Ex Improviso

Mínimo sou, mas quando ao Nada empresto a minha elementar realidade, o Nada é só o Resto. Reinaldo Ferreira

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Dizem que sou como o sol mas com nuvens como na Cornualha

Saturday, March 25, 2006

Os cucos cantam no verão

Pa, pe, pi, po, pu.

Pipa, pai, pau.

Ta, te, ti, to, tu.

Pato, tia, teia.

La, le, li, lo, lu.

Lula, lata, lua.

Ma, me, mi, mo, um.

Mala, mãe, mão.

E assim vou ajudando a descobrir as vinte e três letras do nosso alfabeto. Devagarinho os miúdos vão descobrindo as famílias de sílabas, os ditongos.

Aproxima-se a letra C. E quando ela chega passo à frente. Dou o D e o V, mas não posso adiar mais. O C é fundamental na formação das palavras. Os pintainhos ainda são muito pequenos para qualquer tipo de indução maldosa. Porém o 3º ano está sempre atento às explicações do 1º, chegando a parar de trabalhar para ouvirem novamente a descoberta do código linguístico.

O 3º ano é perigoso. Ainda no outro dia mandei-os fazer o masculino de alguns nomes. Escrevi no quadro o que me veio à cabeça aleatoriamente, sendo um deles “cozinha”. A homofonia da palavra no masculino levou a turma ao rubro da risota e quando dei pelo que tinha feito só me restou corar num sorriso mal disfarçado.

Todavia, agora não queria correr o risco novamente. Aproveito a hora da educação física em que os mais velhos saem para o ringue e eu fico com os mais pequenos na sala.

Escrevo no quadro ca, co, cu ao mesmo tempo que preparo já mentalmente um eventual chiu mal encarado para o caso de algum atrevimento. Leio. Nada acontece. Eles repetem. Dizem palavras com ca, cadela; com co, copo; e cu, cuco.

- Sabem o que é um cuco?- perguntei.
- Sabemos! É um pássaro que só canta no verão.

Ajudando os pais nas lides dos campos, claro que sabem o que são cucos. Eu, que do campo só conheço os romances de Miguel Torga, é que não sabia que os cucos só cantavam no verão.
da Leonor

Saturday, March 18, 2006

"You have got to get in to get out" (Carpet Crawlers, Genesis)

Ana arruma as gavetas do móvel da sala. Leonor entra devagar e, lentamente, passa o indicador direito pelas lombadas dos livros arrumados na prateleira como se ao passar o dedo pelos títulos fizesse uma segunda leitura das palavras já lidas.

- Estás desanimada. – disse Leonor, continuando a percorrer com o dedo, não agora os livros mas a aresta da estante.

- Eu? E porque dizes isso? – perguntou Ana, curiosa, sem parar o que estava a fazer.

- Quando estás em baixo arrumas gavetas. Podias ir ao psicólogo, mas preferes arrumar gavetas.

- É realmente uma terapia muito boa. Já a pratico há alguns anos largos. Li-a no Reader’s Digest ou coisa assim. No final ficas com a alma mais leve e a gaveta arrumada. – esclareceu a Ana.

- Hum!

- E tu estás ansiosa. – disse a Ana.

- Eu? E como sabes?

- Mente ausente. Olhar perdido. Qual é o dilema desta vez?

- O do costume.

- Tens uma porção deles que são “o do costume”. – sorriu ironicamente a Ana. - Por isso, especifica.

- Se aquilo que constitui a minha vida é uma sucessão de factos independentemente da minha vontade ou se é um conjunto de factos sem causa aparente.

- Oh! Esse! – e Ana acenava a cabeça afirmativa e demoradamente, mostrando já conhecer a crise que se aproximava.- Queres saber o que penso?

- Sim. – Mas o sim de Leonor era pouco convidativo. Já sabia que o pragmatismo de Ana concluiria a conversa e não satisfaria as suas incertezas.

- Penso que… - parou a olhar o marcador de livros em veludo vermelho com uma pena e um tinteiro em estanho que a Nadine, a companheira de curso que durante quatro anos concordou com todas as vontades de Leonor nos trabalhos, trouxe dos Estados Unidos. Na verdade, Ana tentava ganhar tempo para responder. - … penso que… realmente há um destino já determinado para cada um. Mas que, independentemente disso, podes escolher as voltas que quiseres para lá chegar. Inclusive, podes escolher as voltas que quiseres para não lá chegar.

- Então? – quis saber a Leonor.

- Olha o Édipo por exemplo. Ao saber do destino do seu inevitável incesto fez tudo para o evitar e sempre que agia avançava um passo na direcção da fatalidade. Ou seja, como dizia o nosso Agostinho da Silva “remava contra a maré a favor da maré”.

Leonor começou a percorrer novamente com o indicador toda a extensão da parede da sala, dando a volta às quatro paredes, como se o dedo fosse a ponte para a feliz explicação do inexplicável.

Ana segurava agora na mão um pequeno pedaço de papel, imitando papiro, com uma frase escrita.

- Para que queres tu um bocado de papel com mau aspecto numa gaveta? – perguntou, esperando autorização para deitar fora. – Já agora, o que é que te está a pôr assim tão apática?

- O concurso de professores. Já começou.

- Tem calma. Vai tudo correr bem, vais ver.

