veio várias vezes ao pé de mim repetir o pedido: “quero a mãe”.

Sentei-o e perguntei à turma se sabia o que era uma varinha de condão. Lembrei-me do Duarte, quando estive em Chelas: “Uma varinha de condão serve para fazer nascer coisas” disse ele.

- Eu vou arranjar uma varinha de condão e quando o Bruno quiser a mãe, eu “PIM” e a mãe aparece. A turma ria e o Bruno também.

De manhã traz a bola na mão e os livros na mochila. À tarde, mete a bola na mochila e vem-me dizer que os livros não cabem. Arrumamos os livros na mochila e colocamos a bola num saco de plástico. Ainda chora pela mãe e eu pego na varinha, colher de pau forrada com papel metalizado dourado e estrela na ponta e tento várias vezes a magia, revelando humildemente a minha falta de jeito para ser fada.
- Tu queres ver que são as pilhas Bruno!
Ele ri-se e pára de chorar. Mas é na cumplicidade de arrumar a mochila e ter sacos de plástico de reserva para ele guardar a bola que eu vou conseguindo que ele vá gostando de estar na escola. E de mim.
Leonoreta

27 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Embora, já tenham passado muitos anos ainda me lembro de algumas posições adotadas nas aulas de instrução primária, as chamadas carteiras, eram duplas e pareciam enormes quando estava na 1ª classe, tinhamos de ter um grande cuidado, para não entormar os tinteiros que estavam alojados num buraco da dita carteira e eram de vidro ou ceramica branca, isto porque tinhamos de usar os chamados lápis de aparo, molhar o aparo na tinta e vai de escrever com borrões e tudo, quando a coisa não corria bem com o aparo ou com a tinta, entrava em cena a tal regua de madeira, mas essa não era para medir ou fazer riscos direitinhos, tinha mesmo função mais correctiva assim como uma chamada de atenção mais elaborada.

Bom fim de semana.

JMC

11:01 AM  
Blogger SilenceBox said...

Já tinha saudades de ler um texto destes sobre uma magnifica professora que tu és! Tens uma imaginação rica e cheia de magia! Estes alunos têm muita sorte em te ter como professora deles!
Bom fim de semana!
beijinhos!

12:11 PM  
Anonymous Anonymous said...

Antes, quando o tempo se apresentava menos escasso, comentava com assiduidade, mantinha um blog sempre atualizado. Continuo a acompanhar o teu sítio, não com a regularidade d'outrora, mas com o mesmo sentimento gostoso de me sentir "em casa".
Um abraço fraterno,
batista filho.

Em tempo: adorei o post anterior, sobre o fantasma "camarada", rss! - deixei comentário sobre.

12:18 PM  
Blogger Leonor said...

PARA JMC

ola jmc
ainda sou do tempo das carteiras altas e da regua mas nao dos tinteiros e dos aparos. havia umas canetas da "faber" que tinham um azul lindo.

ainda bem que a regua desapareceu pois havia quem nao soubesse usar tal utensilio.

abraço da leonoreta

2:05 PM  
Anonymous Anonymous said...

Pois, até à 4ª classe, tinhamos de escrever com essa especie de 'pena'
o tal lápis de aparo na ponta, porque a dita caneta de tinta permanente (um luxo para a altura), era mesmo obrigatória, mas para o exame da 4ª classe, e subsquente prova de admissão ao liceu e às escolas tecnicas (Industrial ou Comercial), vida dificil para quem só teria 10/11 anos na altura (três Exames) e uma saída possivel, pois eu optei pela vertente tecnica (Curso Industrial) e passados todos estes anos não estou arrependido.

JMC

2:41 PM  
Blogger Leonor said...

PARA BATISTA FILHO

ola batista. que saudade.
que saudade do teu blog e da tua presença.
obrigado por teres aparecido.
como tu muitos se foram.

abraço da leonoreta

4:12 PM  
Anonymous Anonymous said...

"...Na água do mar sem pudor
Nu mergulhar tão lento ..."

Bom fim de semana .

4:48 PM  
Blogger Zé-Viajante said...

Não me parece que seja dificil gostar de uma professora assim.
E a sorte que tu tens de lidar com crianças, penso eu.
Com adolescentes é que eu nem tentava e estou muito longe do ensino.
Abraço, Leonor.

6:04 PM  
Blogger Fragmentos Betty Martins said...

Minha querida Leonor

Já cá estou de volta:))

Vim só dizer um OLA! e agradecer a visita na minha ausência

Voltarei mais tarde com tempo. Para ler e comentar

Beijos com muito carinho

1:39 PM  
Blogger augustoM said...

Enternecedor, a professora que vira mãe, pois só a mãe tem a tal varinha mágica.
Um beijo. Augusto

1:52 PM  
Blogger lena said...

doce Leonor, minha amiguinha

é tão fácil gostar de ti, destas tuas magias que fazes até com palavras.

um texto magnifico, um texto tão teu que te sinto e imagino com a varinha de condão, como se tu fosses a mãe de tantos Brunos.

sim, é assim que te imagino doce Leonor uma professora mãe para cada um dos teus meninos lindos

obrigada por mais este momento tão terno que me encantou e me deixa sempre presa ao que escreves

saudades de dar um lápis para a mão e deixar deslizar numa folha branca os rabiscos da sabedoria de uma criança...

ainda bem que há sempre um saco plástico e uma varinha mágica mesmo sem pilhas na tua sala.

consegues transmitir tanto amiguinha!

deixo-te um abraço apertado, o meu carinho e ternura

a magia de um beijo doce para os teus pequenitos

e beijinhos para ti



lena

9:27 PM  
Blogger Fragmentos Betty Martins said...

