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Mínimo sou, mas quando ao Nada empresto a minha elementar realidade, o Nada é só o Resto. Reinaldo Ferreira

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Dizem que sou como o sol mas com nuvens como na Cornualha

Friday, June 13, 2008

Agora ficas tu

Quando eu me demoro a chegar à sala depois do intervalo há sempre alguém a vigiar a porta, uns metros mais à frente, para que os outros escrevam tudo o que quiserem no quadro e a professora não ver.

Depois, quando o vigia me vê a aproximar corre para que os colegas tenham tempo de apagar o quadro.

E desta vez a escolha recaiu no Nichita. Nichita já fala bem. Já diz “eu percebo”. Já diz “posso distribuir?” (os trabalhos feitos ao longo da semana que precisam de ser arrumados no dossier). Já diz “posso ir eu?” (quando eu peço um voluntário para ir ao quadro.

Mas Nichita distrai-se e quando me vê quase em cima dele tem um susto que não consegue disfarçar. Corre à minha frente a gritar “PROFESSORA, PROFESSORA”.

Não escrever no quadro na minha ausência é uma regra de sala de aula a fim de evitar conflitos pela posse do giz e do espaço da ardósia.
Antes de eu entrar na sala, entro na casa de banho e conto até trinta. Quando entro na sala, o quadro está limpo, está tudo sentado em silêncio.

Olho para o quadro. Olho para eles.

- Será que apaguei o quadro antes do intervalo? – pergunto “espantada” porque fica sempre matéria escrita.

Ninguém responde. Entreolham-se comprometidos à espera do que virá depois.

- Bom! Se calhar apaguei. Filipe começa a ler o texto.

E todos abrem o livro aliviados de uma possível punição.

No contexto de sala de aula não há receitas para controlar comportamentos indisciplinados mas uma coisa o tempo me ensinou: o castigo só os agrava.
Leonoreta

18 Comments:

Blogger th said...

É gratificante ver uma pessoa a agir em vez de reagir, deixar os castigos para os erros realmente graves, segundo critérios ditados com o coração, com carinho.
beijo, theo

8:45 PM  
Blogger lena said...

Só tu minha querida Leonor para assim reagires


quem me dera voltar à infância e ter assim uma professora com critérios tão valiosos


hoje a nostalgia bateu, apesar do dia estar lindo

talvez porque já se sente o vazio que os pequenos vão deixando

talvez porque seja eu, com saudades de alguém que não me castigava

como bem diz a th, agia em vez re reagir...

não fui silêncio hoje, as saudades de ti são presença

um abraço terno e doce, onde o carinho e a amizade moram

beijinhos para ti doce e linda Leinor

lena

10:51 PM  
Blogger Manuel Veiga said...

pedagogia é (também) cumplicidade, não?

gostei muito.

11:10 PM  
Blogger éme. said...

Maravilha de texto, de novo!!
:)
Quem me dera estar ainda na formação de professores: juro que recomendo/aria este blog como leitura imprescindível!!

1:31 AM  
Blogger Isamar said...

Bem hajas, Leonor! Este saber de experiência feito faz de ti a pedagoga que todos gostamos de ler.
Uma história em que aprendi um pouco mais.

Beijinhos

11:15 PM  
Blogger Lc said...

Bem pensado.

12:54 AM  
Blogger São said...

Que bom ouvir os Águaviva!!
Interessante texto.
Tudo de bom.

2:03 PM  
Blogger APC said...

Muito bem expressado. E terno, como sempre! :-)))

PS - Li ali o Herético, com a da cumplicidade como via para a pedagogia. Hum-hum. É isso mesmo, né?

4:46 AM  
Blogger Mocho Falante said...

Olá olá

estou de volta depois de uma pausa forçada. Agora sim pronto para matar saudades

beijocas

10:26 AM  
Blogger Manuel Veiga said...

beijo

11:27 PM  
Blogger João Videira Santos said...

Quando os critérios valorizam a professora, logo o ensino, que dizer?

2:07 AM  
Blogger Mocho Falante said...

adoro estas tuas histórias, fazem sempre recuar-me à minha infância

Beijocas

3:02 PM  
Blogger Zé-Viajante said...

1 - Brilhante a pedagogia. Lindo.
2 - ...a peça do puzzle, não é ?
Bj

8:17 PM  
Anonymous Anonymous said...

já aqui não vinha ha mt tempo :(
mas os teus textos continuam lindos como sempre :)********

4:38 PM  
Anonymous Anonymous said...

Ao ler este texto recordei um professor que tive em Hoistória e também em Filosofia. Era um padre italiano creio que do Trieste. A turma tinha por hábito fazer um grande chinfrim na aula antes de chegarem os professores, mas nas aulas dele, demorasse ele o tempo que demorasse ouviam-se as moscas na sala. E nunca levantou a voz nem castigou ninguém, mas infundia um respeito tão grande que ainda hoje não consigo explicar.

8:55 PM  
Blogger anad said...

É tão gratificante passar por este blogue.
Um abraço
Anad

5:28 PM  
Blogger augustoM said...

Pois não sei se intervalo ou se apague o meu quadro. Falta pouco para quatro anos e cerca de 100.000 visitas. É pempo de migrar.
Um beijo. Augusto

2:14 PM  
Blogger saltapocinhas said...

tal e qual!
os meus também escrevem no quadro, no intervalo (é a actividade favorita deles!), mas´não tenho isso (não escrever no quadro) como regra porque a minha escola não tem corredor!! ;)

5:01 PM  

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