- Pois! Mas de que serve eu preencher os papéis se já está estipulado o sítio para onde vou?

- Tu sabes que “ele” lá em cima não pode preenchê-los. Tens que ser tu a fazer o que “ele” já decidiu para ti.

Leonor suspira. Esmurra a parede com as duas mãos na sua impotência de conhecer o futuro. Recolhe-as debaixo dos braços para que a dor passe.

- Não deites isso fora. – diz Leonor resignada mas não convencida. E sai da sala.
Ana fica a olhar para o papel “You got to get in to get out”.


da Leonor

Saturday, March 11, 2006

Não faltava mais nada!

VP e Leonor apreciavam a imensidão do mar do alto da arriba naquela tarde de verão quente. Sol escaldante. Pela testa de Leonor escorriam grossas gotas de suor. Ela soprava de impaciência, ansiando o momento em que a inspiração fotográfica acabasse ao VP, que submerso naquilo que gosta esquece todo o resto.

Lá em baixo, num pontão sobre o mar, umas quinhentas pessoas esperavam sentadas em cadeiras, dispostas em filas magnificamente ordenadas o barco que os levaria a uma ilha ao largo.

De súbito, uma dessas pessoas, um senhor já de uma certa idade, cuja barriga se pendurava nuns calções patuscos de riscas brancas e azuis com meias brancas a saírem de umas sapatilhas puxadas até aos joelhos, levantou-se e aproximou-se da borda do pontão e grita: -Vejam aliiiiii. Imediatamente, numa histeria inexplicável todos os outros se precipitaram atrás dele, provocando um mergulho colectivo no mar da maior parte das pessoas que estavam mais à frente no pontão.

VP e Leonor observavam espantados e incrédulos. Numa fracção de segundos, a calma da tarde escaldante deu lugar a uma balbúrdia repentina. Recuperado do espanto, VP manda Leonor segurar o equipamento fotográfico e desce rápido pela ribanceira com o intuito de ajudar.

- Que maçada, bolas. Detesto segurar nestas coisas – reclamou Leonor – onde é que vais?

- Tentar evitar que as pessoas morram afogadas. – grita o VP

- ‘tás a brincar! São muitos, pá, ainda vais tu também... Não consegues. - Cada vez mais o VP se afastava e Leonor gritava para se fazer ouvir.

- Alguns hei-de conseguir salvar.

- Ooooora, tem paciência. Tens cada uma!

“Que coisa. Só a mim é que acontece disto. Eu à espera que ele tirasse as fotografias rápido para me ir embora e agora isto. Nunca mais chego a casa hoje. ‘tou que nem posso, a suar, cheia de poeira”. Leonor estava desesperada. Era sempre assim. Quanto mais depressa queria sair de um lugar mais se demorava para ir embora.

VP pega nas bóias penduradas no pontão e lança-as ao mar. Clama pela ajuda de Leonor.

- Quem? Eeeeeeu? Ah! Não faltava mais nada. Eles que não caíssem! Cambada de parvos! Olha, olha. Espera aí que já vou espatifar os meus calções Coronel Tapioca.

- Leonor, ajuda aqui a puxar o pessoal para cima. – insiste o VP.

- Isso é que era bom! Não vou, já disse! Anda embora. Deixa mas é isso da mão. Olha, posso telefonar para os bombeiros e já faço muito.

VP, junto da borda, de costas para a água não viu que alguém lhe segurava o tornozelo, puxando-o para a água. Na tentativa de controlar o equilíbrio, gira os braços desalmadamente enquanto grita, desesperado.

- Eeeeeeei! – quase grita a Leonor – não se pode dormir agora nesta casa? São quatro horas da manhã e estás nesse espectáculo? Queres acordar a vizinhança? Que cooooisa…


(Na manhã seguinte o VP contou-me o seu pesadelo e foi assim que o escrevi)


da Leonor

Saturday, March 04, 2006

Oceania ou Oceânia? Cada doido com a sua mânia.


Teresa Lopes do Talvez Uma Península http://talvezpeninsula.blogspot.com indicou-me para dar continuidade a uma cadeia onde se revelam cinco hábitos, daqueles renhidos, da nossa personalidade.


Sendo assim… aqui vai Teresa.


Quando me pedem um favor pergunto se quer com batatas fritas a acompanhar.

Geralmente grito quando sai dinheiro do Multibanco.

Nunca páro o carro nas passadeiras dos pedestres.

Regateio sempre o dinheiro do passe social.

Só abro a porta da rua a quem me disser o último pensamento de Nietsche.


Não me digam que acreditaram!!!!!?????? Estava a brincar! Agora vou falar verdade.


Entro sempre no trabalho meia hora mais cedo mesmo que chova picaretas.

Páro sempre na rua para ver passar a Banda de Música.

Tapo os olhos nas partes más de um thriller e grito para a vítima fugir.

Dou sempre uma moeda a quem toca um instrumento na rua.

Deixo canetas espalhadas por todos os cantos da casa.


E “prontos”. Há mais. Mas só pediram cinco. E para continuar a cadeia tenho que passar o elo a mais cinco blogs. Contudo, fica difícil escolher mais cinco blogs no meio de tantos amigos que fiz aqui no sitio. Então eu lembrei-me… quando me visitassem e comentassem poderiam dizer as vossas manias.



da Leonor