Querida Leonor

És uma verdadeira fada com o condão de nos encantar

tu e os teus meninos e as histórias que nos contas. com uma simples colher de pau e uns sacos de plástico fazes um mundo de uma criança. mas a verdadeira magia vem da tua dedicação e amor que dedicas à arte de ensinar.

felizes os meninos que te têm como professora:))

Beijinhos com muito carinho

9:37 PM  
Blogger Isamar said...

Primeiro: um abracinho grande, Leonor. As saudades já eram grandes.Tenho andado a postar mais e estava em falta contigo. Já li o teu post meia dúzia de vezes e lê-lo-ei outras tantas.Consegues comover quem te lê, professora doce. Professora e fada. Eu senti essa magia desde o primeiro momento em que te conheci. Falavas dos teus meninos com a ternura de quem foi talhado para o ensino e a quem foi dada a varinha de condão à nascença. Vai usando esses poderes fantásticos porque jamais serão esquecidos. Nem eles nem a "fadinha" que tão bem administra a fantasia das suas crianças.

Beijinhos minha doce e querida amiga.

9:56 PM  
Blogger sOl said...

Queria ter tido uma professora assim =D
Eles têm muita sorte...



sOl*

10:15 PM  
Blogger APC said...

Tu és fada! Assim como toda a mãe tem uma fada dentro de si, parece-me que toda a fada tem dentro algo materno. Voilá!... A tua varinha de pau não realizou a magia que as palavras pediram, talvez porque foi feita para realizar outras maiores, que as palavras não explicam!

:-)

PS - Quando dizes ao JMC, "ainda sou do tempo das carteiras altas e da régua mas não dos tinteiros e dos aparos", eu podia subscrever-te. Embora já começasse a cair em desuso noutras escolas, ainda apanhei com aquela maciça régua de madeira. Ah!... E obrigavam-nos a rezar uma Avé Maria depois do "Bom dia, minha Senhora" com que todos tínhamos que saudar a professora... A D. Margarida, que faleceu este ano com oitenta e muitos.

4:50 AM  
Blogger Mocho Falante said...

Fiquei deliciado com esta tua ternura tão tua e na forma brilhante como lidas com eles

beijocas

11:29 PM  
Blogger Isamar said...

Mas eu jurava que tinha deixado aqui um comentário!Fi-lo com tanto cuidado, professora querida! Tu és e serás sempre uma fada ainda que as pilhas acabem no mercado. As tuas, penso que não acabarão. Vieste com elas, no fabrico, e a isso chama-se vocação. Olha, o comentário anterior estava mais ao meu gosto.
Bom fim de semana! Beijinhosssssss

1:56 PM  
Anonymous Anonymous said...

Como gosto destas histórias..até eu me ri da falta de pilhas.Beijinhos.

5:18 PM  
Anonymous Anonymous said...

Olá, Leonor!
Mais um excelente texto onde nos dais a conhecer mais um pouco das tuas qualidades!
Sim, por vezes é necessária alguma imaginação para dar a volta a inúmeras situações que surgem diáriamnete a uma professora.
Gostei,como sempre,de passar por aqui!
Adoro a tua escrita!
Beijo

9:55 AM  
Blogger Daniel Aladiah said...

Querida Leonor
Felizes os que te passam pelas mãos...
Um beijo
Daniel

11:23 PM  
Blogger MT said...

Também tenho uma aluna que chora pela mãe acho que vou usar essa dica da varinha mágica. Obrigada pela partilha.

Beijinhos

6:30 AM  
Blogger Crescer Sem Limites said...

Depois de uma ausencia, regresso. Não deixei de ler o teu Blog. Enternece. Parabéns por teres ficado com um 1.ºAno.
No ano lectivo anterior tive uma turma do 1.º e adorei
Beijokas enormes
Fernanda

11:23 PM  
Anonymous Anonymous said...

Leonor, eu ainda aqui venho ler-tee hei-de vir sempre enquanto tiver acesso à net, Comentar é ue prontus... às vezes faltam-me as ideias pra te fazer justiça num comentário (e ás vezes é mesmo a falta de vontade!!)

Porque li a tua resposta ao Baptista Filho. Não pertenço ao grupo dos que se foram!

Ah, e este texto é excelente., como habitualmente. Comoveste esta pedra que carrego no lugar do coração!

Fica bem, e escreve sempre. 8)

André Belo (do extinto www.umindividuo.blogspot.com)

7:20 PM  
Blogger Zé-Viajante said...

Sem a magia de uma colher de pau, aqui "ordeno" que apareça outro post. Plim.
Abraços, Leonor.

6:30 AM  
Blogger SILÊNCIO CULPADO said...

Hoje só quero convidar-te a juntares-te a nós no NOTAS SOLTAS IDEIAS TONTAS (http://notassoltasideiastontas.blogspot.com) no grito contra a pobreza, hoje dia 17/10/07 em que, internacionalmente, se exige a sua erradicação.

3:17 PM  
Blogger José Gomes said...

Que belo conto, Leonor. E que boa imaginação!!!
"Querem ver que a Leonor FEZ uma varinha de condão?... e de uma colher de pau?!!!"
Peguei eu numa colher de pau, forrei-a de papel prateado, inseri uma lâmpada e pilhas (não vá o diabo tecê-las...) e formulei um desejo: voltar ao passado, uma tarde de Junho em 2005.
A varinha não funcionou!
E fiquei triste!!!
José Gomes

6:06 PM  
Blogger Mocho Falante said...

que se passa com a Leonor que anda tão ausente? Espero que tudo esteja bem

beijocas

11:16 PM  

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